01 junho, 2005

Um passo para trás, por favor

Que temos uma elite sórdida, é ponto pacífico. Falar em concentração de renda no Brasil é discussão sobre fato consumado e tão batida quanto diferenciar Pelé e Édson Arantes. Basta o sujeito-cidadão comparecer a algum jantar, ou posse de secretário de Estado, ou enterro de integrante de conselho patronal ou mesmo chá beneficente de rico que mora perto de favela. O puxa-saquismo chega a constranger, o falso paternalismo é de dar medo, e se perde completamente a esperança em um país (?) com mais oportunidades.
Mas se eu fosse um estudioso, teórico da área, e precisasse de um pedaço desta elite para uma espécie de biópsia, para analisar a doença, eu não teria dúvidas sobre qual o cancro a ser estudado: o empresariado de ônibus, de longe o mais cínico e o que mais atenta contra a vida humana.
Para começar, conseguiram, nos atuais governos (?) estadual e municipal, obter licença dos órgãos responsáveis para inverter a entrada e a saída dos ônibus cariocas, deixando-os parecidos com os de São Paulo. A medida só teve um único objetivo: criar entraves à prática da gratuidade para idosos e estudantes. E é simples: criando uma estrutura que obrigasse o passageiro a jamais sair pela porta em que entrou, e deixando na entrada um espaço limitadíssimo, é óbvio que caberiam menos estudantes por viagem. Antes de serem criados os cartões eletrônicos, a cena - extremamente deprimente - mais comum era ver dezenas de estudantes e idosos, muitos em pé, se acotovelando em um espaço exíguo lá na frente. Alguns motoristas ainda deixavam os mesmos entrarem pela porta de trás, mas vinha logo a advertência do fiscal: ninguém pode entrar por trás (pena que as mães de alguns empresários não tenham isto como regra em seu ofício diário na zona).
Agora, se vangloriam de terem acabado com o vale-transporte de papel, e com isso terem acabado com uma das fontes de custeio do tal transporte alternativo, as vans (tento evitar usar, até agora tive sucesso). Resultado: ônibus AINDA MAIS LOTADOS, tornando a vida dos passageiros uma bosta ainda maior do que já era. Em alguns bairros menores - como a Urca - a sordidez alcança pontos surpreendentes:nos horários de saída dos colégios, as empresas cortam os ônibus, aumentando o intervalo e simplesmente entupindo de alunos cada um dos veículos.
O problema é que na hora em que os alunos deixam os colégios, por volta de meio-dia, 13h, o fluxo de passageiros também é intenso. Assim. é comum um busão sair da Urca completamente lotado como se estivesse deixando o Américo Fontenelle às 18h.
Tal fenômeno, de lotação estourando em horários off-rush, já está em andamento no Metrô - outro dia viajei em pé (como sempre, aliás) em um vagão completamente lotado....de idosos. Uns 30 idosos em pé. Até que vi a cena que diz tudo sobre o que acontece neste nosso Brasil velho de guerra, pelo menos no que se refere a duas áreas - transporte público e tratamento aos idosos: uma senhora de uns 70 anos levantou e cedeu lugar para uma senhora que parecia ter 80.
"Não verás país nenhum" era para ser apenas o título de um livro do Loyola Brandão, e não uma profecia.

2 Comments:

At junho 09, 2005 1:12 AM, Anonymous Anônimo said...

Bom que você voltou

 
At junho 21, 2005 4:12 PM, Blogger Arqueira said...

que bom que você voltou! quanto aos ônibus, devia ter uma intervenção especial na linha amigos unidos, a mesma do antigo 174, atual 158, que aliás tem um que vai pra urca. É absurdo o que esta linha faz.

 

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