13 julho, 2002

Piadinha sem graça
É uma que eu ouvi ou li quando eu tinha uns nove anos de idade. Ou seja, é velhíssima, do tempo de Zico no Flamengo. Mas me lembrei dela outro dia, quando ofereci carona de táxi a uma menina bonita que eu sei que mora aqui perto de casa. Eu estava no ponto da Praia de Botafogo, esperando o 107, mas de repente cansei e resolvi pegar um táxi, para chegar em casa logo. Aí vi uma menina no ponto, esperando - eu sabia - o mesmo ônibus, e por cortesia, chamei-a para dar uma carona. Ela recusou até educadamente, mas na minha opinião fez cara de nojo. Acho que ela pensou que eu tinha alguma segunda intenção - e eu não tinha nem a primeira.
De qualquer maneira, me lembrou a piadinha do Todo Fu, que eu ouvi/li na década de 70. O Todofu entra num bar estilo single, de banco no balcão, e pede uma genebra. O barman olha para ele, e o cara está com calça meio suja e amarrotada, camisa aberta no peito, suado, rodelas de suor nas axilas, cheiro ruim, barba por fazer, gripado, enfim, todo fudido. O barman diz o preço, o Todofu puxa uma nota nojenta de dentro do bolso, uma nota de valor médio, mas tão velha que se tivesse a efígie do Santos Dumont já teria voado há muito tempo. Para complicar a vida do Todofu, a genebra é mais cara. Então ele pede uma aguardente. Como é single bar, diz assim - se fosse no boteco, seria pinga mesmo. O barman traz.
Nisso, quando o Todofu vai dar a primeira talagada, abre-se a porta do single bar, e entra, não diríamos um avião, mas uma verdadeira nave interestelar. Uma morena de olhos pretos, cabelos castanhos, 1,90m, formas perfeitas (busto, quadris, seios, nádegas, tudo parecendo como encomendado previamente) adentra o recinto, com passos leves, como se estivesse pisando em nuvens. O bigode do barman chega a se eriçar. O perfume da mulher por si só já serviria para o Stevie Wonder compor a trilha sonora de um filme pornô. Um olhar dela era capaz de transformar uma estátua em carne.
E ela vai e senta do lado do Todofu.
Meio encanado, o Todofu resolve pelo menos jogar pelo regulamento. Cumprir tabela. E resolve chegar junto na mulher, mesmo sabendo que as chances eram reduzidas. Ou, melhor dizendo, as chances eram as mesmas de o ataque da Seleção Brasileira em 2006 ser Romário e Tuta.
Revirando os bolsos, o da camisa (horrendo), não acha nada. Mas uma última olhada, percebe um volume cilíndrico (não, não é o que estão pensando) e macio na camisa, um cigarro. Mas um cigarro Belmont. Ou Paquetá. Ou Hollywood. Enfim, um mata-rato, não importa a época. Um só, e não um maço. Está rasgado na ponta, e além de tudo meio velho. E o típico cigarro de bêbado. O Todofu ainda dá uma "esticadinha" no dito, dá um sorrisinho malicioso do tipo, "agora tá perfeito", e aborda a morenaça.
- Cigarro...?
A morena se vira lentamente e de seu olhar já parte o bonde do desprezo. Um homem seria capaz de ler "Ulisses", de James Joyce, dentro do tempo psicológico que leva o tempo da virada de cabeça da morenaça. Com um enfado quase oblíquo de Capitolina, beirando uma crise existencial, a morena contém os litros de vômito que teria para despejar o Todofu (que na opinião dela NEM ISSO merece) e detona:
-Não...
O Todofu dá meio de ombros, guarda o cigarro, ri meio sem graça, amarelo, e se senta a dois bancos de distância da morenaça, a essa altura já degustando um whisky sour. Mas o Todofu não desiste. Mete a mão no bolso de trás da calça e acha um pacote de Dentyne. De hortelã. Mas só tem um chiclete. E com vários fiapos de tecido de calça grudados, fora que uma parte do papel saiu e na superfície de chiclete é possível vislumbrar um início de impressão digital. O Todofu dá uma acochambrada, ajeita aqui e ali, e num rasgo de generosidade, reataca:
-Chiclete?......
Desta vez, a morenaça não abre nem a boca. Menea a cabeça apenas UMA vez, negativamente, e se volta para seu whisky sour. Trata o Todofu como um leão trataria um camundongo durante a degustação de um antílope. Algo dez graus abaixo do desprezo. Praticamente um ser inexistente. Mas quando ela está sorvendo o canudinho do whisky sour, o Todofu desce do banco, junta os calcanhares meio decidido, meio indeciso, abre os braços como se mostrasse o tamanho de um peixe e pergunta, cândido:
- Bom....trepar, nem pensar, né?