25 dezembro, 2003

Bimbalham os sinos
Jamais escreveria uma mensagem de intolerância exatamente no dia de Natal, para mim, sempre uma data a ser respeitada. Mas não dá para deixar de registrar o fato de que tudo o que envolve multidões se torna um verdadeiro suplício – seja Rock In Rio, Natal, festas moderninhas, restaurantes, Maracanã, etc. No caso do Natal, a culpa é unica e exclusivamente do crescimento populacional absurdo.
Mesmo eu com 35 anos posso afirmar com tranqüilidade: vivi tempos em que o Natal significava comprar presentes no mesmo dia em que eu os abria. Saía com minha mãe, escolhia lá algo entre a Batalha Naval da Glasslite ou o Front da Estrela (Deus do céu, como éramos bélicos), voltava para casa na maior calma (não posso escrever tranquilidade porque esse teclado – descobri hoje – efetivamente não tem trema) e apenas me dava ao trabalho de me emputecer por ter que esperar, sonolento, até meia-noite para abrir e brincar com o presente que eu tinha acabado de escolher.
Hoje em dia, sair no dia 24 para comprar presentes exige uma preparação semelhante àquela em que o governado Arnold Schwarzenegger faz em “Comando para matar”, quando arromba uma loja de armamentos pesados antes de ir para a ilha resgatar sua filhinha.
Alguém viu a foto na primeira página de O Dia, com a legenda "2h da madrugada em Botafogo"? Dava medo. Centenas se acotovelando na Casa & Vídeo. E prefiro acreditar que eram 2h do dia 24, e não do dia 25 - não poderia acreditar que alguém passou a noite de Natal na Casa & Vídeo.
***
Faltavam presentes apenas para minha namorada e para minha mãe. Como no Rio Sul eu já não tinha encontrado o presente que eu queria dar a Marcele (a primeira temporada de Friends, ela adora), resolvi tentar as Lojas Americanas – mesmo sabendo do risco que eu corria ao decidir ir lá sem ao menos um taco de beisebol para me defender.
Neste ponto, minha mãe completa o meu dia e me pede que eu compre nada menos que quatro presentes: para a sogra do meu irmão, para o sogro, para a mãe da sogra (como se chama mãe da sogra?) e para a empregada da sogra do meu irmão. E que sorte que a empregada não tem empregada.
A esta altura meu humor estava tão ruim que faria o Roberto Jefferson parecer o Chris Farley. Puto nas calças, me dirigi à batalha campal. O primeiro alvo: a seção de CDs das Lojas Americanas, onde a fila para pagar dava voltas, passando pela seção Axé/Pagode e enveredando pela prateleira de DVDs. Procurei o box Friends prometido no panfleto que circulava dentro da loja, até notar que eles ficavam dentro de um armário com porta de vidro, trancado a chave e atrás do balcão de pagamento. Aguardei uns dez minutos até que alguém se dignasse a perguntar o que eu queria – afinal, era uma fila de umas 30 pessoas com apenas duas caixas atendendo. E eu queria saber se o box que eu estava vendo era efetivamente o da primeira temporada.
Até que uma das caixas veio até a prateleira, abriu, tirou um pacote de alguma coisa e já ia trancar. Eu interrompi:
- Espera, não tranca ainda, você pode....(eu ia pedir para ela ver se era a primeira temporada)
- Não posso deixar destrancada não, o senhor espere um minuto.
Detalhe: a porta que ela não poderia deixar destrancada só poderia ser alvo de roubo se alguém pulasse o balcão depois de esfaquear o gigantesco orangotango de terno que falava palavras ameaçadoras em um rádio, do tipo “ela está de camisa verde, bolsa preta, olho nela”(ah, as Lojas Americanas sabem mesmo como fazer seus clientes se sentirem bem).
Meu raciocínio foi rápido: pelo jeito, ela queria que eu entrasse em uma fila de 30 pessoas apenas para tirar uma dúvida em relação a um produto.
Saí de lá mais transtornado ainda, e fui me encontrar com Marcele, que estava de excelente humor – geralmente é assim, nossas crises de mau humor não acontecem ao mesmo tempo, isso é ótimo.
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Partimos para a Siciliano - que estava absolutamente abarrotada de gente. A cada dois metros de observação, um vendedor colocava um bilhete em nossa mão com o número dele. Minha cunhada, Gabriele, apareceu lá e também se confundiu com esse sistema. Comprei a caixa do Indiana Jones para minha namorada, na frente dela, e parti para a segunda parte da missão, que era comprar nada menos que cinco presentes. No dia 24.
A diferença está na quantidade: antes, no meu tempo de criança, o Natal era uma festa boa em que estava todo mundo na mesma sintonia – festas assim são possíveis, quando você controla o número de convidados e sabe o espaço que tem.
O Natal, porém, não permite a mesma sintonia porque simplesmente a humanidade inteira vai nas mesmas lojas. E metade da humanidade vai na Casa & Vídeo, onde fui comprar para minha mãe uma TV miniatura para cozinha.
Uma senhora negra, gorda, imensa, quase me derrubou do meu lugar na enorme fila. Outra senhora, com um filho excepcional, me deu uma porrada no joelho com algo que parecia uma embalagem de panela de pressão. Celulares tocavam sem parar, todos com campainhas escrotas. O calor passava do nível “infernal” e atingia o ponto “sol derretendo”. Porra, eu só queria comprar uma merda de uma televisão cinco polegadas, e passava por provações como se eu quisesse me tornar gladiador na Roma antiga.
Para fechar com chave de merda, na hora em que saí da Casa & Video chovia em baldes. Muito. Quase aquela chuva de Macondo. Com uns 20 quilos de presentes detonando minha hérnia, me arrastei como um verme até o ponto de ônibus (não tinha tirado dinheiro da merda do banco), onde esperei por uns 30 minutos pelo meu.
Lá pelo minuto 19, quando eu já cogitava a possibilidade de me deitar na sarjeta pela primeira vez sem álcool, uma senhora com um filho de sete anos se virou e mandou a ponta afiada de seu guarda-chuva na minha testa. Me lembro de ela ter balbuciado um “desculpe, moço”, mas eu estava perplexo demais para responder ou me lembrar.
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O mais louco de tudo é que no final de tudo tive um Natal feliz, tranquilo, com muita paz. Espero que o de vocês todos tenha sido também. E para melhorar tudo, no ano que vem, combinemos desde já: compremos presentes pela Internet.
Feliz Natal e um grande 2004 para todos.