23 julho, 2002

A fogueira
Adélia não gostava de festas juninas. Mas gostava de pular fogueiras. Tinha horror aos amiguinhos dançando quadrilha, todos fantasiados, com aquelas roupas ridículas, maquiagem de bolas vermelhas nas bochechas. E ainda havia aquela música insuportável para seus ouvidos. Era uma menina esquisita. De fato, não ficaria bem vestida com roupas caipiras. Adélia ardia: de raiva, por amor, com humor, de vida. Seu rosto inquieto corria o pátio inteiro, imaginando a distância para pular a fogueira. Seu único interesse nas festas juninas era pular fogueiras. Não queria ser a noiva da quadrilha, nem participar da pescaria, mas sim chamar atenção porque pulava a fogueira.
Durante algum tempo acreditou que sua única dificuldade na vida seria pular fogueiras em festas juninas. Os estudos iam bem, a convivência familiar agradável, amigos idem. Ganhava os presentes que desejava. Se não os ganhasse, também não ligava. Às vezes não tinha o que fazer e, como era fria a cidade em que morava, distraía-se pondo lenha na lareira. Inventando novas chamas. Ajudava com prazer o pai na tarefa de esquentar o lar.
Uma série de fogueiras começou a apagar na sua vida. A primeira foi o cão. Depois o tio. Anos depois a mãe. O emprego. E tantas pessoas, e coisas, e lugares. Não conseguiria mais juntar lenha para sua fogueira. Lume na imaginação. Envelheceu. Não conseguia mais superar um obstáculo. Esfriou.