22 julho, 2002

Texto que se encaixou com perfeição neste domingo que passou
Publicado originalmente no site Falaê no ano de 2000, dentro da matéria "Os cinco maiores vícios não injetáveis que eu conheço"
Você passou a noite toda bebendo. Como vários bêbados que eu conheço, ainda fumou cigarros em profusão. A última coisa que você se lembra – ou a primeira, logo que você acorda – é que a cerveja acabou e você foi lá pegar “aquele gin que o Souza ganhou no Natal e tava lá no fundo do armário”. A frase “Água tônica é coisa de viado” foi falada por um dos participantes, e você concordou com ele, quando descobriu que havia pouco gelo. Ao acordar, deu aquela estranhada no ambiente e achou mais estranha ainda a foto da sogra do Souza ter ido parar na sua cabeceira. Mas aí você percebe que você é que foi parar na cabeceira da sogra do Souza, que graças aos céus estava viajando naquele fim de semana, passando estações de águas em Caxambu.
Você abre a porta do quarto, devagar. Ainda vê o cenário degradante da noite anterior, cinzeiros completamente repletos, fedendo, centenas de copos, alguns ainda cheios de cerveja (argh!) quente. O cheiro no ar é de vômito, mas você tem certeza de que ninguém vomitou – ou seja, o cheiro é um resultado natural da soma de tudo o que passou ali. Seu estômago está completamente embrulhado, e você sente a crosta de cigarro que impede a passagem do ar por suas cordas vocais. “Merda”, você pensa.
Com muita sede, você atravessa a sala e nota que um dos seus amigos está dormindo, naturalmente de cuecas, no sofá. Você não queria notar isso, mas ele está com ereção matinal. E pior ainda, ronca horrivelmente. Andando um pouco mais, você começa a procurar o que beber na geladeira, e logo acha. Mas não tem copo. Procura daqui, abre armário, procura dali, e nada de copos, todos os copos da casa foram usados, e estão imundos. Você acha um “lavável” – é difícil achar um copo que não te faça vomitar se você tentar lavá-lo, a esta altura do campeonato.
Passa um sabãozinho, lava na torneira da pia, e se lembra de ter colocado água nas formas de gêlo. “Maravilha!”, pensa. E de fato lá estão, estalando, novinhas, brilhando de tanto gelado, dezesseis cubinhos de um delicioso e refrescante gelo. Você força a forma, os gelos saem, “CREEEEEC”, estalando, é só ir colocando no copo, “CLINC, CLINC, CLINC”. Pega a garrafa, torce, ouve o barulhinho bom do gás, “TTTTSSSSSSS”, e começa a derramar o líquido negro dentro do copo, banhando os gelos aos poucos, deixando que se faça um pouco de efeito cascata. Então, o momento solene: leva o copo a boca e dá os primeiros goles.
Você está vivo de novo. Coca-cola é isso aí.
(Gustavo de Almeida