Folga, que folga?
Graças a um pequeno free-lance que arrumei, a minha folga (que, como já disse, vai até o dia 8 de agosto) durante o dia ainda não teve atividades lúdicas. Só à noite - mas aí não faz tanta diferença assim (apesar de eu ter passado essas duas noites com a melhor companhia que eu podia querer ter sobre a Terra), porque normalmente eu saio à noite depois do trabalho. Os dias têm sido batucando letrinhas e analisando relatórios de exames de sangue. Isso mesmo, o meu frilance é para uma empresa que faz auditorias em laboratórios. Ainda nem sei se o texto foi aprovado pelo cliente ou não.
Do jeito que anda a minha paciência com essas coisas, se o cara não aprovar, acho que não vou nem tentar fazer outro. Quero descansar, pô!
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Ah, um detalhe que era desnecessário: ela é Flamengo. Não vou ter que ouvir nunca a frase "Para a gente casar você vai ter que virar Vasco", como eu já ouvi uma vez.
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Falando em Flamengo, parece que a estréia no Campeonato Brasileiro será contra o Internacional do grande camarada Renato de Alexandrino. Um clássico sem ódio. Que vença o melhor, sem ressentimentos. O meu problema todos sabem que é contra aquele outro timinho de azul e preto que habita um estádio repugnante batizado pretensiosamente de Olímpico. O Inter merece meu respeito, principalmente por causa de 1976 (Manga, Cláudio, Figueiroa, Hermínio e Vacaria; Caçapava, Carpegiani e Falcão; Valdomiro, Dario e Lula) e dos golaços de Chico Spina em 1979 sobre a Legião Estrangeira da Cruz de Malta. Portanto, se der Inter, tudo bem. Mas pelo menos acho que o Flamengo dessa vez vai fazer jogo duro.
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A campanha "Vá ao Shenaningan´s mas não me chame" está tomando proporções dantescas. Fui chamado de velho e grosso pela Ana Luisa, minha colega de jornal, só porque ela perguntou se eu ia no Shenaningan´s e eu respondi educadamente "nem f(*)". Ainda usei asterisco, Ana....
As visões que homens e mulheres têm do local são muito diversas. Para homens, um lugar cheio de gringo e com garçonetes ninfetas estilo Nabokov, que tem uma mesa de sinuca. Para mulheres, um lugar com "caras legais" (sinceramente, na última segunda, tirando eu, não vi nenhum, e ainda fiquei meio puto com uns espanhóis) e "garçonetes metidas" (sem querer analisar a performance física das garçonetes, garanto que nenhuma delas deixou de me atender legal nenhuma vez).
Eu acho que a questão é simples: o Shenaningan´s é um altar de sacrifícios. Se você acha que o que vai conseguir lá vale o sacrifício de ficar em pé, esbarrando em milhares de pessoas, levando horas para ser atendido e outras horas para sair de lá, tudo bem.
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E lá vai o São Caetano. Se for vice de novo, sugiro transformar o santo em novo padroeiro das causas perdidas, no lugar de São Judas Tadeu.
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Bom, vou jogar sinuca. Fui.
BLOGUS
31 julho, 2002
30 julho, 2002
Shenaningan´s, adeus
Me lembrarei com carinho deste pub, onde tive um primeiro encontro inesquecível. Mas voltarei à campanha "Vá ao Shenaningan´s mas não me chame", com toda força. Em uma segunda-feira à noite, não havia sequer uma mesa vazia, gente em pé, sinuca lotada, e um concurso de vira-vira que, por tanta gente na frente, nem sei do que se trata. Deve ser algo relacionado a entornar alguma bebida, prática que, como sabemos, não dá certo aqui nos trópicos. Virar um copo gigantesco de chope é tarefa para pessoas em climas frios, onde o álcool demora a pegar, onde neguinho bebe durante horas e não fica embriagado. Aqui, é dar munição para o desastre - por qualquer copinho de martini os amadores daqui estão enrolando a língua e se fazendo de valentes, imagine então concurso de vira-vira!
É claro que, na hora de sair do pub, a fila para pagar parecia a do desemprego, 30 pessoas, e com apenas uma pessoa atendendo, demoradamente. Sim, é fácil e triste constatar que um lugar agradável deixou de existir.
Apesar de não ter o mesmo clima do Shenaningan´s (é meio "brasileirão" demais), vida longa ao Queen´s Leg da Lagoa.
Noites silenciosas em Angra
Passei o fim de semana em Angra e provavelmente minhas idas pra lá serão constantes até novembro, quando minha amiga entregará a casa. Tudo bem que ela alugará outra tão aconchegante quanto, mas quero aproveitar essa. Pelo prazer de sentar naquele deck, ficar olhando o mar, colocar um CD alto pra tocar sem vizinhos para reclamar. Isso sem falar nas noites silenciosas.
Cinema
Gostei do filme “Janela da Alma”, em especial do depoimento de José Saramago e do fotógrafo francês Eugèn ? (esqueci o sobrenome), também foi legal reparar o jeito do professor de literatura que falava com a cabeça caída para o lado, e a testa franzida e vermelha do Sivuca. Adorei as imagens alternadas. Minha amiga não gostou muito do filme, estava impaciente esperando o fim. Não ouvi comentários na saída, também, pudera, eu sou surda. Mas acabou logo. Na verdade, acabou tão rápido que quando me dei conta estávamos falando sobre fisioterapia e dinheiro - ou a falta dele - na mesa de um bar, cerveja na mão, vigiando o relógio e pensando no dia seguinte, nos afazeres, mas com os olhares despreocupados do cotidiano, de novo.
Novo blog no ar
Minha colega de Lance, Ana Luisa, resolveu expor o universo feminino em um blog cuja Url quase tem nome de praia havaiana: o Roupa Suja. O endereço é http://analulu.blogspot.com. Aconselharia-a a trocar logo por honolulu.blogspot.com.
Com Ana Luisa, já são nove as pessoas do jornal que têm blog no ar.
Inscrições encerradas
Em 19 de junho (como está assinalado) passado publiquei o post abaixo, oferecendo um partidaço (apesar de não ser farto em recursos financeiros): eu mesmo. Dei uma oportunidade única a todas as moças bonitas do mundo, via web, de encerrarem o período de mágoas e desilusões, bastando para isso me dar o CD do Neil Young e viver feliz para sempre.
[6/19/2002 6:08:35 AM | Gustavo de Almeida]
Sugestão de presente
Se houver no mundo alguma moça bonita que queira despertar meu interesse afetivo, visando relacionamento futuro em que garanto plena felicidade, recomendo que procure nas lojas mais próximas o CD Are you passionate?do Neil Young, para me dar de presente. É garantia de um bom começo...
[edit]
Recebi dois comentários (não lembro direito), nenhum com qualquer proposta de assinatura de contrato. Paciência. Agora, o prazo acabou, nem bem o prazo, para falar a verdade: o que acabou foi a vaga.
Neste dia 29 de julho, eu ganhei o CD do Neil Young.
28 julho, 2002
Música para ouvir ao telefone durante uma madrugada de domingo
Come Rain or Come Shine
(Johnny Mercer)
I'm gonna love you like nobody's loved you,
Come rain or come shine.
High as a mountain and deep as a river,
Come rain or come shine.
I guess when you met me
It was just one of those things,
But don't ever bet me,
"Cause I'm gonna be true if you let me.
You're gonna love me like nobody's loved me,
Come rain or come shine.
Happy together, unhappy together
And won't it be fine.
Days may be cloudy or sunny,
We're in or we're out of the money,
But I'm with you always,
I'm with you rain or shine.
27 julho, 2002
Folias baianas
Tinha todos os ingredientes de uma grande roubada, mas definitivamente não chegou a tanto - na medida em que você revê pessoas meio sumidas, a roubada diminui. Claro que estou falando do restaurante baiano citado alguns emails abaixo no convite de aniversário que recebi.
Antes de tudo, um warm-up e umas cinco voltas de aquecimento dos pneus no Plebeu, que ficava praticamente em frente ao tal de Axé Santé, o restaurante franco-baiano ou axé-francês do tal aniversário. Um parêntese: Marlos, que estava na parada, ficou na dúvida se o restaurante ser baiano e francês (sinceramente, não vejo a menor relação entre as duas culinárias) seria resultado do casamento de uma dançarina de axé com um cineasta francês (rótulo dado até para os técnicos que consertam televisão em Lyon) ou de um bailarino francês com um capoeirista. Veneno, maldade, tudo em doses cavalares.
Já cheguei no Plebeu e encontro não só o celerado acima como também Julio Castañeda, este em adiantado estado de decomposição. Em cima da mesa, obviamente, uma quantidade de Bohemias capaz de embrulhar o estômago até do Pereio. Sentei e pedi uma dose de whiskey oito anos, para relaxar, depois de um dia cansativo. Aí começam: surge uma menina com quem eu falei UMA vez na vida, no Queen´s Leg, e justamente por isso a miopia (me atrapalha muito) e a memória não deixaram com que eu me lembrasse. Ela interrompeu a conversa e exigiu que eu fosse ao Queen´s Leg na terça. Disse "sim, senhora" e encerrei a conversa, me voltando para a mesa, onde eu degustava o Johnnie Walker e conversava sobre o "Escorpião de Jade", novo do Woody Allen e sobre a perspectiva de rebaixamento do Botafogo no Campeonato Brasileiro.
Nisso, irrompe na mesa do Plebeu um cara que eu via uma vez ou outra na Matriz, quando eu ficava de DJ da pista 2. O cara deve ter falado comigo umas três vezes, todas pedindo música e todas dizendo, "porra, esse som de vocês é foda". Bom, o cara quase subiu na mesa, me abraçava, num porre duca, dizendo, "caramba, Guuuugaaaa, quando é que você vai 'tocar' de novo???", isso umas 15 vezes. Detalhe: jamais fui chamado de Guga em toda minha vida. E o cara me apresentou a umas cinco pessoas em outra mesa (as cinco pessoas COMPLETAMENTE sem graça) dizendo, "este é o DJ Guga", enquanto eu tentava explicar que não sou mais DJ de nada. O cara me convenceu a dar meu telefone porque ele queria que eu tocasse "em uma parada aí". Obviamente dei o telefone do jornal.
Diante disso, o melhor mesmo foi ir logo para o tal restaurante franco-baiano, ali perto. Passamos em frente a uma casa onde uma cantora de voz terrível cantava "Hoje eu quero sair só", do Lenine. Outro parêntese: eu queria que pelo menos um cantor de barzinho de Botafogo não incluísse essa música em seu repertório. É incrível, todos cantam, e fazem cara de inteligente por estarem cantando Lenine e cara de moderno por acharem que estão fazendo uma "releitura". Nunca a palavra "releitura" esteve tão coberta de glamour. Fecho parêntese. A casa da cantora de voz terrível era EXATAMENTE o Axé Santé. "Que roubada", foi o pensamento uníssono. Entramos e não vimos um rosto conhecido sequer.
- Mesa para três, senhor?
Dissemos que tínhamos vindo para um aniversário e já estava me retirando quando o que eu acho que era uma mistura de mâitre com dono de restaurante disse:
- É ali em cima.
Viramos os rostos para a esquerda e vimos uma escada em caracol. Uma temível, acachapante, perigosa, inexpugnável escada de caracol. "Filho da puta!", foi o pensamento uníssono em relação ao Marlúcio, dono da festa. Subimos a escada já pensando em como poderíamos continuar bebendo se, para ir ao banheiro ou mesmo ir embora, teríamos que atravessar aquela escada em caracol.
Logo vimos todos os ingredientes de roubada: o cheiro de comida baiana no ar, várias pessoas com o dobro de nossa idade - família, família, família - nenhum rosto familiar a não ser o do aniversariante. Este veio nos cumprimentar efusivamente, obviamente nos chamando de homossexuais, e coisas do tipo. Na hora do abraço, deu para ver a cartela de comanda do bar dentro do bolso dele. No lugar do nome do cliente o filho da puta escreve: "Deus".
Nos sentamos e eu pedi o cravinho, a xiboquinha baiana. Encontramos um camarada de Castañeda das antigas, ouvimos histórias interessantes. Enquanto isso, depois de ter detonado várias Bohemias no Plebeu, Marlos encarava um caruru seguido do que me pareceu ser um vatapá, tudo adornado com uma farofinha tão amarela que se fosse colocada numa encruzilhada o Detran mandaria tirar alegando que confundiria o motorista.
Lembrei que antes disso nós havíamos comido uns bolinhos de carne no Plebeu. Pensei na combinação que o cara fazia ao meu lado: cervejas + bolinhos de carne + caruru + vatapá + farofa de frigideira e arrematando com duas belas fatias de BOLO DE CHOCOLATE do aniversariante. Pensei: "Esse cara está engolindo uma granada".
Bom, só sei que deu para dar umas risadas boas. Uma e meia saí, peguei um táxi e vim para casa, olhar minha correspondência eletrônica antes de dormir - algo que já se tornou um ritual.
Hoje, sábado, vou trabalhar. Espero não ter que ir no enterro dos restos mortais de Marlos após a explosão.
26 julho, 2002
Boa leitura matinal
A coluna do Dapieve hoje no Globo aborda o assunto dos thyrsos - expressão retirada da segunda edição do BBBrasil. Eu confesso que não sei o que significa direito a expressão, mas ouvindo os outros falando, me pareceu que se trata de um sujeito sentimental e ao mesmo tempo grudento. Quer dizer, sentimental no sentido de que não esconde o que sente, pelo que entendi.
Pois como sempre Dapieve vai na contramão e questiona, muito bem, porque o cara é considerado otário - pelo menos a mídia propaga isso como tal, em matérias dominicais e coisas do gênero. Dapieve lembra que o comportamento do cara, no final das contas, deu resultado, pois ele continua com a loura que ele conheceu no programa.
Bom, eu não defendo que ninguém seja tão grudento, excessivamente possessivo, excessivamente ciumento. Em uma certa dose, vale a pena tudo isso - mas todo homem tem a pelada com os amigos assim como toda mulher tem uma saída noturna com as amigas para conversar. Não é machismo nem feminismo. É só uma questão de, pelo menos de vez em quando, cultivar um pouco de saudade. É possível fazer o gol mais bonito da pelada e pensar em sua amada na hora da comemoração - faz que nem o aTHYRSOn, do Flamengo, desenha o coração no ar e diz "o amor é lindo". Sei lá.
O problema de neguinho sacanear demais os chamados "thyrsos" é que o bicho homem é meio exagerado. Se a idéia de que expor os sentimentos é propagada como ridícula, em pouco tempo a moda ou mesmo o padrão de comportamento será o cara se comportar como John Wayne de filme B ("When a man is a man/He can offer his hand/He don´t have to perform like John Wayne in some B feature flick", Pete Townshend, "A man is a man"). Acharia a maior caretice. É a maior caretice neguinho dizer que não chora, que não se apaixona, que não ama. Tremenda coisa de yuppie.
Só sei que o início do texto do Dapieve é sensacional, Eu assisto reality shows. (...) Uso óculos, tenho livros publicados, dou aulas em universidades, bebo. Só que também aprecio futebol, surfe e rock and roll, graças a Deus. (...) E assisto a reality shows.
É isso aí, nada como um "intelectual" que não tem vergonha de viver as coisas que teoricamente não deveriam lhe apetecer. Me lembra Aldous Huxley, em "Contraponto", um personagem dizendo, "quando os intelectuais querem ser mais do que um simples homem, e acabam sendo menos".
Agora, não sei porque me faz tão bem saber disso depois que meu irmão, que não vejo há meses, me chama para ir ao trabalho dele na segunda-feira jogar partidas de Duke Nukem (um video-game sangrento) em rede local, cada combatente em um computador. Um jogo vazio, pura carnificina, tiros, aberrações, ruídos escabrosos, tudo em rede. E lá vou eu, todo feliz. Ainda bem que depois tem o show do Big Gilson, ali perto na Lapa. Desta vez eu vou.
25 julho, 2002
Sei que é sacanagem, mas...
Não resisto. Meu camarada Marlúcio Luna, sujeito da melhor qualidade e inclusive conhecido por não ter papas na língua, me manda um dos convites de festa mais "frutas" que já li na vida. Nada mais a fazer a não ser publicar aqui e esperar que a galera compareça em peso ao evento:
Saquem só o estilo do cara:
Amanhã (25/7), a humanidade vive a segunda data mais importante do
calendário judaico-cristão - perdendo apenas para um outro dia 25 (o de
dezembro). Nesse dia, há 37 anos, o mundo se tornava muito mais
interessante, inteligente, belo e charmoso... Nascia Marlucio, este ser
repleto de significado e importância.
Para comemorar tão importante data, reunirei pessoas privilegiadas e também
importantes. Afinal de contas, ser amigo(a) de Marlucio é quase uma dádiva
divina. Dessa forma, espero encontrar todos no restaurante Axé Santé (Rua
Capitão Salomão 55 - Humaitá), a partir das 21 horas de sexta-feira. Não há
consumação mínima e ainda pode rolar um jantar baiano a R$ 10 por cabeça.
Weblogger sucks
Mais um que se convence de que o Weblogger ainda está a anos-luz atrás do Blogger. Lúcio Mattos me envia seu novo link no blogspot, é só clicar na frase anterior ou aí do lado.
Como já disse um pensador de que não me lembro o nome, o Blogspot está longe de ser o melhor servidor de blogs, mas é o único que temos.
********
O Flamengo, como eu realmente esperava no início da competição, sifu. Por vacilo da defesa e por vacilo do técnico, que coloca Roma em campo. Da próxima vez, deveria conferir se alguém da torcida tem um rifle com mira telescópica. Pior foi perder para esse timinho do Cruzeiro. Tenho certeza de que Belo Horizonte tem muitas coisas maravilhosas, mas o Cruzeiro de hoje definitivamente não é uma delas.
*******
Além de me congratular com os paulistanos pela vitória do time do ABC no primeiro jogo contra o Olimpia pela final da Libertadores, queria me confraternizar com o colorado Renato de Alexandrino pela bem sucedida Joint-Venture de secada em parceria entre Flamengo/Inter. Graças a nossa corrente para trás, a nossa energia negativa enviada para o Olímpico e a centenas de nomes nas bocas dos sapos, os gremistas foram para a PQP nos pênaltis contra o Olimpia. Olimpia, Olímpico. Acho que deve até sair poesia, mas o Grêmio não merece. Valeu, Inter!
24 julho, 2002
Os mini contos, de volta
Aqui ressuscita um post que havia morrido semana passada com as experiências do Gustavo. São os mini contos de Rosa Amanda Strausz que me mais me agradaram:
Tempo II
Tinha 16 anos no retrato sobre a mesinha e sessenta na poltrona à sua frente. Se ela chegasse só mais um pouquinho para a direita, ele poderia ver as duas imagens sobrepostas e tentar descobrir por que aquele beijo jamais havia acontecido.
Mas ela se levantou bruscamente e ofereceu um café. Ele aceitou, resignado, pensando que ser tarde demais era um destino como outro qualquer.
Jogos
Detestava bonecas, principalmente as lindas. A insistência dos pais acabou por acostumá-la com a perfeita beleza daquelas amigas hirtas, que tão precocemente a iniciaram no hábito da solidão.
O telefone
Quando o telefone tocou, já sabia que era ela reclamando da solidão. Fazia isso todos os dias, à mesma hora. Chamava cinco amigos pela manhã, três à tarde e um número variável à noite. Era a solitária mais acompanhada que já se conheceu e a que melhor soube tirar proveito dos males modernos.
Deus tem fome
Era um mundo como outro qualquer, mas sem pudores de ser macabro. Ali, a morte vivia forte e sã e era motivo para que todo dia lhe pagasse seu tributo. Células cerebrais destruídas pelo álcool, vestidos velhos, amores desfeitos, signos de decadência várias eram a cada ocaso depositados em urnas especiais e solenemente enterrados. Todo dia. Religiosamente, é claro. E assim cultivavam o deus voraz, eternamente alimentado de despojos. Como qualquer deus que se preze, aliás.
Ainda o verbo
Queria bradar: faça-se a luz, e que a luz se fizesse. Gritar bom-dia e que assim o fosse mesmo. Inútil. Sua boca era uma fonte que espirrava pássaros. Belos, mas indomáveis. Assim que sentiam o ar a sustentar-lhes o vôo, sumiam como raios, deixando atrás de si um rastro que impelia à repetição e mais nada.
Tempo III
Ganhou três gravuras chinesas com fundo vermelho. Uma borboleta ladeada por dois morcegos; um peixe e um dragão. Emoldurou o presente em laca e pendurou na sala, adivinhando significados místicos nos quadros e nas intenções de quem os deu.
Eram três ilustrações para rótulos de caixas de fósforo, descobriu anos depois. E ficou ainda mais encantada com a irrupção daquela beleza repentina. Desde esse dia, quando lhe perguntam o que querem dizer as gravuras, sorri misteriosa. De que adiantaria explicar a morte dos nossos pequenos deuses?
Woody
A discussão continua. Inagaki escreveu um bom comentário, Alessandra acha que é "A Rosa Púrpura do Cairo - e mais não disse - e Maggi aponta, em seu blog, "Manhattan" como o melhor filme de Woody Allen. É difícil a escolha. Mas se eu vir Manhattan, aposto como vou terminar o filme dizendo que é o melhor. Realmente, visões de uma Nova York por um apaixonado, crepúsculos em pontes gigantescas, cafés ainda meio noir, tudo sob a música de Gershwin, é dose pra leão. Filmaço mesmo.
Mas Inagaki me lembra de "Annie Hall". Genial, engraçado, meio triste, satírico, espirituoso, espetacular. Outro filmaço. Será que existe resposta para a pergunta "Qual o melhor filme de Woody Allen?"? Acho que não existe.
A fuga
Mencionei aqui outro dia que a nostalgia bateu forte e eu baixei 350 jogos de Atari com um emulador Stella para meu computador. Como sempre, estou fazendo isso depois que todo mundo já fez. Mas estou checando todos, alguns eu nem me lembrava de ter jogado. Como "o garoto pobre da rua"~, não tive Atari nem autorama. Anos depois, aquele garoto se sente vingado ao ter de graça mais de 300 jogos e poder jogar o tempo que quiser. Isso, porém, é outra história.
Entre os jogos tem o Roadrunner que vem a ser o jogo do....sim, do Papa-Léguas contra o Coiote ("Roadrunner" é o nome do desenho). Durante anos eu definia o caráter de algumas pessoas como "gente que nunca admitiu ter torcido pelo coiote", referindo-me àquelas pessoas imbuídas da objetividade fria dos sem alma. Até hoje, todo mundo que eu acho legal admite já ter torcido ou mesmo ser torcedor fiel e fanático do Coiote.
O cara investia fundo, comprava milhares de produtos ACME, e nada, só caía de abismos gigantescos, tomava porradas imensas de trens na contramão, levava pedradas na cabeça, freqüentemente ia pelos ares com bombas, tudo para pegar uma ave que tem menos carne que um galeto. Pô, um dia a gente tem que torcer pro cara. É um instinto natural.
Pois nesse jogo de Atari, obviamente nós somos o Papa-Léguas. E inevitavelmente em determinada parte do jogo, acontece o que sonhamos: o Coiote finalmente pega o Papa-Léguas. O jogo acaba na hora em que isso acontece, mas confesso que fiquei pensando o que isso teria feito à minha mente de criança. Ainda bem que eu não tive Atari.
23 julho, 2002
A fogueira
Adélia não gostava de festas juninas. Mas gostava de pular fogueiras. Tinha horror aos amiguinhos dançando quadrilha, todos fantasiados, com aquelas roupas ridículas, maquiagem de bolas vermelhas nas bochechas. E ainda havia aquela música insuportável para seus ouvidos. Era uma menina esquisita. De fato, não ficaria bem vestida com roupas caipiras. Adélia ardia: de raiva, por amor, com humor, de vida. Seu rosto inquieto corria o pátio inteiro, imaginando a distância para pular a fogueira. Seu único interesse nas festas juninas era pular fogueiras. Não queria ser a noiva da quadrilha, nem participar da pescaria, mas sim chamar atenção porque pulava a fogueira.
Durante algum tempo acreditou que sua única dificuldade na vida seria pular fogueiras em festas juninas. Os estudos iam bem, a convivência familiar agradável, amigos idem. Ganhava os presentes que desejava. Se não os ganhasse, também não ligava. Às vezes não tinha o que fazer e, como era fria a cidade em que morava, distraía-se pondo lenha na lareira. Inventando novas chamas. Ajudava com prazer o pai na tarefa de esquentar o lar.
Uma série de fogueiras começou a apagar na sua vida. A primeira foi o cão. Depois o tio. Anos depois a mãe. O emprego. E tantas pessoas, e coisas, e lugares. Não conseguiria mais juntar lenha para sua fogueira. Lume na imaginação. Envelheceu. Não conseguia mais superar um obstáculo. Esfriou.
Tempo
Qual é o tempo certo para realizarmos um desejo sem medo de não estarmos perto? Quanto tempo teremos que esperar, pra não sentir o corpo naufragar e se afogar até um tempo certo que não sabemos esperar? Não inventaram um tempo que delimite sentimentos.
Persistência
Passo os dias tentando me proteger de tudo. Somos mesmo incompreensíveis. Se ao menos eu soubesse por que, ficaria mais calma. Anseio pelo amanhã com tanta imprudência que tenho medo de não dormir.
O sono surge, creio mais no cansaço. Não vivi tanto, mas há desejo de. Madrugadas começando e finalizando o que não tem início, meio; talvez, só fim. Monte de coisas desorganizadas: a cabeça. Insisto. Todas as minhas marcas. Vou inventá-las, se não as tiver vivido. Ou reinventá-las. Pouco me importa o que será. Insisto em deixar vazar, sem transbordar, algo que quero dizer ou viver. Há ainda leitores de entrelinhas? Sinto-me mais protegida, assim. Por isso persisto.
Desintoxicação da alma
A segunda-feira foi de limpeza. Além de andar de bicicleta, ainda comprei umas vitaminas, tomei, e ainda ataquei com chá de boldo. Além de frutas com fibra, tudo para desintoxicar o corpo. No final do dia, desliguei o telefone para ninguém me chamar para a peçonha - segunda-feira, para quem é profissional, sempre tem alguma programação hard - e fechei a porta do quarto, colocando, com som estéreo, A Era do Rádio (Radio Days) do Woody Allen, no VCR. E cheguei à terrível conclusão, dificílima de chegar, com um cineasta que tem "Zelig", "A Rosa Púrpura do Cairo" e "A última noite de Boris Grushenko" em seu currículo: "A Era do Rádio" é o melhor filme de Woody Allen, talvez o seu Amarcord. Ou não talvez, mas certamente o seu Amarcord.
"A Era do Rádio" é uma desintoxicação total da alma. Para começar, o filme inteiro é marcado por canções dos anos 30 e 40, entre elas algumas conhecidíssimas até hoje como "Begin the beguine", "Dancing int he dark" e "Night and day", se não me falha a memória, todas de Cole Porter. Isso dá uma atmosfera inigualável ao filme, já oprimindo o coração do telespectador em uma aura de saudosismo e melancolia que poucos filmes conseguem igualar. As imagens são quase todas oníricas, e parecem ter sido extraídas da memória de uma criança. Woody Allen teve a sutileza, por exemplo, de associar música a imagem, como por exemplo, dizer "a primeira vez em que ouvi essa música eu me lembro, pois aconteceu tal coisa,etc". Coisa que acontece quando criança, claro. Quando mais a gente tem tanta certeza de que está ouvindo uma música pela primeira vez?
A visão que Woody Allen tem dos parentes é espetacular - a tia solteirona, a avó que coloca espartilho, o tio maluco que adora peixes, o pai pseudo-fracassado, escondendo seu estado de penúria por trás de uma face de prosperidade, a mãe insatisfeita, ele próprio quando criança, e sua família reunida somente em torno da tristeza da morte de uma menininha em um poço (transmitida ao vivo pelo rádio) e na alegria do reveillon. Imagino que obviamente a maior parte da história é ficção, um pouco inspirada na realidade - mas imagino o quanto deve ter doído para Woody Allen escrever a cena final, em que os personagens principais do rádio - em um momento de extrema angústia, que é a passagem de ano - ficam se perguntando se serão lembrados no futuro.
Segue-se a narração de Woody, e o fecho de ouro, sutil, genial, arrasador, como só um grande filme pode trazer.
Taí. É uma questão para ser discutida. "A Era do Rádio" é ou não é o melhor filme de Woody Allen? "Zelig", "A Rosa Púrpura do Cairo" e "Manhattan", para mim, são os únicos que podem concorrer em termos de beleza, humor, lirismo e imagem.
22 julho, 2002
Dia de refazer estoque
Segunda-feira de folga nunca é dia de folga: é dia de ir a bancos, fazer algumas compras, às vezes cortar cabelo, enfim, fazer essas coisas que se fossem feitas em um dia comum me levariam ao caos.
Portanto, hoje vai ser difícil eu estar por aqui. Nada diferente dos últimos dias.
Texto que se encaixou com perfeição neste domingo que passou
Publicado originalmente no site Falaê no ano de 2000, dentro da matéria "Os cinco maiores vícios não injetáveis que eu conheço"
Você passou a noite toda bebendo. Como vários bêbados que eu conheço, ainda fumou cigarros em profusão. A última coisa que você se lembra – ou a primeira, logo que você acorda – é que a cerveja acabou e você foi lá pegar “aquele gin que o Souza ganhou no Natal e tava lá no fundo do armário”. A frase “Água tônica é coisa de viado” foi falada por um dos participantes, e você concordou com ele, quando descobriu que havia pouco gelo. Ao acordar, deu aquela estranhada no ambiente e achou mais estranha ainda a foto da sogra do Souza ter ido parar na sua cabeceira. Mas aí você percebe que você é que foi parar na cabeceira da sogra do Souza, que graças aos céus estava viajando naquele fim de semana, passando estações de águas em Caxambu.
Você abre a porta do quarto, devagar. Ainda vê o cenário degradante da noite anterior, cinzeiros completamente repletos, fedendo, centenas de copos, alguns ainda cheios de cerveja (argh!) quente. O cheiro no ar é de vômito, mas você tem certeza de que ninguém vomitou – ou seja, o cheiro é um resultado natural da soma de tudo o que passou ali. Seu estômago está completamente embrulhado, e você sente a crosta de cigarro que impede a passagem do ar por suas cordas vocais. “Merda”, você pensa.
Com muita sede, você atravessa a sala e nota que um dos seus amigos está dormindo, naturalmente de cuecas, no sofá. Você não queria notar isso, mas ele está com ereção matinal. E pior ainda, ronca horrivelmente. Andando um pouco mais, você começa a procurar o que beber na geladeira, e logo acha. Mas não tem copo. Procura daqui, abre armário, procura dali, e nada de copos, todos os copos da casa foram usados, e estão imundos. Você acha um “lavável” – é difícil achar um copo que não te faça vomitar se você tentar lavá-lo, a esta altura do campeonato.
Passa um sabãozinho, lava na torneira da pia, e se lembra de ter colocado água nas formas de gêlo. “Maravilha!”, pensa. E de fato lá estão, estalando, novinhas, brilhando de tanto gelado, dezesseis cubinhos de um delicioso e refrescante gelo. Você força a forma, os gelos saem, “CREEEEEC”, estalando, é só ir colocando no copo, “CLINC, CLINC, CLINC”. Pega a garrafa, torce, ouve o barulhinho bom do gás, “TTTTSSSSSSS”, e começa a derramar o líquido negro dentro do copo, banhando os gelos aos poucos, deixando que se faça um pouco de efeito cascata. Então, o momento solene: leva o copo a boca e dá os primeiros goles.
Você está vivo de novo. Coca-cola é isso aí.
(Gustavo de Almeida
21 julho, 2002
Mô(o)nica
Em comum, elas tem o nome e a gargalhada deliciosa de ser escutada. Mas uma jamais soube que a outra existiu - e o destino jamais deixaria que as duas se encontrassem, pois uma mora no Rio e a outra mora na longínqua Bauru.
Mas esse negócio de internet faz milagres: inusitadamente, as duas se encontram aqui no blog. Nas últimas duas semanas, Mônica e Monica fizeram comentários por aqui.
Monica eu conheço desde 1994, quando começamos a trabalhar em A Notícia. Nunca quis nada com ela, apesar de ela ser bastante atraente. Ao contrário do que eu pensava, Monica ainda não se casou (eu pensava que isso aconteceria em 2000)
Mônica é de Bauru, conheço desde 1991, quando nos encontramos por acaso em Curitiba. Eu quis alguma coisa com ela. Tivemos algo - ela vai me odiar por eu falar isso aqui. Mas ao contrário do que eu pensava, Mônica se casou. E muito antes de 2000, que eu me lembre. E teve mais uma filha, Rafaela, que já deve estar maior do que eu.
Pois é, já é possível perceber: em Bauru, o acento é de praxe. Mônica. Aqui no Rio, nem tão necessário. Monica.
Duas das risadas femininas mais encantadoras que já ouvi. Que possam sempre rir alto de tudo, essas duas M(o)ônicas.
A maldição da xiboquinha
A maioria dos meus amigos sabe que eu até gosto de cerveja, mas é uma bebida que evito, por me dar constante azia, além de, ao lado do chope, ser terrivelmente diurética, obrigando o bom bebedor a interromper a conversa em média sete vezes em uma noite para se dirigir ao toalete.
Pois eis que descubro a xiboquinha, espécie de cachaça curtida com canela, com sabor extremamente leve mas potencial destrutivo semelhante ao das mais vagabundas Pitus ou Praianinhas. A xiboquinha parece muito com o Cravinho, uma bebida vendida clandestinamente no Carnaval baiano em garrafas de água mineral ou refrigerante. O Cravinho já gerou páginas policiais: negozinho andou misturando com Ropynol para dar efeito mais potente - eu mesmo acredito já ter tomado essa com Ropynol.
No Rio, a xiboquinha parece ser uma espécie de bebida oficial do samba. Onde tem uma roda de samba, seja em centro cultural, em barzinho ou mesmo no antiquário, pode crer que tem xiboquinha. É até legal, se você namora - um beijo de xiboquinha, com canela, costuma ser mais agradável que o bafo-de-onça que surge de um porre de tequila (o pior de todos) ou cerveja.
Fui em dois sambas, um na sexta, despedida de um colega do jornal, outro no sábado, aniversária de uma amiga, Marcelle Justo. Em ambos, havia xiboquinha. Obviamente, embarquei bem na primeira noite, e bebi com tranqüilidade, apesar do cansaço. Tudo bem que acabei indo embora cedo, de táxi, depois de iniciar uma conversa com uma menina do Marketing, sobre a transitoriedade da existência sob o ponto de vista do cinema belga.
No dia seguinte, foi a ressaca da xiboquinha de sexta misturada com mais xiboquinhas. E o resultado foi desastroso. Me lembro de ter me comprometido a ser padrinho do filho de um casal (tudo bem que é o casal mais bacana que eu já vi formado), só para fazer com que o futuro pequerrucho seja rubro-negro. Conversei com uma ex-colega de jornal (linda, por sinal) sobre alguma coisa durante o que me pareceram horas, na mesa do Capela. Não, não é isso que vocês estão pensando, não cantei a moça. Mas não me surpreenderei se ela vier me dizer que eu passei o tempo todo dizendo que o Brasil não ganhou a Copa de 1982 por causa da ausência do Lico.
Acredito que o repertório de merdas não parou por aí: fiquei vários momentos em silêncio absoluto, alternando com momentos de uma loquacidade capaz de fazer o narrador do Jockey Club parecer o Brizola. E lá pelas duas da manhã liguei pra casa do Marlos - claro, com o incentivo de Edmundo - avisando, "olha, estamos indo praí agora com uma garrafa de whisky, eu, Zé Otávio, Carlos Braga, Lalas, Edmundo e Viviane".
Não, não fomos. A xiboquinha ainda não tem o poder de provocar alucinações. Mas ao que parece, estão fazendo progressos neste sentido.
Está chegando, está chegando...
A minha folga. Sim, restam mais cinco dias, e daí só volto ao trabalho no dia 12 de agosto. Espero rever velhos amigos, andar de bicicleta, perder alguns quilos que a Copa me deu, ir ao cinema, me dopar suavemente, ler "O livro do desassossego", do Pessoa, pensar na vida. Sim, ando precisando pensar na vida.
Talvez andando por Copacabana.
Verdura
De repente eu me lembro do verde
A cor verde mais verde que existe
A cor mais alegre, a cor mais triste
O verde que vestes, o verde que vestistes.
No dia em que eu te vi. No dia em que me vistes.
De repente vendi meus filhos para uma família americana
Eles têm carro, eles têm grana, eles têm casa
E a grama é bacana
Só assim eles podem voltar
e pegar um sol em Copacabana
Pegar um sol em Copacabana
Pegar um sol em Copacabana....
(Paulo Leminski)
19 julho, 2002
Aqui jaz um post
Aqui havia um post da Alessandra, que sumiu depois que eu, Gustavo, usei o Bloggar para colocar um texto meu. Não sei o que pode ter acontecido.
O título é meio fraco
A música é do Celso Blues Boy. Curto as letras apaixonadas dele, como "Blues Motel", "Sempre brilhará" e "A isso chamam blues"; mas o título é "Amor vazio" - um nome que não pega bem para Amor, pois amor nunca é vazio. Mas vamos lá.
Amor vazio
Em algum quarto escuro
Ela deve estar
Entre vinhos e rosas
Inebriada e feliz
E eu estou aqui
Enchendo o vazio
Sentindo calor, tremendo de frio
Nessa cidade estranha
Nem sei onde estou
Aonde fui parar
Morrendo de amor
Eu continuo
Aqui mesmo sozinho
Sentindo calor
Tremendo de frio
Em algum quarto escuro
Na cidade estranha
A cabeça rodando
Deitado na cama
Eu tenho alguém
Mas me sinto sozinho
Sentindo calor, tremendo de frio
16 julho, 2002
Eles querem é Poder
Você vê todos os dias, os reboques fazendo o que dizem ser a "regulamentação do espaço urbano", levando carros até que estavam parados perto de hospitais, esperando gente doente. Estragando o dia de centenas de pessoas, tirando-lhes os carros, obrigando a pagar fortunas e enfrentar filas em depósitos. O cidadão comum, aquele que "apenas" paga impostos, está completamente sujeito a isso, sem recurso algum.
No entanto, é incrível como na primeira festinha de magnatas, tudo isso cai por terra. Dezenas de carros - alguns com adesivo "Alice Tamborindeguy" estacionam DESCARADAMENTE embaixo de placas de proibido estacionar, aquela com o E riscado. Aonde? No lugar que para mim representa mais claramente a falta da verdadeira democracia no Brasil: o Iate Clube, na Urca. É engraçado como toda festa no Iate significa engarrafamento (para os outros), estacionamento irregular, gente no meio da rua e NENHUM flanelinha.
Se for uma festa popular, tem reboque e flanelinha. Como é festa de magnata, ao que parece, esses problemas são eliminados. E, claro, com segurança feita por marinheiros.
Além disso tudo, basta olhar para o Iate Clube e refletir que bela vista teria o local, com um calçadão gigantesco, arejado - mas tal coisa não é possível para uma maioria, porque uma minoria de 200 ou 300 pessoas precisa de espaço para guardar seus barcos. Isso é democracia?
É lamentável morar perto de um lugar tão demencialmente autoritário, tão completamente espaçoso, espalhafatoso, que cague tanto na cabeça do cidadão comum.
Abraçando o Santa Martha
Santa Martha toca bandolim e é integrante do conjunto de chorinho "Abraçando o Jacaré". Há quatro anos eu e uma amiga começamos a freqüentar a Lapa, sempre às segundas-feiras, para assisti-los tocar no bar Semente. Comíamos umas besteiras e bebíamos meia dúzia de chopes numa adega ali pertinho e íamos. Na primeira vez, fiquei especialmente encantada com o rapaz do bandolim, mais pelo sorriso e simpatia do que pelo que ele toca, e olha que toca muito bem. No intervalo, brincamos, dei-lhe parabéns, disse "você é a alma do grupo", pedi um autógrafo "antes da fama" e ele riu. Desde então, sempre que nos encontramos fico sabendo onde estão rolando os shows e todas as vezes que posso, vou. Na última vez em que nos vimos, eu estava andando na praia em um dia útil qualquer da semana, mal, muito mal que eu estava, e a doçura dele, do seu sorriso, do seu abraço, me fez um bem tremendo, mas ele nem sabe. Há muito tempo não voltava à Lapa na segunda-feira, por isso, ontem, quando a mesma amiga me ligou chamando: “vamos matar a saudade da Lapa?”, eu aceitei correndo. Saí de lá com o CD deles sem autógrafo mesmo e ainda dei uma passada no show do Big Gilson mas não encontrei ninguém. Hoje tem mais no quiosque Árabe da Lagoa, mas eu não vou. Às vezes é bom sentir saudade.
A casa
Existem casas que parecem inabitadas. A de número noventa da minha rua é assim. Vê-se que o jardim é bem cuidado, a calçada em frente é limpa, e há até flores brotando nos pequenos vasos de plantas dispostos simetricamente nas janelas, contudo, ainda sente-se um vazio ao se passar em frente a ela. Não há cachorros latindo por trás do portão baixo e cinza. Parece que nem os passarinhos por ali se aventuram. A casa é branca, suas janelas são de madeira pintadas também de branco e tem trepadeiras crescendo desordenadas nas paredes do muro baixo. Na verdade, é possível passar por ela sem percebê-la.
Nunca há ninguém entrando ou saindo. Há um caseiro que, diariamente, quando eu passo a caminho do trabalho, está a varrer a calçada. A casa mais parece situar-se na Avenida Atlântica, pois suas janelas permanecem eternamente fechadas, como se houvesse risco de a maresia estragar o antigo piano, que eu imagino, deva ocupar o ambiente principal da casa, logo à entrada. Mesmo por trás dos vidros escuros dos enormes apartamentos da orla, vê-se pessoas na janela, vez ou outra, paradas, café na mão, olhando o mar. Outras fumam. E mesmo que não se veja, há luzes acesas, abajures de pés altos, porteiros entediados abrindo e fechando portas de garagem, enormes prateleiras de livros, reflexos azuis de televisões não-sei-quantas polegadas, tudo isto visto lá da outra calçada, perto da areia, por voyeurs feito eu. E há, inclusive, meninos de rua dormindo nos bancos úmidos à beira desses luxuosos apartamentos só para afrontá-los com sua pobreza, seus canivetes e, porque não dizer, com suas vidas. Mas nessa casa, considerando-se que não possui vista para o mar, a janela sequer é aberta para ventilar o ambiente.
Ontem, entretanto, quando eu fazia meu percurso rotineiro pela manhã, ao sair um pouco mais cedo, vi: mora lá um rapaz branco, de cabelos louros e olhos azuis. Saiu de cabeça baixa, puxou o portão de madeira e atravessou a rua. Eu ia distraída, foi um susto para mim ver alguém saindo. Reparei que ele usava um casaco verde e segurava uma maleta preta. O rapaz entrou no ônibus que passou logo em seguida e sumiu, assim, como se fosse normal apagar a vivacidade e a alegria que deveria ser morar naquela casa.
Do ócio e do dinheiro
Agora, folga só no dia 27 de julho. Tudo indica que minha viagem a São Paulo começa a subir no telhado - afinal, eu queria ir um dia antes. Menos mal que acaba sendo ponto para minha reestruturação financeira. Que até agora só tem dado certo porque excluí provisoriamente o Shenaningan´s, pub em Ipanema, da minha lista de lugares a serem freqüentados - lá, dificilmente uma conta dá menos de 30 reais. E uma conta individual.
Pensando nessas coisas, dinheiro+folga+sair à noite, notei que de dois anos para cá meu roteiro noturno é tão monótono que dá para fazer uma lista de dez lugares que eu sempre vou. Vou fazer:
1- Puebla Café (o mexicano da Cobal do Humaitá)
2- Café Lamas (no Flamengo)
3- Shenaningan´s (excluído provisoriamente)
4- Bola de cristal (sinuca no Largo do Machado, embaixo do Kyoto)
5- Hipódromo (Baixo Gávea)
6- Queen´s Leg (pub na Lagoa)
7- Espírito das artes (lugar de shows na Cobal do Humaitá)
8- Boêmio da Lapa
9- Don Scracho (Jardim Botânico)
10- Jobi (Leblon)
Provavelmente, se eu fizer uma estatística, estes serão os dez lugares que eu mais freqüentei desde o ano 2000. Em menor escala vem os quiosques da Lagoa, o Nova Capela (Lapa), o Manuel & Joaquim (Lapa), o Arab de Copacabana, o Far-Up, o Hard Rock Café (a surpresa da lista) e a Casa da Matriz, esta colocada fora da lista porque se trata de local ao qual eu não pretendo retornar.
O que me leva a concluir com a tradicional frase: ô vidinha besta.
15 julho, 2002
Mudanças nos links
Como já se passaram duas semanas da Copa, retirei da minha tabela lateral a bela imagem que a Ione me deu de presente para ilustrar o link para o meu blog A Copa vista da Cozinha. Retirei também o link para a revista-fantasma "Mais querido", que está há uns três meses com um flash dizendo "em breve".....
Semana festiva
Se tudo sair conforme o planejado, trabalho até sexta-feira e daí inicio um longo período (10 dias) de folga. Para elevar o astral, se eu estiver inteiro, e não meio resfriado como agora, vou ao show do Gilsão na guitarra, como já é de tradição, ali embaixo do último arco alcançável da Lapa, em frente ao Semente.
Um bom início de semana para todos.
14 julho, 2002
Vallejo, quanto pesa?
Falei lá embaixo que Leminski, Vallejo e Vinicius - mas descrevi muito superficialmente o peruano Cesar Vallejo, entre outras coisas um poeta voltado para a vida nos Andes, mas acima de tudo um poeta sobre a mortalidade, sobre a vida que passa e a pouca que fica. Pretendo então publicar algumas coisas de Vallejo por aqui. É um poeta que me faz lembrar os amores perdidos - basta ler o poema "Idílio morto", e um de seus versos, "Por onde andará minha doce e andina Rita/Agora que me asfixia Bizâncio/e adormece o sangue, como conhaque brando, dentro de mim".
Só para começar, um site sobre poesia com uma área especial sobre Vallejo, você encontra clicando aqui. Abaixo, uma de minhas favoritas de Vallejo, "Epistola a los transeuntes". Em versão original.
EPISTOLA A LOS TRANSEUNTES
REANUDO mi día de conejo
mi noche de elefante en descanso.
Y, entre mi, digo:
ésta es mi inmensidad en bruto, a cántaros
éste es mi grato peso,
que me buscará abajo para pájaro
éste es mi brazo
que por su cuenta rehusó ser ala,
éstas son mis sagradas escrituras,
éstos mis alarmados campeñones.
Lúgubre isla me alumbrará continental,
mientras el capitolio se apoye en mi íntimo derrumbe
y la asamblea en lanzas clausure mi desfile.
Pero cuando yo muera
de vida y no de tiempo,
cuando lleguen a dos mis dos maletas,
éste ha de ser mi estómago en que cupo mi lámpara en pedazos,
ésta aquella cabeza que expió los tormentos del círculo en mis pasos,
éstos esos gusanos que el corazón contó por unidades,
éste ha de ser mi cuerpo solidario
por el que vela el alma individual; éste ha de ser
mi hombligo en que maté mis piojos natos,
ésta mi cosa cosa, mi cosa tremebunda.
En tanto, convulsiva, ásperamente
convalece mi freno,
sufriendo como sufro del lenguaje directo del león;
y, puesto que he existido entre dos potestades de ladrillo,
convalesco yo mismo, sonriendo de mis labios.
13 julho, 2002
Loucuras do Blogger
Já são muitas as doideiras que o Blogger faz de vez em quando. E arrumei um parceiro de alucinação: o programinha W-Bloggar, que usei na madrugada de sábado, ao chegar da carraspana. Simplesmente postei a música "Verdura", de Paulo Leminski, e ela entrou sem mais sem menos no lugar de um post da Alessandra sobre mini-contos. Não dá para entender.
Só mesmo citando o amigo Alberto Gambardella: "Software é o que você xinga; hardware é o que você chuta".
Piadinha sem graça
É uma que eu ouvi ou li quando eu tinha uns nove anos de idade. Ou seja, é velhíssima, do tempo de Zico no Flamengo. Mas me lembrei dela outro dia, quando ofereci carona de táxi a uma menina bonita que eu sei que mora aqui perto de casa. Eu estava no ponto da Praia de Botafogo, esperando o 107, mas de repente cansei e resolvi pegar um táxi, para chegar em casa logo. Aí vi uma menina no ponto, esperando - eu sabia - o mesmo ônibus, e por cortesia, chamei-a para dar uma carona. Ela recusou até educadamente, mas na minha opinião fez cara de nojo. Acho que ela pensou que eu tinha alguma segunda intenção - e eu não tinha nem a primeira.
De qualquer maneira, me lembrou a piadinha do Todo Fu, que eu ouvi/li na década de 70. O Todofu entra num bar estilo single, de banco no balcão, e pede uma genebra. O barman olha para ele, e o cara está com calça meio suja e amarrotada, camisa aberta no peito, suado, rodelas de suor nas axilas, cheiro ruim, barba por fazer, gripado, enfim, todo fudido. O barman diz o preço, o Todofu puxa uma nota nojenta de dentro do bolso, uma nota de valor médio, mas tão velha que se tivesse a efígie do Santos Dumont já teria voado há muito tempo. Para complicar a vida do Todofu, a genebra é mais cara. Então ele pede uma aguardente. Como é single bar, diz assim - se fosse no boteco, seria pinga mesmo. O barman traz.
Nisso, quando o Todofu vai dar a primeira talagada, abre-se a porta do single bar, e entra, não diríamos um avião, mas uma verdadeira nave interestelar. Uma morena de olhos pretos, cabelos castanhos, 1,90m, formas perfeitas (busto, quadris, seios, nádegas, tudo parecendo como encomendado previamente) adentra o recinto, com passos leves, como se estivesse pisando em nuvens. O bigode do barman chega a se eriçar. O perfume da mulher por si só já serviria para o Stevie Wonder compor a trilha sonora de um filme pornô. Um olhar dela era capaz de transformar uma estátua em carne.
E ela vai e senta do lado do Todofu.
Meio encanado, o Todofu resolve pelo menos jogar pelo regulamento. Cumprir tabela. E resolve chegar junto na mulher, mesmo sabendo que as chances eram reduzidas. Ou, melhor dizendo, as chances eram as mesmas de o ataque da Seleção Brasileira em 2006 ser Romário e Tuta.
Revirando os bolsos, o da camisa (horrendo), não acha nada. Mas uma última olhada, percebe um volume cilíndrico (não, não é o que estão pensando) e macio na camisa, um cigarro. Mas um cigarro Belmont. Ou Paquetá. Ou Hollywood. Enfim, um mata-rato, não importa a época. Um só, e não um maço. Está rasgado na ponta, e além de tudo meio velho. E o típico cigarro de bêbado. O Todofu ainda dá uma "esticadinha" no dito, dá um sorrisinho malicioso do tipo, "agora tá perfeito", e aborda a morenaça.
- Cigarro...?
A morena se vira lentamente e de seu olhar já parte o bonde do desprezo. Um homem seria capaz de ler "Ulisses", de James Joyce, dentro do tempo psicológico que leva o tempo da virada de cabeça da morenaça. Com um enfado quase oblíquo de Capitolina, beirando uma crise existencial, a morena contém os litros de vômito que teria para despejar o Todofu (que na opinião dela NEM ISSO merece) e detona:
-Não...
O Todofu dá meio de ombros, guarda o cigarro, ri meio sem graça, amarelo, e se senta a dois bancos de distância da morenaça, a essa altura já degustando um whisky sour. Mas o Todofu não desiste. Mete a mão no bolso de trás da calça e acha um pacote de Dentyne. De hortelã. Mas só tem um chiclete. E com vários fiapos de tecido de calça grudados, fora que uma parte do papel saiu e na superfície de chiclete é possível vislumbrar um início de impressão digital. O Todofu dá uma acochambrada, ajeita aqui e ali, e num rasgo de generosidade, reataca:
-Chiclete?......
Desta vez, a morenaça não abre nem a boca. Menea a cabeça apenas UMA vez, negativamente, e se volta para seu whisky sour. Trata o Todofu como um leão trataria um camundongo durante a degustação de um antílope. Algo dez graus abaixo do desprezo. Praticamente um ser inexistente. Mas quando ela está sorvendo o canudinho do whisky sour, o Todofu desce do banco, junta os calcanhares meio decidido, meio indeciso, abre os braços como se mostrasse o tamanho de um peixe e pergunta, cândido:
- Bom....trepar, nem pensar, né?
12 julho, 2002
Karamazov
Na matéria publicada hoje sobre o Centenário do Fluminense, eu e o repórter Mansur fizemos uma analogia baseada numa frase de Nelson Rodrigues: "Por serem criados no ressentimento, pode-se dizer que Flamengo e Fluminense são os Irmãos Karamazov do futebol brasileiro". O título então da matéria sobre os maiores Fla-Flus de todos os tempos foi "A luta dos Irmãos Karamazov", o que me fez lembrar esse genial livro de Fiodor Dostoiéviski que li aos 17 anos.
A saga dos irmãos é um verdadeiro tratado emocional sobre o fervor das relações familiares, do ódio à figura paterna, das lembranças da primeira infância. Me lembro de frases maravilhosas como "Deus e o Diabo lutam eternamente, e o campo de batalha é o coração dos homens" e "Se Deus não existe, então tudo é permitido". O velho Karamazov é sempre contestado, odiado e amado por seus filhos, até que acontece seu assassinato. Um livro fundamental, que espero reler em breve, assim que achar uma edição melhor que a minha, que já foi dominada pelas traças há muitos anos.
Mais um dos lanceiros-SP
Este eu coloquei na lista de links sem nem ter olhado antes como é.; daí eu ter colocado o título como Ed World, baseado apenas na url, que é essa aqui: http://www.edworld.blogspot.com/. Esse aí é o link para o blog do Thiago Rocha, repórter do Lance-SP, sujeito de primeira categoria, grande companheiro de noitadas afora, daqueles caras com quem a gente pode contar para esvaziar um barril de chope. Com certeza, serei freqüentador assíduo do novo blog.
11 julho, 2002
Mais um blog bacana
Maristela Mattos é uma repórter, do Lance-SP. Morena, comunicativa, interessante, sempre com algo a dizer. Talvez por isso ela tenha criado um blog, em homenagem a suas tatuagens "Hate" e "Love", uma em cada pulso. Mais enigmática do que nunca. Mas para não ser enigmático, coloco aqui o link do blog dela: http://www.hatenlove.blogspot.com/. Ainda está em construção, mas já tem material que dá para sacar a densidade do texto da moça. Detalhe: ela me chama de "figuraça". É, estou precisando melhorar minha imagem....
O Livro do Jobi
Sim, tem um texto meu, em homenagem a alguém que já passou - mas ficou. Quer dizer, nem tanto uma homenagem, mas uma lembrança singela.
Sucesso total o lançamento, gente saindo pelo ladrão, Jobi lotado, quantidades industriais de chope sendo consumidas. E histórias que dariam para outro livro. Como a que vi no banheiro.
Um cara na minha frente na fila, e outro lá dentro, mas naquele mictório meio extraterrestre. Ao lado, a porta trancada da privada. De repente, pinta um cara alto, bem vestido, cabelo branco, uns 48, 50 anos. E vai furando a fila, dizendo:
- Olha, vocês me desculpem, mas eu vou cagar.
Assim, sem a menor sutileza. O cara entra, abre a porta trancada, fecha. O que estava na minha frente da fila entra, e o que estava urinando sai, comentando.
- Porra, mas que escândalo faz esse cara, só porque vai dar uma cagada, heim? - disse o cara, que devia ter a mesma idade - e era conhecido - do que estava obrando.
Comentei com ele:
- O cara poderia ter usado termos mais sutis como "gente, dá licença que o urubu está beliscando a minha cueca" ou mesmo "gente, vou entrar porque o trem merda está chegando à estação cu".
Mal eu acabo de falar isso e o que tinha entrado só para mijar sai do banheiro. Ele, que não tinha falado nada até então, falou, poucos segundos antes do cagão sair do recinto (o cara deu, na definição dele, uma cagada olímpica):
- Eu preferiria dizer: "O trem da vida me atropelou". Maiakóviski.
Impressionante. Citaram Maiakóviski durante uma cagada. Só o Jobi mesmo.
10 julho, 2002
Lenda infantil?
Ao anoitecer, o frade voltou para o convento e percebeu que suas barbas se arrastavam no pó. Então, descobriu que passara mil anos extasiado diante do canto de um pássaro de plumas azuis.
(trecho retirado do livro "Bolero", de Victor Giudice porque achei interessante).
Mais Elis
Alessandra falou sobre Elis e me relembrou a relação que tenho com a maior cantora brasileira. Sim, adoro desde criança ouvir "Velha roupa colorida", do Belchior, na voz de Elis, ela rangendo a voz quando diz "como o corpo do poeta morto, americano, eu pergunto aos passarinhos, Blackbiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiirrrrrrrd o que se faz?", maravilhoso. É do LP Falso Brilhante, que tem uma versão para uma música que na voz de Mercedes Sosa fica piegas, mas na voz de Elis é um hino: "Gracias a la vida". Me lembro de quando ouvia "e la voz tan tierna de mi bien amado", por ela, eu desejava ser esse bem amado, e ela dizia "e tu ojos claros", me lembrava que meus olhos são claros (apesar de já não serem mais bonitos) e queria ter Elis a meu lado.
Um dia, morreu, inexplicavelmente. Em 1982, de um jeito que até hoje não consigo entender. Me lembro de ouvir várias vezes, por ocasião de sua morte, "Romaria", em sua voz, talvez a coisa mais triste já gravada. Elis sabia dizer no fim da música, "meu olhar, meu olhar, meu olhar". Quem ouvia se identificava, trazia à tona seu gosto mais amargo. Como quando um antibiótico deixa um gosto na língua no dia seguinte, o timbre de Elis nessa música deixava um sabor estranho na alma quando terminava.
Até hoje considero "Elis & Tom" o disco mais perfeito da história da música brasileira. Também, pudera - é até sacanagem: juntar no mesmo disco a cantora mais perfeita junto com o compositor mais mágico de todos. Será de todos? Só sei que Elis e Tom é a redenção de todos os encontros frustrados. Se um dia alguém reclamar que Elvis nunca cantou com Janis Joplin, é só argumentar - temos Tom & Elis.
"Chovendo na roseira" é uma canção do otimismo, assim como "Paisagem inútil" é a do pessimismo. E tem também "Por toda minha vida", que é o máximo que pode ser alcançado em romantismo, um poema de Vinicius - gênio - adaptado para a melodia pungente de Tom: "Minha bem amada/quero fazer-te um juramento, uma canção/Eu prometo/Por toda minha vida/Ser somente seu/E amar-te como nunca/Ninguém jamais amou/Ninguém".
Essas coisas todas de Elis & Tom parecem pertencer a um mundo mecanizado - só que menos. Um mundo onde ainda se procurava o companheiro (a) ideal para os últimos dias da vida. Bom, conheço alguns amigos que encontraram (na minha modesta opinião), e estavam procurando. E isso já basta para me fazer um pouco mais feliz.
Quanto ao resto do mundo, às vezes tenho a impressão de que é uma mistura de dança da cadeira misturada com suruba. Quem ficar em pé na hora em que a música parar, fica com um negão enorme - independente do sexo.
Tá, desculpem, eu até que estava indo bem, tinha que terminar com sacanagem. Foi mal. Mas Elis & Tom é do bem.
09 julho, 2002
Elis Regina
Sempre me impressionava demais ver Elis Regina cantando. Lembro-me de parar em frente à televisão e ficar meio vidrada, hipnotizada por aquela voz e aqueles gestos. Só haviam um outro cantor que me paralisava assim, além de Elis: Nei Matogrosso. Mas Nei Matogrosso era uma espécie de Carequinha pra mim; ria de me acabar com seus trejeitos e tudo o mais - com todo respeito ao trabalho e à voz dele, que admiro - mas eu achava divertido. Elis, não. Eu escutava falar muita coisa sobre ela, mas as informações chegavam junto com as revistas em quadrinho e o dever de casa. Então, restava-me escutá-la nos intervalos das minhas saudosas obrigações infantis.
Por tudo isso, quando ganhei dois ingressos para assistir o espetáculo “Elis, a Voz do Brasil”, no Teatro Scala, direção de Diogo Vilela, fiquei toda contentinha. Logo na entrada deparei-me com a pior bilheteira do planeta. Tudo bem, não tirou o meu bom humor pois, como já disse por aqui, ando estranhamente calma (ok, não o suficiente para deixar de registrar uma reclamação sobre a moça na gerência). Acontece que duas horas e meia de espetáculo é demais, demais, demais e demais. Tudo o que era bom ficou ruim, cansativo e chato.
Bom, pelo menos lembrei de outro virundum (?) tão famoso quanto o "dançando de biquini sem parar...". É o batido “...mas é você que é mal passado e que não vê”.
Jobi
Escrevi um texto para "O Livro do Jobi", compêndio de ficção sobre o lendário bar do Leblon, livro que será lançado nesta quarta, dia 10, às 19h, no próprio Jobi, pelo Paulo Thiago de Mello e pelo Alfredo Herkenhoff. O curioso: até agora não sei se meu texto entrou a tempo. Ou seja, vou dar uma pulo lá, por volta das 21h, para saber se eu tenho um texto em um livro ou não.
Momentos bizarros da TV brasileira
Eu devo ter sido uma das poucas testemunhas, afinal, o programa do Otávio Mesquita (seja em qual emissora fôr) tem sempre menos audiência que esse blog aqui. Mas dei a sorte de passar por lá zapeando e ver a cena-chave: a Gretchen em um convescote, sorrindo ao lado de malandro meio esquisito, com tatuagem gigante em um braço, cabelo para trás em tiara e barriga meio proeminente - apesar de magro. Achei engraçado e parei, sem saber que presenciaria momentos dantescos e bizarros da TV Brasileira.
Para começar, o dedo-duro (legenda) apontava "Fim do sonho de Gretchen", e eu não entendia nada, afinal, estava o cara ao lado, os dois abraçadinhos, dizendo que tinham se conhecido há três semanas e iriam.....casar! Isso, casar, assinar um documento judicial dizendo que ambos teriam a partir daquele momento direitos e deveres um com o outro. E por lei.
- Mas Gretchen, por que você sempre casa, apesar da relação anterior não ter dado certo? - foi a pergunta da repórter, meio esquisita, por sinal.
Vieram várias declarações - tudo isso, notem, ao som de uma música da Gretchen - meio religiosas, no sentido de que a Gretchen tem fé, acredita em Deus, e que Deus tem a ver com a presença do Cláudio - nome da fera - ao lado dela. Bom, tudo bem. Mais uma, apenas mais uma pessoa que acredita que Deus está em todos os lugares. Eu até acredito, se alguém me disser que ele está em todos os lugares, MENOS na Etiópia (afinal, o pessoal não serve nem um tira-gosto) e no casamento da Gretchen.
Nisso eu já estranhei, porque o malandro - no dia seguinte, no Globo, descobri que ele é cabeleireiro - não falou patavina. Não emitiu ruído. Seguiram-se cenas - desagradáveis - do cara de sunga beliscando uma carne (o churrasco, não a Gretchen, por favor), dos dois andando juntos, todo mundo rindo, abrindo a bocarra em slow-motion para a câmera, etc.
Aí, corta e entra a Gretchen no quarto de hotel, chorando - aliás, chorando não, aos prantos - explicando que o casamento não iria mais rolar, que Deus tinha mostrado a ela que aquela não era a pessoa certa, etc. O probleminha é que Deus parece que mostrou isso à Gretchen de uma forma meio rancorosa. Corta para a descrição sutil do próprio Otávio Mesquita:
- A Gretchen ia casar e levou umas piaba do noivo.
Essa parece ter sido a deixa para a cobertura ao vivo do negócio. Quer dizer, mais ou menos ao vivo, né? Afinal, era uma da manhã. Entrou a mesma repórter pelo telefone, passando ao mesmo tempo umas cenas do almoço-churrasco.
- Otávio, eu senti o clima ficando ruim naquele almoço.
Hã? O mesmo evento em que a Gretchen falou que o noivo era um enviado de Deus?
- Ele, como eu, também é evangélico - disse a cantora de "Freak le boom boom", referindo-se ao cara com uma tatuagem gigantesca e estranha.
Totalmente trash, totalmente "braaaiinss", aquele grito do mortos-vivos que devoravam cérebros, lembram? Alguns programas de TVs são como aqueles mortos-vivos, devoram aos poucos seu cérebro. Mas tenho que reconhecer que ontem o programa do Otávio Mesquita deu uma dentada das boas.
08 julho, 2002
Reflexões de uma segunda-feira de folga
A mania de nostalgia não é uma moda, e sim uma degeneração (ou vá lá o que seja) inerente ao ser humano. Desde que me entendo por gente as pessoas gostam de revistas e comerciais velhos. E eu senti isso na pele: baixei recentemente para meu computador nada menos que 350 jogos de Atari. Revi pedaços da minha vida que pensavam estarem perdidos para sempre. E mais uma vez não consegui salvar a mocinha no Donkey Kong. Ou consegui em parte - aliás, um reflexo da vida real: eu vou e salvo as moças mas no final elas ficam é com um gorila qualquer...
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Aproveito a tarde para ouvir o excelente CD duplo do The Who "Join Together", de uma excursão recente com o Zak Starkey, filho do Ringo Starr, na bateria. Excelente. Pelas músicas cantadas pelo recentemente falecido Entwistle pude perceber que não tem como prosseguir a banda, apesar de Townshend ter continuado, sob aquelas desculpas esfarrapadas de que "John gostaria que a gente continuasse", etc (ah, nada como poesia na hora de cumprir contratos milionários).
O pior é que se vierem para cá, é claro que eu vou.
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A preguiça me domina neste momento em que estou escutando Alvin Lee & Ten Years After, descalço, de bermuda, totalmente relax. Estou pensando em desistir de ir no show do Big Gilson na Lapa - a menos que alguém me ligue ou envie email colocando pilha. Caso contrário ficarei por aqui, curtindo o vazio.
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Mais duas semanas (com um plantão no meio) e começa minha folga prolongada. Caso o Flamengo vá à final da Copa dos Campeões, ficarei por aqui, provavelmente. Caso seja em uma data mais à frente (o futebol anda tão organizado que ainda não tem data marcada para a final) ou mesmo antes, com certeza no fim de semana dos dias 27 e 28 estarei em Sampa. Espero conseguir guardar a grana para a empreitada.
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É desagradável saber que uma ex-namorada sua, antes de te namorar, foi namorada de um jogador de vôlei. Sim, é mais desagradável ainda saber que o cara é famoso (quando ela me contou - a gente ainda namorava - eu sabia quem era o cara e ele já tinha estado na Seleção). Com certeza, é desagradável namorar uma moça de 1,73 (principalmente quando a gente tem 1,60m) e saber que um jogador de vôlei tem mais a ver com ela em termos de altura.
Agora, nada é mais desagradável abrir a Playboy de julho e ver em uma reportagem sobre "figurinos para pessoas de diversas alturas" que o filho da puta tem nada menos do que 1,94m.
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Ouvindo esse som do Alvin Lee & Ten Years After eu sinto mais uma vez que, se não existisse música neste mundo, eu já teriado tentado ir pro outro há muito tempo.
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Bom, vou desconectar um pouco, dar uma olhada nos jornais, ver se tem algum filme decente para ver no cinema. Estou com a consciência pesada de ficar tanto tempo morcegando em casa.
Sem sentido
Escrevo coisas sem sentido. É um hábito antigo que tenho, de pensar em algumas palavras soltas e com elas criar alguma coisa. Vento, automóvel e varanda. Não vai sair grande coisa. Rosa, violão e terra me lembrou um clipe do Iggy Pop, de uma música que gosto muito. É só um exercício, idiota como eu, que me distrai. Distrai como uma sombra na parede do quarto, projetada por um farol de um carro que subira a rua quando havia insônia. Um e mais um e conta-se carros ao invés de carneiros. De repente, lembro de uma música do Claúdio Nucci. Cantarolo e resolvo escrever essas coisas sem sentido. Se o meu pai lesse isso, perguntaria, "minha filha, você não tomou o remedinho hoje?"
Poesia
O tempo vai passar e eu vou dizer que me apeguei. Mas enquanto correm as horas, eu sigo no sentido oposto. Tremendo os beiços, soluçando de medo. Devagar! que o caminho nunca é seguro. Digo para mim:
firme o passo e erga a cabeça. Surge o azul intrigante com intenção de me encobrir. Não há controle: deixo. Por alguns minutos, sinto minhas pernas trêmulas, meu sorriso solto, e minha pele arrepiar. Há que consentir? Por alguns dias, estou tão próxima e não sei do quê, de quê, de quem? Minha alegria livre, como se fosse a grandeza de apegar-se um pouco à vida. E me abandono nesse contentamento.
O caos
Minha casa está um caos. Há duas semanas arrumei uns bicos pra fazer e quando chego em casa o que me resta é colocar uma roupa confortável e continuar a trabalhar até de madrugada. Por isso, há um acúmulo de roupas para lavar. O banheiro está nojento. Quando eu pensei que conseguiria organizar a casa hoje à noite, eis que surge outro trabalhinho pra fazer. Ainda bem, assim, aos poucos, eu vou tentando sair do buraco. Tenho ido ao Botequim e percebido o quanto ele está revoltado e estressado. Estamos. Acho que o pior mesmo é a falta de perspectiva. E falta de perspectiva na bagunça é ainda pior. O caos é tanto e geral, que na semana passada, para completar o cenário, a Light resolveu cortar a minha luz. E o pior, as contas estavam todas pagas. Corte indevido. Mas eu ando calmíssima, não sei porque, aliás, nem quero saber, deixa assim. Liguei para lá e o atendente queria que eu lesse um número do código do cliente. Eu respondi educadamente, “como o senhor sabe eu estou sem luz, achar estas contas já foi uma dificuldade, e você ainda quer que eu leia o numerozinho? Tenha paciência que eu preciso de mais velas”. Resumo: degelei compulsoriamente a geladeira, dormi feito um anjo no breu e pensei em algumas pessoas que gosto muito para embalar meu sono. Mas o fim do caos, por enquanto, permanece adiado.
07 julho, 2002
Choro e ranger de dentes
Como prometido, um domingo totalmente tranqüilo, assistindo à vitória rubro-negra por 3 a 0 e logo depois enfrentando Sérgio Maggi na sinuca. Foram embates sangrentos, com choro e ranger de dentes, comparados às batalhas mais homicidas das guerras do império otomano. No final, prevaleceu o equilíbrio: os dois venceram duas séries de melhor de cinco pelos mesmos placares (3x1 e 3x2). Como diz o Galvão, haja coração.
Segunda-feira, ainda bem, estou de folga para descansar desse confronto. E de repente, à noite, vamos lá no show do Big Gilson para descontrair. O homem está tocando mais do que nunca.
Bom começo de semana para todos.
Domingo mais tranqüilo ainda
Como na segunda também estou de folga, isso me permite atacar o fígado novamente. Iniciarei minhas atividades provavelmente durante o jogo do Flamengo. Ainda não sei se vou na casa dos Cobra ou se ligo para o lendário Lalas, para saber onde dividiremos a angústia de sermos rubro-negros. De qualquer maneira, devo encerrar o domingo com uma sinuquinha, quem sabe. E novamente entorpecido. Tranqüilo, tranqüilo.
Sábado tranqüilo
Programa de quem não quer se aborrecer: fim de tarde (emendando com noite) na casa de Rodrigo Cobra, ouvindo rock and roll e enchendo a caveira de vinho. Tudo na medida, para quem está cansado como eu. Fim de papo, pego um táxi, venho entorpecido de vinho para casa, ligo o ar condicionado e afundo no sono, indo parar no limbo, na terra dos sonhos, onde permaneci por umas nove horas. Show.
De quebra, ainda fiquei sabendo pelos caras que existe um edifício em Resende, lá onde tem a Academia Militar das Agulhas Negras, que é o maior, mas depois do próprio predio da academia. Ou seja, é o Maior Edifício de Resende Depois da Aman. Pela sigla, conhecido como M.E.R.D.A., o que torna estranhamente comum a pergunta "ah, então você também morou no merda?".
06 julho, 2002
Mais para o bookmarks
Nesta tarde de sábado em que pratico a nobre arte de não fazer absolutamente nada (a não ser ouvir meus CDs do B.B.King), tenho o prazer de apresentar dois novos blogs: É Foda, do polêmico, controvertido e absolutamente alucinado Laertón Glauquito (há pessoas que não acreditam que ele existe) e o sensacional blog Logopéia, escrito pelo quase mestre Alexandre Inagaki, pela não menos verbo-hemo-rrágica Suzi Hong, pelo Ricardo Sabbag e acredito, pelo Ian Black, todos acostumados a escrever aos domingos no Spam Zine - ou seja, é garantia de qualidade.
05 julho, 2002
Mais Leminski
Quem me conhece sabe que eu curto a poesia do curitibano Paulo Leminski, aliás um dos poucos poetas que eu realmente procuro ler, ao lado de Vallejo, quem sabe Neruda e certamente Vinicius de Moraes. Achei hoje um site excelente sobre a obra do grande Leminski, com farto material, para passar horas navegando. O link é esse aqui ó: http://www5.gratisweb.com/kamiquase/. Imperdível. Abaixo, publico uma de minhas preferidas (por ser uma poesia mais longa, publico sem quebrar linha para não ocupar metros de blog):
O QUE PASSOU, PASSOU?
Antigamente, se morria 1907, digamos, aquilo sim é que era morrer. Morria gente todo dia, e morria com muito prazer, já que todo mundo sabia que o Juízo, afinal, viria, e todo mundo ia renascer. Morria-se praticamente de tudo. De doença, de parto, de tosse. E ainda se morria de amor, como se amar morte fosse. Pra morrer, bastava um susto, um lenço no vento, um suspiro e pronto, lá se ia nosso defunto para a terra dos pés juntos. Dia de anos, casamento, batizado, morrer era um tipo de festa, uma das coisas da vida, como ser ou não ser convidado. O escândalo era de praxe. Mas os danos eram pequenos. Descansou. Partiu. Deus o tenha. Sempre alguém tinha uma frase que deixava aquilo mais ou menos. Tinha coisas que matavam na certa. Pepino com leite, vento encanado, praga de velha e amor mal curado. Tinha coisas que têm que morrer, tinha coisas que têm que matar. A honra, a terra e o sangue mandou muita gente praquele lugar. Que mais podia um velho fazer, nos idos de 1916, a não ser pegar pneumonia, e virar fotografia? Ninguém vivia pra sempre. Afinal, a vida é um upa. Não deu pra ir mais além. Quem mandou não ser devoto de Santo Inácio de Acapulco, Menino Jesus de Praga? O diabo anda solto. Aqui se faz, aqui se paga. Almoçou e fez a barba, tomou banho e foi no vento. Agora, vamos ao testamento. Hoje, a morte está difícil. Tem recursos, tem asilos, tem remédios. Agora, a morte tem limites. E, em caso de necessidade, a ciência da eternidade inventou a criônica. Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.
Para ouvir sexta-feira
Perfect Day (Lou Reed)
Just a perfect day
drink Sangria in the park
And then later
when it gets dark, we go home
Just a perfect day
feed animals in the zoo
Then later a movie, too, and then home
Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spend it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
You just keep me hanging on
Just a perfect day
problems all left alone
Weekenders on our own
it's such fun
Just a perfect day
you made me forget myself
I thought I was
someone else, someone good
Oh, it's such a perfect day
I'm glad I spent it with you
Oh, such a perfect day
You just keep me hanging on
You just keep me hanging on
04 julho, 2002
Mediunidade
Há muito tempo não vejo Eny Bianca, criatura das mais interessantes, hoje casada, com um filho muito legal, o Pedro Henrique. Nesses dias em que retomei a conversação com outra figura igualmente interessante, a Mônica, lembrei das duas ao mesmo tempo, e de como eu sentia-as como minhas filhas. Um pouco de brincadeira, é verdade, mas quando via as duas sempre de rusguinhas, eu sentia a desolação de um pai. E um pai fracassado, que não conseguia ver as filhas se entenderem, logo as filhas que o pai considera mais espirituosas, engraçadas, interessantes.
O marido de Bianca me encontra e fala sobre a morte do médium Chico Xavier, e a dúvida se ele morreu antes ou depois do jogo do Brasil (eu mesmo não sei). E ele conta que a reflexão dela foi a seguinte:
- Coitado! Será que morreu antes da final da Copa? Ah, bom, ele já deveria saber o resultado, né?
É por isso que eu gosto dessas minhas duas filhas. Hoje elas moram cada qual em um lado, nunca se vêem. Mas tudo bem. Eu também sou um "pai" desnaturado e nunca as vejo - o filho da Bianca, que nasceu em 1999, já deve estar maior do que eu.
A arte
Tenho lido algumas matérias (principalmente uma sobre os fissurados no assunto, da revista de Domingo no JB, e mesmo em alguns livros, e começo a me interessar ainda mais pelo tema: a Culinária.
Tenho em casa uma porrada de livros de receitas, alguns do Globo (aquele da Terra Nostra, etc), outros da minha mãe, e ainda conheço o extremo rock n roller Rodrigo Cobra, o homem que mais cozinha na face da terra. Isso tudo me leva a crer que a Culinária é definitivamente uma arte que eu preciso explorar mais.
Começo a pensar que acertar na feitura de um molho é quase a mesma coisa que pintar o azul certo no olho de um anjo na Capela Sistina.
Eu mesmo, nos tempos em que eu namorava, tinha essa mania de fazer altos rangos para as pobres moças que me acompanhavam. Com uma delas aprendi a fazer o macarrão "Hoje não, benhê", que consiste em uma receita à base de creme de leite, queijos diversos, tempero de ervas e bacon, se possível com linguiça calabresa. O casal devora um prato cada um e o sono se apossa de forma implacável, economizando assim calorias, dinheiro, esforço e provavelmente um par de camisinhas.
O que nenhuma delas entendia era porque eu fazia um prato soporífero exatamente nessas horas. E eu juro que não era desinteresse - acontecia, e pronto. Como quando levei uma namorada na Adega Flor de Coimbra, naquela ruazinha ao lado da Sala Cecília Meireles, na Lapa, e a moça deu um tremendo piti ao descobrir, escrito no cardápio: "Por favor, aqui é proibido beijar na boca".
Ela, quase tricando os dentes, "porra, por que a gente veio aqui?", e eu ria, achando que ela estava brincando, depois vi que ela ficou braba mesmo. Aí eu pensei, mas não falei, que nessas coisas de culinária, de amor e de outros demônios, é sempre bom que fique um pouco de fome.
Que a fome não seja dor, e sim desejo.
Fantasia
O trabalho excessivo na Copa do Mundo me trouxe alguns efeitos de estresse: engordei, perdi cabelo, desregulei o sono, tenho sentido tonteiras, cansaço ao acordar. Mas nada se compara ao dano causado na alma e claro, na mente pela falta do ingrediente mais necessário que existe: Fantasia. Tá bom, o segundo mais necessário, depois da Música.
Já estava há um tempo grande sem ir ao cinema antes da Copa - e o cinema é como uma tela de descanso do computador: você pára mas não desliga. Aliás, acabou ficando meio trocadilho isso de "tela de descanso", mas é por aí mesmo - o cinema é um dormir vigiado. Minha mente sente a falta de cinema.
Música então, nem se fala. Foram muitos e muitos os dias que passei inteiro sem ouvir música, até por estar com o aparelho de som quebrado. O cansaço me fazia desejar apenas o som do ar condicionado para embalar o sono.
Drogas? A minha preferida, o vinho, não pôde aparecer porque o frio ainda não chegou. Nem mesmo a sensação da mente levemente embotada pela vodka eu tive, pois bebi depois de trabalhar na segunda-feira, e isso raramente é bom. Claro - beber é uma atividade para a qual o cidadão deveria descansar simplesmente o dia inteiro. É como um pajelança regida por um português com emplastro Sabiá transparente - no caso, o dono do boteco.
Sexo? É uma coisa muito boa, mas está obviamente em lugar intermediário dentre as minhas necessidades vitais. Em primeiro lugar, se eu fosse tão dependente de sexo assim eu já teria ficado maluco...maluco...maluco...maluco....maluco....Em segundo lugar, passei mais tempo da minha vida sem dúvida nenhuma ouvindo música do que trepando (claro que quantidade não é qualidade em nenhum dos dois ramos). Em terceiro lugar, no mês que passou tive certa dificuldade para encontrar uma mulher que quisesse sair comigo às duas da manhã - horário no qual eu estava vivendo. Sem contar que sexo para mim é como ataque em esquema 4-4-2: os dois parceiros precisam se conhecer bem antes, senão ninguém sabe onde meter as bolas certas.
Em suma, durante a Copa que passou, posso dizer que eu vivi como um verdadeiro remador de galera romana - com a diferença que eu uso desodorante. Sem cinema, música, drogas (as que eu uso), sexo, enfim, vivendo de ar, trabalho, e pão com manteiga que os caras traziam seis horas da manhã para a gente comer.
A fantasia foi totalmente suspensa. Essa semana, estou no piloto automático - mas a partir do sábado, estarei de folga, três dias pelo menos, para recobrar as energias. Aí sim, conseguirei pensar em alguma coisa para escrever aqui nesse tão esquecido blog.
Livros ainda que à tardinha
Recomendação da semana, para quem quer ter vertigens existenciais das mais brabas: o livro Antes do fim, memórias do escritor argentino Ernesto Sábato. Lançamento recente (1999) deste genial autor de "O Túnel", este livro tem a capacidade de confrontar os anos, de demonstrar com uma sinceridade atroz a perplexidade humana diante do passar do tempo. Sábato fala rapidamente, em determinado trecho, da importância da "vida noturna" (não, não a do Edílson e a do Vampeta, mas aquela que temos dormindo mesmo) do ser humano, do quanto podemos contabilizar como parte de nossa biografia aquilo que vivemos enquanto estamos dormindo. Para justificar sua tese, o ex-físico que virou escritor se sai com uma frase belíssima:
-De um sonho pode-se dizer tudo, menos que é mentira
Uma verdade simples e aterradora. Tenho confrontado essas verdades de Sábato todos os dias no metrô, agora que terminei de ler "O longo adeus", espetacular livro policial do igualmente espetacular Raymond Chandler. Mas, voltando ao assunto, quem não conhece Sábato, comece com "O Túnel", relançado recentemente pela Companhia das Letras.
O meu eu não empresto porque está reservado para uma moça que parece entender mais de tudo isso muito mais do que eu. E ela sabe que estou falando dela.
02 julho, 2002
Vai, guitarra
Segunda-feira à noite, fim de Copa, reinício do trabalho normal, ainda sem as folgas marcadas. Nada melhor para começar uma semana como esse do que ver o show do Big Gilson lá no Boêmio da Lapa, embaixo do último arco, em frente ao semente. O homem deu um show mais uma vez apoteótico, em que até a flauta transversa da gatinha que faz uma ponta de vez em quando não chegou a atrapalhar. Gilsão tocando como nunca, ao lado de Otávio Rocha, Pedro Strasser e Pedro Leão. Tudo fera. Uma super-banda.
Segunda-feira que vem tem mais. Acho que tá na hora das pessoas começarem a frequentar mais o show do Gilsão - pelo menos quem acha que gosta de guitarra. Quem não gosta, melhor ficar em casa vendo Tela Quente.
Jô
Semana passada, depois de muito tempo, resolvi assistir o Jô. Quem era o primeiro entrevistado? É, ele mesmo.
Burkina Faso
Minha sobrinha entrou sorridente e saltitante sala adentro gritando "burquinafasso, burquinafasso" e ria, ria. E eu: "o que, Ananda?". "Vem tia, vem que eu te mostro Burquinafasso. Então, tá. E fui acompanhando minha ignorância descobrir que Burkina Faso (sei lá como escreve) é um país na África, vizinho à Nigéria. Daí pra frente, foi um festival de nomes de rio, países e capitais mundo afora. "Suaselândia", ela continuou. "Peraí", ela disse divertindo-se, "é assim: Suazilândia". "Existe ou não existe esse lugar?". "Existe, sim", eu garanti. "Então, onde fica?". "Fácil, na África", chutei para não trocar de continente. E assim fomos passando a noite, eu numa missão de babá, ela segurando seu Atlas velho como se tivesse acabado de ganhar um brinquedo novo. Aos cinco anos, ela brinca de descobrir palavras e lugares desconhecidos.
Daqui a duas semanas eu terei esquecido onde fica Laos, ou que a capital da Turquia é Ankara, mas ela virá novamente, na hora do almoço, me falar de Burkina Faso. Tudo o que consegui saber a respeito desse lugar, pesquisando na internet, é que lá acontece um festival de cinema e televisão de Ouagodougou, pelo que entendi, a grande manifestação cinematográfica do continente africano. Ouagodougou, né...ela que me aguarde.