30 outubro, 2003

Cantoras



Da esquerda para a direita: Jorge Goulart (com quem Nora Ney se casou) Dolores Duran, Lucio Alves e Nora Ney

Segunda-feira passada, perdemos Nora Ney. Com mais de 80 anos, foi mais uma de nossas cantoras a marcar milhares de pessoas – com certeza não a mim, que não tenho idade para tal. Mas sempre gostei de ouvir sua gravação famosa de “Ninguém me ama”, do genial Antonio Maria – e para isso nem é preciso ter mais de 10 anos de idade. Basta o acaso, como no meu caso, para um dia ter gostado de ouvir essa que certamente foi a primeira de nossas “cantoras ecléticas”, ainda na década de 50, quando cantava “Stormy wheather” (aquela música do comercial de cerveja em que uma loura esfrega cerveja nos lábios e na calcinha antes do cara chegar), depois enveredou pelo rock and roll (uma fase pouco falada), até desembocar na música de fossa e na bossa nova.
Nora Ney costumava se distinguir por não conseguir fazer direito o “R” puxado que caracterizava os cantores de rádio. Mesmo assim, foi eleita Rainha do Rádio. E pode-se dizer que Nora Ney foi a primeira de uma extensa lista de artistas perseguidas pelo pessoal que assumiu o governo em 1964 – o fato de ter feito turnês pelo Leste Europeu e sua própria sinceridade política a impediram de “estourar” de vez, mesmo tendo gravações históricas como a “Ninguém me ama”, de Antonio Maria, e a maravilhosa “De cigarro em cigarro”, do Luiz Bonfá – essa última, com um verso que, quando moleque, eu via repetido em “Você”, do Tim Maia: “Vejo o tempo passar/O inverno chegar”.
Hoje, adulto (?), tenho um CD inteiro de Nora Ney, dentro da extraordinária coleção “A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes”. Acompanhada por um trio, Nora fala, no programa “Ensaio”, da TV Cultura, sobre sua carreira, sempre de uma maneira muito singela. Uma simplicidade que me lembra, por exemplo, Elizeth Cardoso, talvez a maior de nossas cantoras (Elizeth achava que a maior era Elis Regina), de quem Hermínio Bello de Carvalho diz que “sempre entrava pela porta da cozinha”.
Enfim, cantoras como Nora Ney e Elizeth Cardoso, ambas surgidas da simplicidade de um povo – Nora era contadora sem sucesso e Elizeth chegou a ser pedicure – é que formam uma cultura, um padrão de comportamento e principalmente a nossa memória. O verso “Ninguém me ama/Ninguém me quer/Ninguém me chama de meu amor” é quase universal, é tão comum a todo brasileiro com mais de 30 anos quanto geladeira com frezzer embutido.
Nora morreu e ganhou lá um obituário em alguns jornais, uma nota em outros, talvez uma menção em um programa de rádio. É como se já estivesse enterrada, desde sempre, morta em nossa vida apressada, sem remorso e sem lamento.

Merda
O título deste post não é um lamento, não é um desejo de boa sorte para um ator antes de entrar no palco, não é um grito depois de uma topada, nada disso. Escrevi esse título usando a palavra no sentido mais literal possível. Recomendado por um neurologista a dar pequenas caminhadas, descobri que a Urca tem, sim, algo que os outros bairros não têm: muita merda.
A variedade é enorme – assim como o tamanho de alguns cagalhões, o que dá a entender que por aqui deve haver cachorros São Bernardo ou filas brasileiros. Ou então mendigo gordo, se bem que mendigo careca e/ou gordo é coisa que eu nunca vi. Assim como nunca vi velho gordo, com mais de 60 anos. Gordo geralmente morre cedo. É triste, mas parece ser real.
Mas voltando à merda, me impressiono com a má vontade dos donos de cachorro com o assunto. Aqui na Urca, se for avaliar pela quantidade de latidos noturnos em volta da minha casa quando eu quero dormir, calculo que haja um cachorro para cada cinco habitantes. Se considerarmos que a população do bairro anda na casa dos 10 mil (segundo um censo bem antigo), é lícito afirmar que dois mil cachorros derramam seus cagalhões impunemente pelas terras do outrora melhor bairro do Rio.
Os donos? Cagam e andam. Em todos os sentidos.
Na caminhada de hoje, que foi de 300 metros (mais que isso é perigoso para mim), vi merda de três em três metros. O pior é que não dá nem para reclamar de governo ou Prefeitura. O que as autoridades têm a ver se os moradores de um bairro adoram ver seus lulus bostejando nas calçadas, cagando como se fossem verdadeiras usinas de merda?
Geralmente, é gente que tem dinheiro, que tem ‘tradição de Zona Sul”, que torpedeia os ouvidos do alheio com discursos de “eu amo o Rio”, mas que não hesita em deixar ao semelhante a herança da digestão escabrosa do melhor amigo do homem.
Me irritou muito, tudo isso – e olhem que eu sequer pisei em um tolete. Vejo como problema sem solução. Talvez se convencermos os donos de cachorro a levarem seus bosteiros ao meio-fio, mas é muito difícil. Não querem nem saber. Diversas vezes já vi verdadeiras montanhas de Wyoming depositadas nada menos que na portaria de prédios – o cidadão que mal tem grana para comprar papinha Nestlé para seu filho sai e “glitch”, enterra o sapato novo até a borda no bonzo processado organicamente.
Eu ainda fico mesmo é com “seu” Alaôr: nada de cachorro, o melhor amigo do homem mesmo é o peido. “Nunca ataca o próprio dono”, conclui ele, soturno.

23 outubro, 2003

A vida chata e saudável



Depois de três meses e meio de dieta rigorosa (uma das PRIMEIRAS ordens de qualquer médico ao ver que você tem uma hérnia e tem barriga), fui fazer um exame de sangue completo, com hemograma e hepatograma, entre outras coisas. É claro que, após três meses longe das pizzas e do álcool, minha expectativa era de que o resultado desse meu exame fosse o de um igual a de um atleta de decatlo. Qual o quê. Meu colesterol está em 130mg, e embaixo uma notinha alerta: “desejável abaixo de 116mg”. Puta que o pariu. Pelo jeito, antes da dieta eu estava à beira de um infarto do miocárdio e não sabia.
Na parte hepática, tomei outro susto: Gama GT e TGP bem acima dos níveis permitidos. Meu amigo Maloca, ex-dono de birosca, avisa sem pestanejar, meio às gargalhadas: “Isso aí é CACHAÇA”. Nem adianta eu dizer que não bebo desde 10 de julho – o fígado demora para se recuperar do prejuízo. Enfim, ainda devo consultar um amigo que é especialista no assunto.
O que importa é que agora, com 61kg (peso ao acordar), estou começando a repensar a vida em todos os aspectos, e já me preparo para sair daqui da minha cela de bicheiro. Claro, se eu ficar muitas horas em pé e andando as dores imediatamente voltam, por isso tem que ser algo gradual. E tenho que manter a dieta, o que significa que só me relacionarei da forma mais correta com uma pizza no ano que vem.
Só quem já foi gordo – e no meu caso, gordo (com mais de 75kg) e baixo – é que pode avaliar o quanto é bom emagrecer, apesar de, para isso, você ter que realmente esquecer que comer pode ser prazeiroso. É aquela velha história: em vez de viver para comer (que é bem mais prazeiroso, bem mais legal), você come para viver. Ora, ma que catzo, por que meu colesterol está alto e o número de hemácias está ligeiramente abaixo do ideal?
Resposta: porque eu já estava comendo para morrer. E o cara do Rei dos Sucos, a quem eu pedia um ChesseBacon e um folhado de catupiry para o lanche, nunca me avisou isso. Aliás, quer emagrecer? Tire do vocabulário as palavras “bacon” e “catupiry”.
É chata, essa vida saudável.
Mas se você deixa de lado o prazer de comer – assim como gente deixa de lado o prazer de beber, o prazer de fumar – a coisa é diferente. Fica muito boa, essa vida saudável.
Vestir uma calça deixa de ser uma tarefa que exige 20 minutos do seu tempo e um ar condicionado ligado – qualquer calça serve. No meu caso, sem cinto agora nenhuma calça serve, todas caem sozinhas até o chão. Camisas? Tudo folgado. Aposto como ao chegar do trabalho as roupas não estarão mais pesando 900 quilos (800 só de calça jeans).
Ao dormir, as coisas melhoram – gordo, eu acordava toda hora no meio da noite. Depois de emagrecer, vou até de manhã. Até mesmo a chegada do calor já não me deprimiu tanto (quem tem hérnia gosta do calor) quanto antes. E descobri que todo gordo sua, por isso a chegada do calor é tão aterrorizante.
Tudo isso sem falar na digestão, algo que deixou de ser um processo semelhante ao relacionamento da jibóia com o búfalo cafre que vi outro dia no Discovery Channel. E acho que essa facilidade digestiva e o posterior aumento na qualidade de vida se devem à velha máxima proferida pelos bons endocrinologistas: tome café da manhã como um rei, almoce como um príncipe e jante como um escravo.
Nenhum bom regime dá certo se o freguês não começar primeiro com esse preceito. Nem que o cara no café coma pizza com bacon, no almoço detone uma picanha e no jantar mate só um sacão de fandangos.
Enfim, é bom viver respirando bem, sem a pele estourada, sem o estômago ardendo, sem o fígado chiando, sem pontadas estranhas, sem problemas no sono, com tudo em cima (tirando, é claro, a dor na coluna e na perna direita).
Mas preciso ir a um psicólogo para que ele me explique o que é esse sonho recorrente no qual eu caminho incólume por lindos campos de orégano.

22 outubro, 2003

Homônimo
E eu que tive a pretensão de ser original um dia. Copiem este link e dêem uma olhada no blog abaixo. O nome é familiar.
http://www.tem.blogger.com.br/

19 outubro, 2003

Vinícius em prelúdio


Dois gênios, Vinícius e Toquinho



Neste dia 19 de outubro, em que se comemoram os 90 anos de nascimento de Vinícius de Moraes (com E, por favor), a sensação que se tem é a de que estamos celebrando não só a memória de um excepcional poeta e compositor – estamos celebrando, sim, a memória de um Rio de Janeiro que já não existe, a não ser na forma de altivez. Como costuma dizer um colunista esportivo alternativo que conheço, o Rio de Janeiro, malgrado as críticas dos neo-desenvolvimentistas de outros estados, ainda é uma grande world class city, e o fato de Vinícius ter aqui vivido e por esta cidade se apaixonado é um sintoma fortíssimo disso. Não é à toa que em alguns rankings a canção Garota de Ipanema é considerada a segunda mais tocada em rádios de todo o mundo – a primeira, definitiva dos rankings, é Yesterday, dos Beatles, que se não me engano lidera também o ranking de músicas com mais versões diferentes.
Um ranking divulgado recentemente nos EUA indica que Garota de Ipanema toca uma vez a cada quinze segundos em território americano. Ou seja, em um ano a música é executada mais de cinco milhões de vezes por lá.
Hoje, letra e música, não só de Garota de Ipanema como de vários outros sucessos do poetinha parecem coisa do século retrasado, é de um Rio que não existe mais, fisica e metafisicamente falando. As pessoas estão diferentes, o espaço urbano está diferente demais. Mal há tempo para suspirar coisas como ‘Ah, porque estou tão sozinho`, até porque no Rio de Janeiro hoje em dia é muito difícil ir a qualquer lugar sem pegar uma fila gigantesca – ou mesmo sentar em algum lugar, pedir um chope ou uísque sem ser avisado pelo garçom de que “não pode só beber, tem que comer”. Enfim, a vida mudou.
Vinícius tinha um talento raro para colocar a Amizade em um patamar quase inatingível – diria quase porque o poetinha, apesar de adorar os amigos, era muito emotivo e isso acabava entrando nos relacionamentos. Um episódio narrado por Baden Powell no programa da série Ensaio (TV Cultura) mostra como Vinícius tinha um zêlo pelos amigos que extrapolava a mera dedicação. Conta Baden que levou certo dia a obra-prima Samba em prelúdio (uma das mais lindas canções de todos os tempos) à casa de Vinícius para que ele colocasse letra – o que acabou acontecendo.
Os dois, porém, tomaram lá “uma garrafa de uísque ou outra”, e passaram a noite tocando, conversando sobre a vida, até que quase no final da maratona (muitos baldes de gelo e bitucas de cigarro depois), Baden disse, “compadre, vamos fazer logo essa música”. Sério, Vinícius pôs o uísque de lado e disse, “olha, compadre, tenho que lhe dizer uma coisa muito chata. Mas isso que você tocou pra mim é Chopin”.
Baden ficou magoado na hora, reclamou, disse que não era Chopin coisa nenhuma, etc. Não chegaram a discutir ou brigar, segundo conta, mas o clima ficou meio chato. Vinícius insistia, Baden negava, de fato Samba em prelúdio não tinha nada de Chopin, e estava só esperando para ter tudo de Vinícius. Até que, conta o igualmente saudodo Baden, Vinícius decide chamar a esposa (nota minha: acredito que a Maria Proença), que “entende tudo de Chopin”.
Baden se aborrece, e “toca a real”:
- Meu compadre, não chama sua senhora não, já é de manhã, ela vai acordar, dar de cara com isso aqui, cigarro, uísque na mesa....
Vinícius, porém, foi irredutível, e veio lá sua sonolenta esposa ouvir a linda “Samba em Prelúdio”e obviamente deu um esporro no marido, e como crítica bem fundamentada, disse que aquilo não tinha nada de Chopin. Vinícius se convenceu de vez de que daquela vez não precisava proteger seu amigo Baden da acusação de um plágio, relaxou e soltou em poucas horas a letra que conhecemos hoje de Samba em prelúdio:

Samba em prelúdio
Vinicius de Moraes / Baden Powell
Eu sem você
Não tenho porquê
Porque sem você
Não sei nem chorar
Sou chama sem luz
Jardim sem luar
Luar sem amor
Amor sem se dar

Eu sem você
Sou só desamor
Um barco sem mar
Um campo sem flor
Tristeza que vai
Tristeza que vem
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém

Ah, que saudade
Que vontade de ver renascer nossa vida
Volta, querida
Os meus braços precisam dos teus
Teus abraços precisam dos meus
Estou tão sozinho
Tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida
Sem você, meu amor, eu não sou ninguém
(cont.)

Arte do encontro (cont.)
Cenas como essa, descritas pelo já falecido (e não menos extraordinário) Baden Powell, me dizem muito sobre as amizades da época, sobre o prazer de um passar a noite enchendo a cara com o outro, sobre a falta absoluta de PRESSA. Não parecia haver uma felicidade pronta, modelada, já desenhada, faltando apenas ser buscada à custa de competições e MBAs da vida. Havia, claro, a luta pela sobrevivência, mas de vez em quando se fazia uma pausa para o encontro (é dele a frase “a vida é a arte do encontro”), para um pouco de amizade, para um pouco de amor – ou muito. E até para dizer que o amigo está vacilando, que o amigo está plagiando Chopin. Vinícius costumava dizer que “nada é tão bom para a saúde do que um amor correspondido” – sem dúvida, ele que casou oito vezes pôde ser um exemplo de boa saúde apesar da nicotina e do álcool em doses industriais.
Sua última mulher, Gilda Mattoso, está para relançar (esta semana) uma preciosidade – gravações que foram colocadas, aqui no Brasil, em um disco chamado “O Poeta e o Violão”, onde ele e Toquinho tocam, conversam e dedicam músicas aos amigos (Chico Buarque, João Gilberto, Tom Jobim, Dorival Caymmi – de quem tocam ‘Dora`). Foi uma gravação feita para o mercado italiano, onde Vinícius canta até a clássica música americana “Nature Boy”.
Deste disco, do qual tenho muita saudade, curto muito a sequencia “Berimbau/Consolação” e a incrivelmente linda “O velho e a flor”. Tem também “Rosa desfolhada”, espetacular – “Tento compor/o nosso amor/dentro da tua ausência/toda loucura/todo martírio/de uma paixão imensa”.
Vininha, como era chamado, foi o cara que rachou a MPB no meio: antes dele, os caras eram cornos, traídos, abandonados, nas letras das músicas – estilo “Último desejo”, de Noel Rosa. Depois dele, o homem passou a cortejar mais a mulher para que ela ficasse, passou a prometer mais (“Eu sei que vou te amar”, “Por toda a minha vida”, etc).
Botafoguense convicto (como seu amigo Paulo Mendes Campos), homenageia a Seleção campeã de 1970 na abertura de seu histórico show em Buenos Aires, ao lado de Toquinho e Maria Creusa (excelente cantora): os três abrem cantando “A taça do mundo é nossa” (marcinha de 1958), e depois Vinícius manda para os argentinos: “jo sei que voces hincharon mucho por nosotros”, já sacaneando, entendendo que os portenhos, principalmente os portenhos, provavelmente secaram o Brasil a Copa inteira.
Enfim, Vinícius de Moraes, poeta tão diversificado (é incrível o cataléptico poema “Balada do Enterrado Vivo”, procurem para ler), tem só uma característica presente em toda a sua obra: a singeleza. E uma singeleza que só o Rio tinha. Ou ainda tem. “Ser carioca é ter como programa não tê-lo”, definia o poetinha, que tinha lá seu quê de baiano, no tempo em que baianitude não tinha nada ver com blocos de axé. Contava Paulo Mendes Campos que o poeta marcara um encontro com o grande Antonio Maria, já se passara uma hora e nada de aparecer. Maria, meio cabreiro, telefonou e reclamou.
- Ô poetinha, estou te esperando há uma hora!
- Ô, amigo Maria. Você me desculpe, não pude sair antes porque entrou ladrãozinho aqui em casa.....
Assim era Vinícius, assim era o Rio de Janeiro - que, apesar das Rosinhas e Garotinhos, ainda tem um Vinícius de Moraes cujo tempo é quando. Ou eterno.

16 outubro, 2003

Programa obrigatório do fim de semana
Quem não for é bobo ou tem hérnia de disco:
(Release do projeto Paralelos.org)

PROSA PLUGADA – DEBATE + LEITURA + SHOW + FESTA
Lançamento do site da Revista Paralelos
DEBATE 17H30 : BLOGS, ZINES E REVISTAS ELETRÔNICAS
A internet como espaço de diálogo da ficção contemporânea
com Augusto Sales (Revista Paralelos), Beatriz Resende (UFRJ / Aeroplano), Marcelino Freire (Ateliê Editorial), Maria Alzira Brum Lemos (Doutora em Comunicação), Paloma Vidal (7Letras) e Paula Foschia (blogueira) + convidados. Mediador: Joca Terron (Ciência do Acidente)

TE CONHEÇO DE ALGUM LUGAR?
Escritores à beira-mar: A literatura nova produzida no Rio de Janeiro

LEITURA 19H com os escritores Alessandra Archer, Cecilia Giannetti, Crib Tanaka, João Paulo Cuenca, Jorge Rocha, Maira Parula, Mara Coradello e Paloma Vidal + convidados.

SHOW 20H com João Paulo Cuenca (guitarrista Netunos) & Cecilia Giannetti (vocalista casino)

FESTA MARESIA LITERÁRIA 22H com os DJs Jesse Marmo (salada para todos os gostos, de Gretchen a Strokes) , Joca Vidal (drum and bass) e Edinho (rock - a confirmar)

Você já viu essa turma no Jornal Nacional, no Prosa & Verso do Globo, no caderno Idéias do JB, na Bravo!, na Trip, na Internet e até no barzinho perto da sua casa. Mas, se não cruzou com nenhum deles até hoje, a chance de ter lido alguns de seus textos é grande. Alessandra Archer, Augusto Sales, Crib Tanaka, Cecilia Giannetti, João Paulo Cuenca, Jorge Rocha, Maira Parula, Mara Coradello e Paloma Vidal espalham sua ficção por websites, livros, jornais e revistas e são os convidados da Primavera dos Livros para o lançamento da Revista Paralelos, que tem por objetivo juntar os escritores cariocas da nova safra.

Nesta ocasião, os leitores terão oportunidade de bater um papo com estes escritores e estão automaticamente convidados a participar do debate "Escritores à beira-mar: A literatura nova produzida no Rio de Janeiro", que acontecerá no dia 18 de outubro no Armazém 5.

Mas não fica por aí: JP Cuenca e Cecilia Giannetti, respectivamente guitarrista da banda Netunos, e vocalista do Casino, vão apresentar o pocket show acústico com canções de suas bandas e covers inusitados. Eles prometem Elvis Costello, Jorge Ben, Aimee Mann, Chico Buarque e, até quem sabe, Elton John. Depois do show, Maresia Literária é o nome da festança que acontecerá no Armazém 5 para comemorar o lançamento do site paralelos.org e sucesso da Primavera dos Livros.

Como já disseram antes: - leia o novo!

SERVIÇO
Armazém 5 - Cais do Porto
Dia 18 de outubro
A partir das 17h

Neighbors
Outro dia, Marcele me perguntou sobre uma trilha sonora para seu programa Caleidoscópio, da UFF, que tinha como tema ?Vizinhos?. Imediatamente recomendei a emblemática música que dá título a este post, do disco Tattoo You, dos Stones ? um espetacular disco de 1981, que rachou ao meio com uma marreta de rock n roll o caminho entre o punk e a new wave. Mas enfim, não é disso que estamos falando. Estamos falando de vizinhos.
Incrível como bastou eu ter uma hérnia de disco e ser obrigado a passar três meses dentro de casa para eu perceber o quanto a vida em prédios ? mesmo os pequenos, como o meu ? se tornou completamente inviável. E juro que não se trata de bancar o estilo ?vizinho-síndico?, daqueles caras que reclamam se você tira o sapato e joga no chão. Ou daqueles que vão lá na sua porta bater porque você só jogou um sapato e eles estão quase loucos esperando pela queda do outro.
Muito longe disso. Para mim, sujeitos cantando bêbados ?Largado no mundo? ou mesmo ?Down em mim? às quatro e meia da manhã de uma segunda-feira pode ser incomum, mas é passivo de compreensão. O bom vizinho pensaria, ?putz, são quatro e meia e os caras estão bêbados e cantando músicas deprê, porra, eles devem precisar?. Mas não, a única atitude que eles tomam é ligar dizendo frases insuportáveis como ?amanhã, quer dizer, hoje, é dia de trabalho?.
Eu sempre fui o escroto do prédio, na opinião dos vizinhos. Era eu quem tinha guitarra, era eu quem colocava altíssimo o LP ?If you want blood...you?ve got ir?, do AC/DC, ao vivo e com Bon Scott, era eu quem fazia festinhas quando ficava sozinho em casa, era eu que organizava bebelanças absurdas para ocasiões fugazes como reunir os amigos para ver lutas do Mike Tyson de madrugada ou mesmo as 500 milhas de Indianápolis, isso quando tinha um ou dois brasileiros. Hoje, são poucos os estrangeiros. Bom, mas voltando ao assunto.
Nessa minha temporada entre dor e fome, percebi o quanto as pessoas fazem coisas no dia-a-dia que enlouquecem. Descobri, por exemplo, que as minhas cinco vizinhas mulheres (de várias idades) um dia derrubarão o prédio inteiro com as porradas que dão na porta. Descobri que um vizinho de outro prédio tem um cachorro daqueles pequenos que late simplesmente o tempo INTEIRO, inclusive à noite. Percebi que uma das vizinhas mulheres tem lá seus 16 anos e ouve alto em um som compacto (desses tipo rádio-gravador, que têm som horrível) absolutamente TUDO que está na moda em termos de música, além de Bon Jovi ? e, como eu já disse, em volume alto.
Já ouvi ?Tô nem aí? mais de 700 vezes durante minha hérnia ? e isso bastaria, na minha opinião, para eu requerer a eutanásia.
Minha prima Mariana, que mora fora do país, voltou aqui em 2001 e, ao ouvir uma das minhas vizinhas gritando algo com um dos quatro animais que ela cria, disparou o comentário:
- É incrível como as vozes lá de baixo nunca mudam...
A hora mais incrível é a do RJ TV, em que absolutamente TODAS as notícias (e isso inclui até coisas desinteressantes) são comentadas pela voz mais cacete de todas. E eu aqui em cima com minha protrusão doendo até os fios de cabelo.
Enfim, com essa temporada de cachorros latindo, portas batendo, vizinhas faladeiras, música insuportável, descobri que feliz mesmo é quem tem vizinhos que fazem zona à noite ? porra, à noite eu tou dormindo, podem bagunçar à vontade. Se eu vou conseguir dormir ou não com a bagunça, tudo bem, isso é outra história. Mas eu sinceramente prefiro estar dormindo enquanto estiverem latindo.

04 outubro, 2003

Janis Joplin



Janis
Hoje, 4 de outubro, completam-se 33 anos desde o dia em que Janis Joplin morreu e foi se espalhar pelo Oceano Pacífico sob a forma de cinzas (a cremação aconteceu três dias depois). A cada vez que ouço interpretações como “Maybe”, “Little Girl Blue” (extraordinária, do CD Kosmik Blues), “Ball and chain” e “I need a man to love”, me convenço de que Janis poderia muito bem ter nascido em outra época ou local, que todo o ambiente da contracultura e do fim dos anos 60 nos EUA acabou subvertendo um pouco o espírito dessa espetacular cantora de voz feia. Aliás, segundo muita gente, não só a voz – Janis era gordinha e feia, encarnava o sentimento de rejeição de milhares de adolescentes e jovens que não se enquadravam nos emergentes estereótipos de beleza, que a publicidade aos poucos começava a propagar. Enfim, a música de Janis era muito maior do que todos aqueles cabeludos vendendo incenso, e não era necessariamente sobre o Vietnã ou coisa parecida.
Janis falava basicamente de duas coisas: amor e rejeição. Talvez mais sobre rejeição. E essa mesma rejeição a levava até a inventar amores, como seu flerte com o cantor/ator/compositor Kris Kristofferson – autor de um hit de Janis, “Me and Bobby McGee”. Segundo Myra Friedman, autora da melhor biografia de Janis (“Enterrada vida”), Janis entrava em depressões profundas por Kristofferson não aparecer para ver seus ensaios. O compositor, porém, além de ter mais o que fazer, ficava meio puto porque sabia que se chegasse atrasado Janis lhe daria esporros injustificados para depois ficar pedindo desculpas feito uma criança.
Janis lamentava muito que Kris gostava dela. Ela queria ser amada. Por isso tanta empatia em “Little Girl Blue”, quando ela solta a voz, quase gemendo, seduzindo as pessoas rejeitadas que a ouvem, “oh, i know what you fell, i know what you fell”.
Ou em “Ball and chain”, do “Cheap Thrills”, quando ela desabafa “i need to know whyyyy...”, uma nota de arrepiar.
É natural que Janis e a contracultura até hoje se confundam, afinal, a cantora se vestia como se vestiam em San Francisco naqueles anos loucos. E se comportava com a permissividade sexual emergente da época, gostando muito de homem mas também curtindo um pouco as mulheres, apesar de não ser uma lésbica convicta. Mas sua real tendência sexual era mesmo a solidão. “Faço amor no palco com dez mil pessoas e depois vou para casa sozinha”, é sua frase mais famosa.
Mas acredito que a memória do que eram os hippies ou o flower power vai se dissipar muito ao longo dos anos, enquanto a voz que vem das cinzas cantando “Little Girl Blue” será sempre um tema atual. A sensação de liberdade presente na letra de “Me and Bobby McGee” (“Nos sentindo mais gastos do que nossos jeans(...)Bobby encontrou um caminhão/que nos levou na direção de Nova Orleans/Tirei minha gaita de dentro da minha suja bandana vermelha/E fui tocando suavemente/Enquanto Bobby cantava os blues (...) cantamos todas as canções que o motorista conhecia”) também será sempre atual, nos dias em que vivemos, dentro da imensa prisão chamada sobrevivência.
É, este fim de semana vou esquecer da hérnia ouvindo minha caixa de CDs “Box of pearls”.