16 julho, 2002

A casa
Existem casas que parecem inabitadas. A de número noventa da minha rua é assim. Vê-se que o jardim é bem cuidado, a calçada em frente é limpa, e há até flores brotando nos pequenos vasos de plantas dispostos simetricamente nas janelas, contudo, ainda sente-se um vazio ao se passar em frente a ela. Não há cachorros latindo por trás do portão baixo e cinza. Parece que nem os passarinhos por ali se aventuram. A casa é branca, suas janelas são de madeira pintadas também de branco e tem trepadeiras crescendo desordenadas nas paredes do muro baixo. Na verdade, é possível passar por ela sem percebê-la.
Nunca há ninguém entrando ou saindo. Há um caseiro que, diariamente, quando eu passo a caminho do trabalho, está a varrer a calçada. A casa mais parece situar-se na Avenida Atlântica, pois suas janelas permanecem eternamente fechadas, como se houvesse risco de a maresia estragar o antigo piano, que eu imagino, deva ocupar o ambiente principal da casa, logo à entrada. Mesmo por trás dos vidros escuros dos enormes apartamentos da orla, vê-se pessoas na janela, vez ou outra, paradas, café na mão, olhando o mar. Outras fumam. E mesmo que não se veja, há luzes acesas, abajures de pés altos, porteiros entediados abrindo e fechando portas de garagem, enormes prateleiras de livros, reflexos azuis de televisões não-sei-quantas polegadas, tudo isto visto lá da outra calçada, perto da areia, por voyeurs feito eu. E há, inclusive, meninos de rua dormindo nos bancos úmidos à beira desses luxuosos apartamentos só para afrontá-los com sua pobreza, seus canivetes e, porque não dizer, com suas vidas. Mas nessa casa, considerando-se que não possui vista para o mar, a janela sequer é aberta para ventilar o ambiente.
Ontem, entretanto, quando eu fazia meu percurso rotineiro pela manhã, ao sair um pouco mais cedo, vi: mora lá um rapaz branco, de cabelos louros e olhos azuis. Saiu de cabeça baixa, puxou o portão de madeira e atravessou a rua. Eu ia distraída, foi um susto para mim ver alguém saindo. Reparei que ele usava um casaco verde e segurava uma maleta preta. O rapaz entrou no ônibus que passou logo em seguida e sumiu, assim, como se fosse normal apagar a vivacidade e a alegria que deveria ser morar naquela casa.