11 janeiro, 2004

Sobre Lênin e McCartney
Me reuni com o dono da birosca e com o Caldo e depois de tomarmos um balde de café (isso mesmo, veja como as coisas mudaram, de cachaça a café) nos dirigimos ao Estação Botafogo para ver o tal Adeus Lênin, de que tanto falam. O primeiro fenômeno interessante que antevi e que aconteceu às pencas durante a sessão foi a "risada intelectual".
Explica-se: durante a faculdade, volta e meia algum professor passava filmes europeus sem dublagem ou legendas. Só de sacanagem, eu ficava tentando manter o interesse, mas de vez em quando soltava uma risada só para neguinho ficar puto achando que só eu estava entendendo - mas na verdade não entendia porra nenhuma.
Em um filme alemão como Adeus Lênin, em que a principal temática parece ser a queda do socialismo, é lícito esperar que risadas pipoquem aqui e ali com aquela cumplicidade do "ah, sei bem o que é isso".
Não sei o que se passa direito em minha cabeça, mas na minha opinião, o tal problema da Alemanha se reunificando e a queda do socialismo são no máximo um pano de fundo do filme. Na minha opinião o filme Adeus Lênin tem o mérito de falar sobre Mentira, Família e Amor Maternal de uma forma alucinante.
Para início de conversa, me lembrou Cortázar - em um conto de "Todos os fogos o fogo", Cortázar narra o caso de uma senhora cujo filho vai para a guerra e morre, e os parentes passam a forjar cartas para ela não saber da verdade.
Tudo para "preservar" uma senhora de idade, tudo para esconder. Do mesmo jeito que fazemos quando fumamos escondido ou quando usamos, vá lá, alguma droga ilícita (nem todos chegam a esse ponto, claro).
Alexander tem uma ligação de culpa com a mãe muito forte. Se sente culpado por ter muita saudade do pai que abandonou a mãe. A irmã odeia o pai que se foi. No final do filme, me lembrou de McCartney, "She's leaving home", a menina dando as costas ao pai no hospital onde a mãe pode estar vivendo seus últimos momentos.
É comovente quando Alexander confessa que criou para a mãe socialista um mundo tal e qual ele próprio queria que fosse. Mas ele sabia que o mundo não era real. Adeus Lênin é um filme sobre o auto-engano, sobre o quanto conseguimos acreditar em nossas próprias mentiras, principalmente as afetivas. É um filme sobre transgressão, sobre a dificuldade de mudança.
Se entrarmos no cinema preocupados apenas com a queda do muro em 1989, podemos ter um filme chato. Se pensarmos em um filme sobre a ruptura da família, sobre a reformulação desse conceito, levando, quem sabe, David Cooper às últimas conseqüencias, aí sim Adeus Lênin pode ser um filmaço.