(Don't take me to) Long River - God save Downtown
A partir desta segunda-feira, volto à estaca anterior - não digo à zero, mas ao estágio semelhante àquele em que eu trabalhava em um certo diário de esportes na Cidade Nova. Naquela época, de 2001 a 2003, eu enjoei de pegar metrô e trabalhava em um lugar sem opções de almoço, de lanche e de compras em geral (aquelas coisas que você de repente descobre um dia na vida que tem que comprar, tipo assim uma vela de filtro).
Pois nesta segunda-feira eu começo a trabalhar em um lugar ainda mais fora de mão que a Cidade Nova: a Rua Paulo de Frontin, no Rio Comprido. Ali, bem em frente ao Complexo do Turano, sob a trilha sonora das mais modernas armas de uso exclusivo do tráfico.
Este tipo de mudança obviamente leva qualquer um a fazer uma reflexão sobre o Centro do Rio (onde trabalhei por dois anos, aliás, o único emprego que tive aqui no Centro) e do quanto sua preservação é importante - as lojas mais tradicionais (tipo a Khalil M.Gebara, que fechou), as pequenas lanchonetes como a Leiteria Brasil, e mesmo as megaconfeitarias careiras como a Colombo têm uma importância ainda maior do que a simples facilidade de tê-las ao alcance: ali é o lugar em que nosso avô passou.
E, graças ao Centro do Rio, temos o privilégio de saber este lugar com exatidão, o privilégio único de saber dos passos de nossos antepassados. O Rio de Janeiro, como cidade de 440 anos, tem esta vantagem - nossos avós dizem para a gente que ferramenta se compra no Palácio das Ferramentas, na Rua Buenos Aires, e a gente vai lá e compra a ferramenta. Nossas mães falam que se compra fantasia na Casa Turuna, ali na Avenida Passos, e lá vamos nós atrás de máscaras insanas de pierrô.
É um exercício alucinante, que o tal progresso infelizmente vai desfazendo - não imagino que meu neto vá comer em uma das (depois que ele nascer) 900 mil filiais do McDonald´s com a sensação de que um dia, trabalhando na sexta-feira à noite no Jornal do Brasil, eu tive que descer e pedir um royale with cheese para viagem. Será apenas mais uma filial - e é essa a grande contradição do crescimento ordenado, como é o caso destas filiais todas.
Ali na Khalil M. Gebara da Rua do Ouvidor, um dia meu avô comprou alguma coisa, e repetiu, diante dos meus olhos de oito anos - "Ninguém, ninguém segura o Khalil", repetindo o gesto do comercial. Hoje, ali na loja onde deveria estar o insegurável Khalil, hoje repousa mais uma filial da Marisa, loja de roupas femininas dirigida a sabe-se lá que faixa de consumo.
Poucos meses antes de morrer, meu avô ajudou com sua poupança a comprar uma guitarra para mim - ali na Guitarra de Prata, na Rua da Carioca. Sei que meus vizinhos e vizinhas não ficariam comovidos com esta lembrança um tanto singela, mas para mim é uma forma de completar o triângulo eu-meu avô-O Centro do Rio.
Isso sem contar minha mãe, quando trabalhava, ali no Palácio Gustavo Capanema, eu subindo pelo elevador do MEC sem saber que era o do ministro, ou mesmo meu pai, ali em um pequeno escritório de uma transversal à Senador Dantas, onde mantinha sua distribuidora de filmes. São centenas, talvez um milhar de associações ao Centro do Rio que qualquer carioca respeita. E que, tal e qual o Khalil, volta e meio vejo se desvanecendo no ar, tal e qual estas lembranças de pai, mãe, avô e o Centro.
Estes vestígios talvez estejam presentes nos versos de "In my life", there are places i remember, all my life, and some have changed/some forever not for better/some are gone/and some remains" - baita gosto de terra na boca. Destes lugares, o Centro do Rio - que estou deixando nesta sexta-feira - é talvez aquele em que a memória mais criou raízes, galhos, folhas. Algumas vezes, raízes arrancadas, noutras galhos partidos, e com o passar incontrolável do tempo, cinzas e o berço das saudades contidas.
7 Comments:
é, o Centro é mesmo um lugar mágico, guitarman.
Eu já trabalhei no Rio Comprido, há alguns séculos. Realmente... não é mole não.
Então o amigo está aqui pelas redondezas. E como está o horário de saída aí? Temos que marcar um chope qualquer hora dessas. Bar Luiz? Bar Brasil? Capela?
rosenhayme, o jb fica do lado daquela igreja com cúpula prateada, depois da esquina do Bispo com Paulo de Frontin. Tá ligado?
Chope? Pode ser no Turano?
abs
Nem sabia que vc tinha blog, rapaz! Te linkei lá no Pentimento, ok?
Abraço
Tô ligado, braço. No Turano? Pode ser, é só a chapa não estar quente. Voltando ao sério, vamos beber porra! Sugiro um El Cid ou Nogueira.
Bela matéria, aquela do fechamento do Khalil. Tá amarelando em algum lugar do meu quarto.
Também me identifico com a associação vovô-centro - o meu trabalhava ali na Treze de Maio 13, ao lado do sindicato. Quando estava convosco na Rio Branco, aproveitava para rever os restaurantes, os sebos, a papelaria união que vendia os fichários pretos de escola.
Mas esse negócio de "berço das saudades contidas"... sei não. Parece que a mudança te deixou meio metrossexual.
Você usa fichário preto e eu sou metrossexual?
Catzo.
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