27 julho, 2002

Folias baianas
Tinha todos os ingredientes de uma grande roubada, mas definitivamente não chegou a tanto - na medida em que você revê pessoas meio sumidas, a roubada diminui. Claro que estou falando do restaurante baiano citado alguns emails abaixo no convite de aniversário que recebi.
Antes de tudo, um warm-up e umas cinco voltas de aquecimento dos pneus no Plebeu, que ficava praticamente em frente ao tal de Axé Santé, o restaurante franco-baiano ou axé-francês do tal aniversário. Um parêntese: Marlos, que estava na parada, ficou na dúvida se o restaurante ser baiano e francês (sinceramente, não vejo a menor relação entre as duas culinárias) seria resultado do casamento de uma dançarina de axé com um cineasta francês (rótulo dado até para os técnicos que consertam televisão em Lyon) ou de um bailarino francês com um capoeirista. Veneno, maldade, tudo em doses cavalares.
Já cheguei no Plebeu e encontro não só o celerado acima como também Julio Castañeda, este em adiantado estado de decomposição. Em cima da mesa, obviamente, uma quantidade de Bohemias capaz de embrulhar o estômago até do Pereio. Sentei e pedi uma dose de whiskey oito anos, para relaxar, depois de um dia cansativo. Aí começam: surge uma menina com quem eu falei UMA vez na vida, no Queen´s Leg, e justamente por isso a miopia (me atrapalha muito) e a memória não deixaram com que eu me lembrasse. Ela interrompeu a conversa e exigiu que eu fosse ao Queen´s Leg na terça. Disse "sim, senhora" e encerrei a conversa, me voltando para a mesa, onde eu degustava o Johnnie Walker e conversava sobre o "Escorpião de Jade", novo do Woody Allen e sobre a perspectiva de rebaixamento do Botafogo no Campeonato Brasileiro.
Nisso, irrompe na mesa do Plebeu um cara que eu via uma vez ou outra na Matriz, quando eu ficava de DJ da pista 2. O cara deve ter falado comigo umas três vezes, todas pedindo música e todas dizendo, "porra, esse som de vocês é foda". Bom, o cara quase subiu na mesa, me abraçava, num porre duca, dizendo, "caramba, Guuuugaaaa, quando é que você vai 'tocar' de novo???", isso umas 15 vezes. Detalhe: jamais fui chamado de Guga em toda minha vida. E o cara me apresentou a umas cinco pessoas em outra mesa (as cinco pessoas COMPLETAMENTE sem graça) dizendo, "este é o DJ Guga", enquanto eu tentava explicar que não sou mais DJ de nada. O cara me convenceu a dar meu telefone porque ele queria que eu tocasse "em uma parada aí". Obviamente dei o telefone do jornal.
Diante disso, o melhor mesmo foi ir logo para o tal restaurante franco-baiano, ali perto. Passamos em frente a uma casa onde uma cantora de voz terrível cantava "Hoje eu quero sair só", do Lenine. Outro parêntese: eu queria que pelo menos um cantor de barzinho de Botafogo não incluísse essa música em seu repertório. É incrível, todos cantam, e fazem cara de inteligente por estarem cantando Lenine e cara de moderno por acharem que estão fazendo uma "releitura". Nunca a palavra "releitura" esteve tão coberta de glamour. Fecho parêntese. A casa da cantora de voz terrível era EXATAMENTE o Axé Santé. "Que roubada", foi o pensamento uníssono. Entramos e não vimos um rosto conhecido sequer.
- Mesa para três, senhor?
Dissemos que tínhamos vindo para um aniversário e já estava me retirando quando o que eu acho que era uma mistura de mâitre com dono de restaurante disse:
- É ali em cima.
Viramos os rostos para a esquerda e vimos uma escada em caracol. Uma temível, acachapante, perigosa, inexpugnável escada de caracol. "Filho da puta!", foi o pensamento uníssono em relação ao Marlúcio, dono da festa. Subimos a escada já pensando em como poderíamos continuar bebendo se, para ir ao banheiro ou mesmo ir embora, teríamos que atravessar aquela escada em caracol.
Logo vimos todos os ingredientes de roubada: o cheiro de comida baiana no ar, várias pessoas com o dobro de nossa idade - família, família, família - nenhum rosto familiar a não ser o do aniversariante. Este veio nos cumprimentar efusivamente, obviamente nos chamando de homossexuais, e coisas do tipo. Na hora do abraço, deu para ver a cartela de comanda do bar dentro do bolso dele. No lugar do nome do cliente o filho da puta escreve: "Deus".
Nos sentamos e eu pedi o cravinho, a xiboquinha baiana. Encontramos um camarada de Castañeda das antigas, ouvimos histórias interessantes. Enquanto isso, depois de ter detonado várias Bohemias no Plebeu, Marlos encarava um caruru seguido do que me pareceu ser um vatapá, tudo adornado com uma farofinha tão amarela que se fosse colocada numa encruzilhada o Detran mandaria tirar alegando que confundiria o motorista.
Lembrei que antes disso nós havíamos comido uns bolinhos de carne no Plebeu. Pensei na combinação que o cara fazia ao meu lado: cervejas + bolinhos de carne + caruru + vatapá + farofa de frigideira e arrematando com duas belas fatias de BOLO DE CHOCOLATE do aniversariante. Pensei: "Esse cara está engolindo uma granada".
Bom, só sei que deu para dar umas risadas boas. Uma e meia saí, peguei um táxi e vim para casa, olhar minha correspondência eletrônica antes de dormir - algo que já se tornou um ritual.
Hoje, sábado, vou trabalhar. Espero não ter que ir no enterro dos restos mortais de Marlos após a explosão.