31 janeiro, 2004

Dia de blues
Nesta segunda-feira, à meia-noite, na Rádio Cidade, estaremos lá, eu, Vinícius Sá e Luciano Sampaio (os dois produtores de fato do programa, eu sou só um intruso) em mais um Cidade do Blues. Desta vez, levarei um piratão dos Stones, o Acoustic Motherfuckers, totalmente confeccionado na Galeria do Rock, em São Paulo. Vale a insônia.

Ipanema é só felicidade
Sim, namorar alguém que mora perto daquele calçadão é um privilégio. Até segunda.Vou para lá.

Motherland
Era uma noite violentamente estrelada de janeiro, eu estava à beira de uma piscina azul-lusco-fusco em Penedo, sob a embriaguez emotiva do vinho, aquela embriaguez que ora é Dostoiéviski, ora é Cortázar. Conversava com um amigo hondurenho, esperando por Marcele, que insistia em ficar dentro do quarto da pousada lendo 1984 de George Orwell. A mulher do hondurenho cuidava do filho deles.
Marcele abriu a porta suavemente, vi de longe, e veio caminhando em um silêncio ensurdecedor, quando começaram os primeiros acordes, o bandoneon, a voz melodiosa, tristíssima. Natalie Merchant estava cantando, nada menos que aquela que seguramente está entre as dez músicas mais lindas de todos os tempos: "Motherland" (ver letra abaixo).
A voz parece suplicar carinho, proteção para o horror de saber que a vida é verdadeira (como no Terceiro Fausto de Pessoa que eu lembrava em uma conversa outro dia), a voz de Natalie é como a de alguém que pede que ao se apagar a luz, deite-se ao lado, implorando por favor. Mas com desesperança, não com desespero.
Naquela noite, Penedo tinha algo que pairava.
Era o início de janeiro, um ano louco, das maiores transformações e adaptações que já tive. Um ano ruim, de dor. Mas eu diria que um ano necessário.
Pois em janeiro, no dia 21 de janeiro, entrei em uma loja e comprei "Motherland" de presente para a mulher do meu irmão, que fazia aniversário naquele dia. No dia seguinte, completaram-se 20 anos desde que perdi meu pai. Sei lá, só sei que a vida parece ter tanto cadência quanto continuidade nessas horas - pois foi eu dar "Motherland" que exatamente naquele dia dos 20 anos que o casal confirmou a suspeita de gravidez. E no dia seguinte, uma sexta pré-pescoção, já no dia 23 de janeiro, que recebi a notícia de que teria um sobrinho. Um ano depois daquela cena em Penedo, daquele céu e daquilo que pairava.
Espero que em breve mais "Motherland" siga pairando no ar. Essas coisas me dão um sentido, mesmo que alguém mais cético me diga a expressão "mera coincidência". De qualquer maneira, "Motherland" é um presente ideal para quem vai saber que será mãe. Keep me safe, lullaby me to sleep.

Where in the hell can you go far from the things that you know
Far from the sprawl of concrete that keeps crawling its way about 1,000 miles a day?
Take one last look behind, commit this to memory and mind.
Don't miss this wasteland, this terrible place.
When you leave keep your heart off your sleeve.

Motherland cradle me, close my eyes, lullaby me to sleep.
Keep me safe, lie with me, stay beside me don't go.
Don't you go.
Oh, my five & dime queen tell me what have you seen?
The lust and the avarice, the bottomless, cavernous greed, is that what you see?

Motherland cradle me, close my eyes, lullaby me to sleep.
Keep me safe, lie with me, stay beside me don't go.

It's your happiness I want most of all and for that I'd do anything at all, oh mercy me!
If you want the best of it or the most of all, if there's anything I can do at all.

Now come on shot gun bride what makes me envy your life?
Faceless, nameless, innocent, blameless and free, what's that like to be?

Motherland cradle me, close my eyes, lullaby me to sleep.
Keep me safe, lie with me, stay beside me don't go.
Don't go.




Táxis e pescoções
Tem me faltado mais disposição do que tempo para entrar nesse blog e escrever algo decente. Na verdade, pela manhã estou andando ali pela Praia Vermelha (ou às vezes correndo), e quando chego em casa detono um café da manhã pesado e saio direto pro trabalho. E na volta é que me falta disposição - talvez porque o computador fique no quarto que não tem ar-condicionado.
Hoje, porém, estou de folga, aquela folga pós-plantão - você descansa depois de doze dias. Em função de há pelo menos dez anos eu trabalhar aos sábados e domingos com regularidade, criei até a expressão "sexta-feira falsa", para me referir àquelas sextas em que todos estão no clima do fim-de-semana e você só pensa na frase "puta que pariu, que merda, estou de plantão".
O sábado é um dia que na verdade deveria ser nome de um sentimento. O que se sente às três da tarde de um sábado é inominável. Sentimento igual, talvez só o de um chester ao atravessar incólume os dias 25 de dezembro e 1 de janeiro.
Acordo ainda na lembramça do chope pós-pescoção (para os raros não-jornalistas que lêem isso aqui: pescoção é quando a gente edita o jornal de domingo na noite de sexta-feira), de ter bebido uns sete ou oito chopes no Diagonal Grill, no Leblon, único lugar aberto e decente em que pobres jornalistas possam fazer seu happy hour às quatro da manhã.
Me lembro de ter pego um táxi em frente à casa de Marcele. O táxi tinha insulfilm, e quando sentei no banco de trás (às cinco da manhã só se pega táxi sentando no banco de trás) a primeira coisa que o taxista perguntou foi : "Tu joga bingo, parceiro?".
Claro, são cinco da manhã e você entrou em um táxi no qual o cara pergunta se você joga bingo. A resposta, nesses casos, tem que ser a mais imoral possível, e fazer o taxista se sentir até um molecote perto de você. Se ele perguntar se você bebe cachaça, você tem que responder que sofre do fígado e por isso prefere via intravenosa para as suas drogas. Por isso, respondi pisando forte:
- Não. Prefiro cavalos.
O cara deu uma hesitada. Esperei ele engolir em seco e continuei:
- Os bingos realmente podem ser mais compensadores, mas acredito mais na capacidade que se tem de prever os páreos. Se você pega um páreo com sete ou oito cavalos, é só excluir, por exemplo, produtos de cinco e seis anos que estejam inscritos, e trabalhar com potros de até três anos. Pelo retrospecto, você vê em que turma estava cada um antes daquele páreo, e vê o resultado de cada um. Colocação é menos importante do que tempo. O cavalo pode ter tirado último em 1.300 em uma turma de 76s, mas é melhor do que primeiro em uma turma de 80s, por exemplo. Se você combinar em uma quadrifeta e ainda cercar com inexata e um placêzinho (golpe final: a intimidade) de 20, dá para ir, se divertir e ainda sair com algum no bolso.
Dali em diante o taxista prosseguiu me chamando de "brother". Mal sabia ele que eu não vou ao Jockey há anos. Mas aposto como se eu tivesse dito a ele que eu saí do trabalho às três da manhã, ele ficaria muito mais assustado.

26 janeiro, 2004

Dia de blues
Nesta segunda-feira temos nosso encontro de (quase) sempre, à meia-noite, no Cidade do Blues, lá na Rádio Cidade. Ainda não sei se levo o pirata do Jeff Beck (Out of a book) ou se levo o Luther Allison ao vivo. De qualquer maneira, vai ser som mais pauleira. Só não será se eu levar os Acoustic Motherfuckers (Stones). Até lá.

Submarino amarelo
Quem estava no plantão comigo pode testemunhar: aos dez do segundo tempo eu falei que a Seleção Brasileira iria afundar, e que não iria empatar. Além de ser uma seleção MUITO fraca, mas MUITO fraca mesmo - apesar de todo o deslumbramento já enfadonho da imprensa com as tais pedaladas do Robinho - é preciso reconhecer que em termos de conclusão essa é seguramente a pior Seleção sub-23 de todos os tempos. Máicon, Marcel, Diego, Robinho, Daniel Carvalho (esse então, pensa que sabe chutar), Dudu Cearense (bom, mas amarelou também) são seguramente os sujeitos que mais vi errarem chutes em um só campeonato em toda minha vida. Se somar todo mundo, não dá banco do Dé Aranha.
Vai sobrar para o Ricardo Gomes, claro. Ele até tem culpa, mas de ter escalado o bisonho Paulo Almeida desde o início. Mas sinceramente, culpar o técnico, só se for culpar por ter convocado jogadores tão fracos.
Claro, Diego e Robinho são craques. Mas já amarelaram pro Boca e agora amarelaram para a Argentina e para o Paraguai.
Máicon "Maradona" perdeu um gol feito contra a Argentina que nos custou a classificação. TEM que ser crucificado, sim. Como todos os outros que afundaram. Espero que o passe deles caia vertiginosamente. Bem queria esse Alex do Santos para a reserva do Júnior Baiano.

24 janeiro, 2004

Memória
Provavelmente, apenas no último segundo de sua vida o grandioso Leônidas da Silva se lembrou de que tinha sido o primeiro grande craque da história do Flamengo, o primeiro ídolo da história do São Paulo, o inventor da bicicleta, o craque extraordinário que encantou o mundo nas Copas de 1934 e 1938, enfim, o Diamante Negro, craque extraordinário que virou técnico e comentarista depois de pendurar as chuteiras mas que terminou seus dias em uma clínica de repouso. Sem memória, vitimado pelo Mal de Alzheimer, o mais triste símbolo que a doença poderia gerar - justamente um homem com uma história extraordinária (campeão por Flamengo e Vasco) não tinha a capacidade de se lembrar de seus feitos.
Em 2002, foi-se Didi. No ano passado, em fevereiro, foi-se Zizinho. E agora, perdemos Leônidas. Se houver um paraíso, e eu creio que haja alguma coisa, lá estão Garrincha, Vavá, Didi, Zizinho e Leônidas da Silva.
A partida dos nossos craques leva os jornais e televisões a recordarem, escreverem textos, etc. Mas creio que é preciso mais, é preciso uma memória constante. É preciso que o vascaíno de 20 anos saiba que Ademir de Menezes foi grande, é urgente que o alvinegro reverencie eternamente Nilton Santos, é fundamental que todo e qualquer tricolor saiba quem foi Waldo e como ele se tornou o maior artilheiro da história riquíssima das Laranjeiras.
E é preciso que rubro-negros e brasileiros em geral saibam quem foi Zico, sempre, assim como saibam quem foi Leônidas da Silva, Didi, Garrincha, etc. Escrevo isso porque, nesse momento de comoção pela morte do Diamante Negro, me vem a mente um sujeito, jornalista-assessor da Câmara Municipal de São Paulo, que outro dia, na falta absoluta do que fazer, desatou a escrever barbaridades no site Comunique-se, dentre as quais a de que Zico seria um jogador "7,5" (sic) do mesmo nível que Raí e que Cafu é muito melhor do que foi Leandro.
Do mesmo jeito que Nelson Rodrigues qualificava certas pessoas como "idiotas da objetividade", eu qualificaria tal senhor como "retardado mental da objetividade". Essas pessoas, que adoram se prender a números ou critérios do tipo "se ganhou Copa é melhor do que quem não ganhou", ajudam, pouco a pouco, a tornar o futebol um espetáculo medíocre e de números frios. É o mesmo tipo de mentalidade que faz com que um sujeito chegue duas semanas atrasado no trabalho (o clube) e saia disparando que "tem uma carreira melhor do que Júnior". Bastou ter a Copa, para que os retardados da objetividade se sintam habilitados a proclamar por aí que Luisão é melhor que Platini ou que Mazinho é mais jogador que Leônidas, por exemplo.
Leônidas não ganhou uma Copa do Mundo. Mas sua história está na memória dos nossos avós, dos nossos pais, de todos nós, passado por gerações - e será passada, sempre, às próximas. Amém, Leônidas.

23 janeiro, 2004

Parabéns São Paulo
Todos meus amigos sabem que nesse ponto sou carioca atípico: curto São Paulo, a noite, as boates, os restaurantes, a Avenida Paulista, o bar Opção, a Vila Madalena, a Vila Mariana, o Ipiranga, o Itaim Bibi. É claro, não gosto da periferia de lá (sou mais a daqui) e não simpatizo com os clubes. Não simpatizo também com a mania que algumas exceções paulistanas têm de classificar o Rio como província e não suporto o discurso Maluf-Marta Suplicy, de que em São Paulo eles são competentes e no Rio ninguém trabalha.
Além de tudo, há quem me chame de paulistano, porque supostamente eu teria um sotaque diferente, puxando os S. Não reconheço o sotaque.
Mesmo curtindo muitas coisas de SP, não posso deixar de reconhecer que é engraçada a sacanagem que muita gente começou a receber hoje via email. O remetente é um tal "SP-450". Segue abaixo a zoada.

LEIA ESTE E-MAIL ATÉ O FIM E PASSE ADIANTE.


São Paulo é uma das principais cidades do mundo. Em seu 450º aniversário, é
hora de celebrar, cantando São Paulo assim como outros poetas cantaram as
belezas de outras cidades.

Em homenagem a São Paulo, segue uma pequena coletânea mostrando como cada
povo, por seus poetas, soube homenagear suas principais cidades.



Paris c'est une blonde
Qui plaît à tout le monde
Le nez retroussé, l'air moqueur
Les yeux toujours rieurs
Tous ceux qui la connaissent,
Grisés par ses caresses
S'en vont mais reviennent toujours
Paris à tes amours!

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I wanna wake up in a city that doesn't sleep
And find I'm king of the hill, top of the heap
These little town blues are melting away
I'll make a brand new start of it, in old New York
If I can make it there, I'll make it anywhere
It's up to you, New York, New York

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I left my heart in San Francisco
High on a hill, it calls to me
To be where little cable cars climb halfway to the stars
The morning fog may chill the air, I don't care
My love waits there in San Francisco
Above the blue and windy sea
When I come home to you, San Francisco
Your golden sun will shine for me

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T'invidio turista che arrivi,
t'imbevi de fori e de scavi,
poi tutto d'un colpo te trovi
fontana de Trevi ch'è tutta pe' te!
Ce sta 'na leggenda romana
legata a 'sta vecchia fontana
per cui se ce butti un soldino
costringi er destino a fatte tornà.
E mentre er soldo bacia er fontanone
la tua canzone in fondo è questa qua!
Arrivederci, Roma...
Good bye...au revoir...

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Ogge sto' tanto allero
ca quase quase me mettesse a chiagnere
pe' sta felicità.
Ma è overo o nun è overo
ca so' turnato a Napule?
Ma è overo ca sto ccà?
O treno steva ancora int' 'a stazione
quanno aggio 'ntiso 'e primme manduline.

Chist'è 'o paese d' 'o sole,
chist'è 'o paese d' 'o mare,
chist'è 'o paese addo' tutt' 'e parole,
so' doce o so' amare,
so' sempe parole d'ammore...

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Mi Buenos Aires querido
Cuando yo te vuelva a ver
No habrá más pena ni olvido
El farolito de la calle en que nací
Fue centinela de mis promesas de amor
Bajo su quieta lucecita yo la vi
A mi pebeta luminosa como un sol
Hoy que la suerte quiere que te vuelva a ver
Ciudad porteña de mi único querer
Oigo la queja de un bandoneón
Dentro mi pecho pide rienda el corazón

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Da, wo die blaue Isar fließt,
Wo man wit "Grüß Gott" dicht grüßt,
liegt meine schöne Münchner Stadt,
die ihresgleichen nicht hat.

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This is my kind of town,
Chicago is my kind of town,
Chicago is my kind of people, too
People who smile at you
And each time I roam,
Chicago is calling me home,
Chicago is why I just grin like a clown
It's my kind of town

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Vento do mar e o meu rosto no sol a queimar, queimar
Calçada cheia de gente a passar e a me ver passar
Rio de Janeiro, gosto de você
Gosto de quem gosta
Deste céu, deste mar, desta gente feliz


Minha alma canta
Vejo o Rio de Janeiro
Estou morrendo de saudades
Rio, seu mar
Praia sem fim
Rio, você foi feito pra mim
Cristo Redentor
Braços abertos sobre a Guanabara
Este samba é só porque
Rio, eu gosto de você


Berço do samba e das lindas canções
Que vivem n'alma da gente
És o altar dos nossos corações
Que cantam alegremente

Cidade Maravilhosa
Cheia de encantos mil
Cidade Maravilhosa
Coração do meu Brasil

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Alguma coisa acontece no meu coração
que só quando cruzo a Ipiranga e a Avenida São João.
É que quando eu cheguei por aqui
eu nada entendi
da DURA poesia concreta das tuas esquinas,
da DESELEGÂNCIA discreta das tuas meninas.
[...]
Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto.
Chamei de MAU GOSTO o que vi, de MAU GOSTO, MAU GOSTO!
[...]
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende depressa a chamar-te REALIDADE,
porque és O AVESSO, DO AVESSO, DO AVESSO, DO AVESSO.

Do POVO OPRIMIDO nas FILAS, nas vilas, FAVELAS,
da força da grana que ergue e DESTRÓI COISAS BELAS.
Da FEIA FUMAÇA que sobe, APAGANDO AS ESTRELAS
[...]


Datas
Preciso comprar mais 60mb de memória pro meu cérebro, pois as datas vão aumentando. Hoje, preciso decorar quatro datas fundamentais:
1- 29 de julho (namoro)
2- Todo e qualquer dia 29
3- 15 de março (aniversário dela)
4- 26 de julho (noivado)
E em breve, a partir de 2005, mais uma data se soma: dia 30 de julho. Mais detalhes em edição extraordinária, a qualquer momento ainda este ano.

O Rio
Há anos que os governos estadual e federal tentam, sucessivamente, destruir o Rio de Janeiro (sinceramente, depois do aumento de ICMS no início de 2003, não há mais dúvidas disso). Mas há alguns momentos em que a gente acha que vai demorar muito, momentos em que a gente diz "puta que pariu, essa cidade é foda". Relaciono alguns momentos PQPECEF.
1) No final de uma tarde de sábado, você andando de bicicleta pela Lagoa Rodrigo de Freitas, ali na altura do Corte.
2) Voltando à noite do Centro, de táxi, via aterro, você entra na parte da praia de Botafogo, vê o relógio digital, os prédios, o Mourisco, a praia, o Pão de Açúcar.
3) Saindo da Francisco Otaviano, vindo de Ipanema, de táxi, dobrando à esquerda e dando de cara com Copacabana inteira, Pão de Açúcar ao fundo, a maresia forte, dando um ar espectral ao mar que descansa da gente. Isso acontece quando venho à noite da casa de Marcele.
4) Pela manhã, bem cedo, indo para a Pista da Cláudio Coutinho, o sol tentando se impor às árvores da Praia Vermelha, o céu meio prateado, meio rubro, e uma sensação de que tudo está resolvido.
5) Novamente de bicicleta, você vai até o finalzinho do Leme, sobe a rampa e dá um tempo de uns cinco minutos ali no Caminho dos Pescadores.
6) À noite na Ataulfo de Paiva, saindo de um café revitalizador ali na Letras & Expressões, depois que você já exagerou nos chopes do Jobi. Independentemente da hora, pode ser três da manhã, tem gente na rua, movimento, e também uma leve maresia. Marcele me pediu ontem para ir andar e ver o mar, eu neguei (extremo cansaço), mas agora me arrependo um pouco.
7) Saindo no meio do trabalho, descendo ali na Rua Gonçalves Dias e pedindo um café grande e um misto com pão de leite na Colombo.
8) Bebendo uns 18 chopes pequenos, com colarinho, no Picote, ali na Marquês de Abrantes, vendo a gente de bem passando para lá e para cá, sussurrando sobre seu alcoolismo.
9) Caminhando no calçadão de Ipanema, vendo o mar, os bonés do América à venda por cinco reais, parando para falar com algum conhecido que sai da praia, suando, para depois dar um mergulho e comer um biscoito Globo. Se possível, ir à Chaika depois.
10) Saindo do casamento de um casal de amigos com a namorada mais nova, entrar bêbado no Lamas e, com a sensação de ser um pai de 60 anos cuidando da filhinha de 14, pedir um uísque duplo para você e um sorvete de chocolate para sua namorada.

Esse Rio aí, deve-se reconhecer, não pode ser imitado por cidade nenhuma no mundo, por mais que a gente veja tragédias inaceitáveis acontecendo.

19 janeiro, 2004

Hoje tem
Ligue hoje na Rádio Cidade, 102.9, se você estiver ao lado de um rádio à meia-noite. Hoje levo ao Cidade do Blues três músicas comoventes do ídolo Richie Havens. Biscoito fino, garanto - entre elas, versão espetacular voz/violão de "All along the watchtower".

11 janeiro, 2004

A multi-segmentação
Acho que o hífen acima está errado, mas ainda acredito na segmentação extrema como salvação para o Lazer no Rio de Janeiro. Sim, considero a Moda uma espécie de inimiga número 1 do prazer, do bom senso, do conforto. Por um simples motivo: não há estrutura com capacidade de se tornar moda no Rio de Janeiro hoje. Pense em sair na sexta ou no sábado, faça uma lista de cinco ou seis opções, e veja quantas você descarta com o argumento de que "ah, tá muito cheio".
Shenaninghan's? Impossível. Hard rock? Intragável. Casa da Matriz? Um forno. Bar Belmonte? Não se sentam mais de dois em uma mesa.
Todos são lugares que já foram moda ou são, muito por terem aparecido na imprensa. Só que a mesma imprensa se esquece de que no Rio o único lugar com capacidade de abrigar um modismo com conforto é o Maracanã. De resto, se os lugares não forem segmentando seus públicos ao extremo, não haverá paz nem conforto para um sujeito curtir sua noite.
É, é isso o que vocês estão pensando, ir ao cinema sábado à noite no Rio é realmente um sufoco. Daí esse meu protesto um tanto amargo. Mas, que catzo, todo mundo tem que ver Adeus Lênin no mesmo dia que eu?

Sobre Lênin e McCartney
Me reuni com o dono da birosca e com o Caldo e depois de tomarmos um balde de café (isso mesmo, veja como as coisas mudaram, de cachaça a café) nos dirigimos ao Estação Botafogo para ver o tal Adeus Lênin, de que tanto falam. O primeiro fenômeno interessante que antevi e que aconteceu às pencas durante a sessão foi a "risada intelectual".
Explica-se: durante a faculdade, volta e meia algum professor passava filmes europeus sem dublagem ou legendas. Só de sacanagem, eu ficava tentando manter o interesse, mas de vez em quando soltava uma risada só para neguinho ficar puto achando que só eu estava entendendo - mas na verdade não entendia porra nenhuma.
Em um filme alemão como Adeus Lênin, em que a principal temática parece ser a queda do socialismo, é lícito esperar que risadas pipoquem aqui e ali com aquela cumplicidade do "ah, sei bem o que é isso".
Não sei o que se passa direito em minha cabeça, mas na minha opinião, o tal problema da Alemanha se reunificando e a queda do socialismo são no máximo um pano de fundo do filme. Na minha opinião o filme Adeus Lênin tem o mérito de falar sobre Mentira, Família e Amor Maternal de uma forma alucinante.
Para início de conversa, me lembrou Cortázar - em um conto de "Todos os fogos o fogo", Cortázar narra o caso de uma senhora cujo filho vai para a guerra e morre, e os parentes passam a forjar cartas para ela não saber da verdade.
Tudo para "preservar" uma senhora de idade, tudo para esconder. Do mesmo jeito que fazemos quando fumamos escondido ou quando usamos, vá lá, alguma droga ilícita (nem todos chegam a esse ponto, claro).
Alexander tem uma ligação de culpa com a mãe muito forte. Se sente culpado por ter muita saudade do pai que abandonou a mãe. A irmã odeia o pai que se foi. No final do filme, me lembrou de McCartney, "She's leaving home", a menina dando as costas ao pai no hospital onde a mãe pode estar vivendo seus últimos momentos.
É comovente quando Alexander confessa que criou para a mãe socialista um mundo tal e qual ele próprio queria que fosse. Mas ele sabia que o mundo não era real. Adeus Lênin é um filme sobre o auto-engano, sobre o quanto conseguimos acreditar em nossas próprias mentiras, principalmente as afetivas. É um filme sobre transgressão, sobre a dificuldade de mudança.
Se entrarmos no cinema preocupados apenas com a queda do muro em 1989, podemos ter um filme chato. Se pensarmos em um filme sobre a ruptura da família, sobre a reformulação desse conceito, levando, quem sabe, David Cooper às últimas conseqüencias, aí sim Adeus Lênin pode ser um filmaço.

06 janeiro, 2004

Uma no cravo, outra na ferradura
Ouço de relance na CBN, o país, creio, é a Nigéria: o cara engravidou a menina de 15 anos, e esta terá como castigo nada menos que 100 chibatadas. Grávida. O cara será apedrejado até a morte. Tudo porque os dois "fizeram sexo antes do casamento". Agora, o que é bizarro na notícia, mesmo com sentenças como chibatadas e apedrejamento fatal: "Os dois ainda podem recorrer da decisão".
Dá para imaginar um advogado entrando no Fórum tranquilamente, "Ah, vou entrar aí com um recurso para ver se meu cliente não é apedrejado até a morte".