Memória
Provavelmente, apenas no último segundo de sua vida o grandioso Leônidas da Silva se lembrou de que tinha sido o primeiro grande craque da história do Flamengo, o primeiro ídolo da história do São Paulo, o inventor da bicicleta, o craque extraordinário que encantou o mundo nas Copas de 1934 e 1938, enfim, o Diamante Negro, craque extraordinário que virou técnico e comentarista depois de pendurar as chuteiras mas que terminou seus dias em uma clínica de repouso. Sem memória, vitimado pelo Mal de Alzheimer, o mais triste símbolo que a doença poderia gerar - justamente um homem com uma história extraordinária (campeão por Flamengo e Vasco) não tinha a capacidade de se lembrar de seus feitos.
Em 2002, foi-se Didi. No ano passado, em fevereiro, foi-se Zizinho. E agora, perdemos Leônidas. Se houver um paraíso, e eu creio que haja alguma coisa, lá estão Garrincha, Vavá, Didi, Zizinho e Leônidas da Silva.
A partida dos nossos craques leva os jornais e televisões a recordarem, escreverem textos, etc. Mas creio que é preciso mais, é preciso uma memória constante. É preciso que o vascaíno de 20 anos saiba que Ademir de Menezes foi grande, é urgente que o alvinegro reverencie eternamente Nilton Santos, é fundamental que todo e qualquer tricolor saiba quem foi Waldo e como ele se tornou o maior artilheiro da história riquíssima das Laranjeiras.
E é preciso que rubro-negros e brasileiros em geral saibam quem foi Zico, sempre, assim como saibam quem foi Leônidas da Silva, Didi, Garrincha, etc. Escrevo isso porque, nesse momento de comoção pela morte do Diamante Negro, me vem a mente um sujeito, jornalista-assessor da Câmara Municipal de São Paulo, que outro dia, na falta absoluta do que fazer, desatou a escrever barbaridades no site Comunique-se, dentre as quais a de que Zico seria um jogador "7,5" (sic) do mesmo nível que Raí e que Cafu é muito melhor do que foi Leandro.
Do mesmo jeito que Nelson Rodrigues qualificava certas pessoas como "idiotas da objetividade", eu qualificaria tal senhor como "retardado mental da objetividade". Essas pessoas, que adoram se prender a números ou critérios do tipo "se ganhou Copa é melhor do que quem não ganhou", ajudam, pouco a pouco, a tornar o futebol um espetáculo medíocre e de números frios. É o mesmo tipo de mentalidade que faz com que um sujeito chegue duas semanas atrasado no trabalho (o clube) e saia disparando que "tem uma carreira melhor do que Júnior". Bastou ter a Copa, para que os retardados da objetividade se sintam habilitados a proclamar por aí que Luisão é melhor que Platini ou que Mazinho é mais jogador que Leônidas, por exemplo.
Leônidas não ganhou uma Copa do Mundo. Mas sua história está na memória dos nossos avós, dos nossos pais, de todos nós, passado por gerações - e será passada, sempre, às próximas. Amém, Leônidas.
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