23 dezembro, 2003

Superstições de fim de ano

Certamente não sou eu quem vai falar mal de quem tem o hábito de dar três pancadinhas na madeira – além de eu sempre fazer isso, passei quatro meses acendendo velas e em alguns momentos até orando, algo que representa uma mudança radical na vida de um agnóstico como eu.
E não deixo de agradecer à Santíssima Trindade pelo fato de eu ter sobrevivido a 2003, que foi um ano brabeira. E que terminou com o barco da minha vida mudando o curso em 180 graus (já vi muita gente escrever 360, é engraçadíssimo).
Mas tenho algumas restrições à certos hábitos aos quais são atribuídos os tais “bons fluidos” ou o efeito melhor de algum gesto. No fim de ano, tudo gira em torno de superstição. E é exatamente o misticismo que leva milhões de pessoas à orla, causando aquele caos só para ver uns fogos (ainda bem que vou virar o ano na redação, tranquilo, na Avenida Rio Branco, sem esse atropelo chato).
Alguém, aguenta (caceta, onde estão os tremas deste teclado?), por exemplo, gente que sequer vai a uma missa ou nem ao menos evita passar debaixo de escada e que, no final do ano, inventa que “tem que entrar de branco”? Ou figuraças que pulam sete ondas? À luz do bom senso, pular sete ondas é uma “janela” para a sociedade tribal (segundo o fotógrafo-antropólogo Dudo Hardy, nossa sociedade ocidental apresenta diversas dessas “janelas”).
Eu tenho lá as minhas tradições, que não são baseadas nesses atos inventados por algum sacana (escrever em sola de sapato de mulher, sei lá de onde vem isso). Por exemplo, gosto de ver o sol nascer, para ter a impressão de que o reveillon foi completo. Tudo bem que geralmente nesse horário eu costumo estar em um estado no qual é muito difícil saber para que lado está o sol.
Sempre tive, por exemplo, a superstição de que fim de ano TEM que ser no Rio de Janeiro. Apesar de ser uma cidade pisoteada por Moreiras, Brizolas, Alencares, Rosinhas, Garotinhos, ainda resiste e continua a ser a cidade mais linda do Brasil- e essa beleza se acentua no fim do ano.
Quando eu era solteiro, se eu “ficasse” com uma mulher no reveillon, eu teria dificuldades em emplacar qualquer outra mulher ao longo dos 365 dias seguintes. E tenho maior simpatia pelos anos pares: 1998 (ano fantástico da vida de solteiro), 2000 (ganhei um emprego sensacional) e 2002 (ganhei a mulher da minha vida em 29 de julho) foram anos muito melhores que 1997 (Vasco campeão brasileiro), 1999 (emprego ruim, com demissão no fim do ano, graças a Deus), 2001 (perdi um emprego sensacional porque o jornal fechou) e 2003 (tive hérnia de disco).
Este último ano, porém, na minha vida ficará marcado como o ano da “sacudida” – o ano em que o corpo veio cobrar as loucuras que eu fazia com ele. Aconteceu uma reestruturação a ponto de eu emagrecer até no rosto, cortei tudo que era maléfico (vocês não sabem o que me custa todos os dias comer alface e achar bom, mas tem valido a pena) ao organismo, aprendi com a dor, investi em mudanças intelectuais, e finalmente troquei de emprego, recuperando completamente a auto-estima profissional (que nos últimos dois anos vinha sendo minada pouco a pouco).
Eu tenho uma superstição sim, a de que anos pares são melhores. E tinha uma outra: a de que se eu virasse o ano sem estar numa festa, o ano seria ruim. Essa superstição caiu. Sei que 2004 será um ano ótimo – e desejo isso para todos vocês que acompanham o meu mau humor nesse pedaço.
Um Natal fantástico e um 2004 em delírio para todos.