11 novembro, 2005

(Don't take me to) Long River - God save Downtown


A partir desta segunda-feira, volto à estaca anterior - não digo à zero, mas ao estágio semelhante àquele em que eu trabalhava em um certo diário de esportes na Cidade Nova. Naquela época, de 2001 a 2003, eu enjoei de pegar metrô e trabalhava em um lugar sem opções de almoço, de lanche e de compras em geral (aquelas coisas que você de repente descobre um dia na vida que tem que comprar, tipo assim uma vela de filtro).
Pois nesta segunda-feira eu começo a trabalhar em um lugar ainda mais fora de mão que a Cidade Nova: a Rua Paulo de Frontin, no Rio Comprido. Ali, bem em frente ao Complexo do Turano, sob a trilha sonora das mais modernas armas de uso exclusivo do tráfico.
Este tipo de mudança obviamente leva qualquer um a fazer uma reflexão sobre o Centro do Rio (onde trabalhei por dois anos, aliás, o único emprego que tive aqui no Centro) e do quanto sua preservação é importante - as lojas mais tradicionais (tipo a Khalil M.Gebara, que fechou), as pequenas lanchonetes como a Leiteria Brasil, e mesmo as megaconfeitarias careiras como a Colombo têm uma importância ainda maior do que a simples facilidade de tê-las ao alcance: ali é o lugar em que nosso avô passou.
E, graças ao Centro do Rio, temos o privilégio de saber este lugar com exatidão, o privilégio único de saber dos passos de nossos antepassados. O Rio de Janeiro, como cidade de 440 anos, tem esta vantagem - nossos avós dizem para a gente que ferramenta se compra no Palácio das Ferramentas, na Rua Buenos Aires, e a gente vai lá e compra a ferramenta. Nossas mães falam que se compra fantasia na Casa Turuna, ali na Avenida Passos, e lá vamos nós atrás de máscaras insanas de pierrô.
É um exercício alucinante, que o tal progresso infelizmente vai desfazendo - não imagino que meu neto vá comer em uma das (depois que ele nascer) 900 mil filiais do McDonald´s com a sensação de que um dia, trabalhando na sexta-feira à noite no Jornal do Brasil, eu tive que descer e pedir um royale with cheese para viagem. Será apenas mais uma filial - e é essa a grande contradição do crescimento ordenado, como é o caso destas filiais todas.
Ali na Khalil M. Gebara da Rua do Ouvidor, um dia meu avô comprou alguma coisa, e repetiu, diante dos meus olhos de oito anos - "Ninguém, ninguém segura o Khalil", repetindo o gesto do comercial. Hoje, ali na loja onde deveria estar o insegurável Khalil, hoje repousa mais uma filial da Marisa, loja de roupas femininas dirigida a sabe-se lá que faixa de consumo.
Poucos meses antes de morrer, meu avô ajudou com sua poupança a comprar uma guitarra para mim - ali na Guitarra de Prata, na Rua da Carioca. Sei que meus vizinhos e vizinhas não ficariam comovidos com esta lembrança um tanto singela, mas para mim é uma forma de completar o triângulo eu-meu avô-O Centro do Rio.
Isso sem contar minha mãe, quando trabalhava, ali no Palácio Gustavo Capanema, eu subindo pelo elevador do MEC sem saber que era o do ministro, ou mesmo meu pai, ali em um pequeno escritório de uma transversal à Senador Dantas, onde mantinha sua distribuidora de filmes. São centenas, talvez um milhar de associações ao Centro do Rio que qualquer carioca respeita. E que, tal e qual o Khalil, volta e meio vejo se desvanecendo no ar, tal e qual estas lembranças de pai, mãe, avô e o Centro.
Estes vestígios talvez estejam presentes nos versos de "In my life", there are places i remember, all my life, and some have changed/some forever not for better/some are gone/and some remains" - baita gosto de terra na boca. Destes lugares, o Centro do Rio - que estou deixando nesta sexta-feira - é talvez aquele em que a memória mais criou raízes, galhos, folhas. Algumas vezes, raízes arrancadas, noutras galhos partidos, e com o passar incontrolável do tempo, cinzas e o berço das saudades contidas.

7 Comments:

At novembro 13, 2005 9:18 PM, Blogger Andrré Machado said...

é, o Centro é mesmo um lugar mágico, guitarman.

Eu já trabalhei no Rio Comprido, há alguns séculos. Realmente... não é mole não.

 
At novembro 16, 2005 6:57 PM, Blogger Rafael Ferreira Rosenhayme said...

Então o amigo está aqui pelas redondezas. E como está o horário de saída aí? Temos que marcar um chope qualquer hora dessas. Bar Luiz? Bar Brasil? Capela?

 
At novembro 16, 2005 7:04 PM, Blogger Unknown said...

rosenhayme, o jb fica do lado daquela igreja com cúpula prateada, depois da esquina do Bispo com Paulo de Frontin. Tá ligado?
Chope? Pode ser no Turano?
abs

 
At novembro 17, 2005 6:14 PM, Anonymous Anônimo said...

Nem sabia que vc tinha blog, rapaz! Te linkei lá no Pentimento, ok?
Abraço

 
At novembro 18, 2005 11:56 AM, Blogger Rafael Ferreira Rosenhayme said...

Tô ligado, braço. No Turano? Pode ser, é só a chapa não estar quente. Voltando ao sério, vamos beber porra! Sugiro um El Cid ou Nogueira.

 
At novembro 25, 2005 1:18 PM, Blogger bravomikefoxtrot said...

Bela matéria, aquela do fechamento do Khalil. Tá amarelando em algum lugar do meu quarto.

Também me identifico com a associação vovô-centro - o meu trabalhava ali na Treze de Maio 13, ao lado do sindicato. Quando estava convosco na Rio Branco, aproveitava para rever os restaurantes, os sebos, a papelaria união que vendia os fichários pretos de escola.

Mas esse negócio de "berço das saudades contidas"... sei não. Parece que a mudança te deixou meio metrossexual.

 
At novembro 25, 2005 6:47 PM, Blogger Unknown said...

Você usa fichário preto e eu sou metrossexual?
Catzo.

 

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