04 junho, 2006

Ressaca

Não estou falando do dia seguinte mais comum da vida do macho civilizado ocidental, e sim desta ocorrência que me faz ter consciência plena do mar, de seus alcances e limitações. Creiam-me, companheiros: a ressaca de madrugada nos fala coisas erradamente esquecíveis, tal e qual um sábio ouvido durante um porre de gin tônica. É o momento em que o mar realmente se expressa, ameaçando muros, se levantando de forma mais indecente tal e qual uma bailarina mostrando o seio em hora imprópria, gritando quando se pede mais seu silêncio, que é na tarde/noite de inverno.
Nascido branco azêdo, daqueles que se o sol não bronzeia, deixa vermelho - e mesmo o bronzeado não perdura adequadamente - sempre vi o mar como um fenômeno estranho, muito mais que peça integrante do ecossistema (no papel de pulmão do mundo), mas como uma casa que abrigasse fantasmas com mais naturalidade do que mansões de portas sem óleo lubrificante. É no mar que ficam muitos de nossos fantasmas sem nome. E é na ressaca que eles se unem para nos dar sustos eventuais.
A mim, dão prazer. Ver a Praia da Urca lisa de água passada, ver as ondas quebrarem ao longe no Aterro, ver a água subindo sem censura a muralha da Rua João Luiz Alves, me toca a alma tal e qual uma ressaca daquelas em que nos envergonhamos da solidão. É como ouvir "These arms of mine" do Otis Redding sem aviso anterior. Dói, mas a gente entende que é a tal da natureza. Viva a ressaca.