23 fevereiro, 2006

I can´t get no (Sair deste túnel) – Parte 4


E eis que os anos se passam e o prefeito do Rio me inventa de colocar esses caras de graça, para atrair multidão. E eu querendo pagar 100, 200 reais para ver os Stones, só que em condições normais, ou seja, em um estádio ou passarela do samba ao lado de 70 mil ensandecidos e drogados. Não queria ver um show dos Rolling Stones em meio ao Armagedon, por mais que eles me lembrem esse tipo de coisa. A sorte é que fui salvo por uma pessoa abençoada, que eu sequer conheço pessoalmente – só pelo telefone.
- Oi, tudo bem? Estou fazendo assessoria XXYY, e estou escolhendo quem vai na área Vip dos Stones? Você quer ir?
- (...)
- Quer?
- Claro, claro (sem acreditar)
Explicação para tal fato? Não tem. Cogito a seguinte: a menina é assessora de imprensa, eu sou repórter do Jornal do Brasil. Até aí morreu Neves. Um dia, ligou para a redação e eu atendi com educação – disso me lembro bem. Ouvi a pauta, e se vacilar até mandei alguém fazer. Ou se não, mandei alguém fazer uma outra à frente. Pronto – belo dia desses, a mesma menina (que é casada, esclareçamos logo) me ligou com oferta de emprego, vinda de uma amiga diretora de conteúdo de site famoso da Internet.
A área Vip foi a salvação, pois foi a única maneira com a qual eu poderia ver o show dos Rolling Stones. Agora, que é sem dúvida uma das experiências mais estranhas e bizarras que já tive (e, claro, uma das melhores), não posso negar. Saber que eu era 4 mil e que lá fora havia 1,2 milhão de visigodos querendo estar onde eu estava, bem, isso me proporciona um conforto incômodo.
Mas não dá para pensar muito nisso quando se entra em uma gigantesca área coberta com centenas de comidas “na faixa”, cerveja de graça, eunucos distribuindo bombons e biscoitos Globo, mucamas seminuas distribuindo barrinhas de cereais, e até mesmo um caldeirão de cachorro-quente.
E André “The Axé” Machado, o cara que significa rock and roll, circulando por lá com outros grandes amigos. Enfim, uma noite perfeita.
Destoou o fato de você ter de ver um dos maiores shows de sua vida ao lado de Álvaro Garnero, Caroline Bittencourt, Dado Dolabella, Paulo Vilhena, Tiago Lacerda, enfim, um monte de gente que não tem absolutamente nada a ver com o espírito encarnado pelos Stones. Se é que aqueles quatro psicopatas ingleses têm algum espírito ainda. Ou carne.

O mundo da área Vip Claro Motorola, no entanto, era de abóbora – tinha hora para acabar, e seria por volta de meia-noite. Findo o memorável show, espera-se mais uma hora para tentar sair mais rápido – por mais paradoxal que isso seja – e a cerveja acaba, os salgadinhos somem, tudo se esvai. Vamos embora? Vamos, todos. E a área Vip fica para trás revelando a realidade do que acontecia no lado de fora, onde estavam os 1,2 milhão de visigodos.
- Por favor, gente. Vamos tirar o crachá e a camiseta e guardar, para evitar qualquer problema lá fora – recomendava um segurança na saída. Barra pesada.
Achei exagero, mas na hora em que saí por uma grade percebi o que acontecia: centenas de pessoas se acotovelavam para.....ver pessoas famosas. E obviamente vaiar os anônimos, como eu. Nem sei se rolaram vaias – saímos rápido e adentramos a Copacabana pós-apocalipse. A atmosfera era de pós-bomba atômica.
Por todos os lados, absolutamente todos, havia camelôs, vendedores de cerveja, churrasqueiras. Polícia para todo lado, deve-se admitir. Mas muitos, muitos camelôs – a própria PM calcula em 10 mil ambulantes que a prefeitura prometeu reprimir. Tudo bem, devem ter dado só um toquezinho.
O chão da pista sentido Arpoador da Atlântida estava alagado por uma lama preta, mistura de urina, fezes, cerveja, lixo e outros dejetos humanos. O fedor era de carceragem da Polinter. Galeras de funkeiros passavam urrando, dezenas de pessoas tentavam empurrar produtos com a língua dos Stones por dois reais – como se houvesse alguma possibilidade de eu abrir minha carteira ali naquele cenário pós-apocalíptico sem ao menos uma alabarda para me proteger.
Na Avenida Princesa Isabel, mais ambulantes e dezenas de ônibus parados, alguns com uma quantidade de pessoas que, racionalmente, lotariam três ônibus. Mas apertando, davam em um só. A correria injustificada, que já faz parte do dia a dia do carioca, acontecia de dois em dois minutos. Na entrada do Túnel Novo, completamente tomado por ônibus parados, havia um engarrafamento humano, de pessoas tomando coragem para entrar nele e seguir até Botafogo. Entramos no túnel, mas na contramão, no buraco de sentido Copa. Não adiantou muito – havia mais ou menos 35 ônibus parados e soltando fumaça.
Os olhos de todos ardiam. Meus pulmões pareciam ter engolido um milk-shake de giletes. O gosto na boca era de furadeira velha. Em volta, outros incautos berravam para tentar passar o tempo mais rápido – consumindo, claro, o pouco de oxigênio que restava naquele vácuo.
Em dado momento, como se tivesse perdido a paciência mas ao mesmo tempo acometido de um surto de alegria, um fanático subiu no corrimão do túnel e berrou, a plenos (?) pulmões:
- I CAN´T GET NO!!!!!
Pensei na hora – nem sair dessa merda desse túnel eu consigo, quanto mais satisfação.