24 agosto, 2004

Verdinhas e amarelinhas

Somos a Pátria de Velas. Por pouco, deixamos de ser a Pátria de Maiô Collant de Ginástica. E em breve poderemos ser a Pátria de Chuteiras com Salto. Baixo, porque o Salto Alto foi eliminado pelo Paraguai no início do ano. Ver os Jogos Olímpicos é um exercício estranho de patriotismo. Digo de passagem que sou fanático, gosto de ver tudo (menos hipismo e vela, óbvio, onde o que se vê é totalmente codificado), curto ler as histórias e pretendo comprar os DVDs que Placar lançou, com os filmes oficiais desde 1948 (Londres).
Mas ainda me comove torcer pelo bronze no Judô, ouvir uma musiquinha ridícula e ufanista da Bandeirantes com um desenho estranho de um boneco em forma de medalha, e logo depois ver anunciantes Bayer, Nike, Johnson & Johnson’s, Coca-Cola Overseas, McDonald’s e o cacete. Não, nada de nacionalismo, que é o último refúgio dos velhacos, nas sábias palavras de Roberto Campos. Mas é que acredito que há mesmo velhacos nessa história – e não somos nós, que torcemos de verdade pelos atletas brasileiros.
Às vezes tenho a impressão de que essa overdose de verde e amarelo só serve mesmo para agradar os anunciantes de várias cores.
Agora, o pior é a forçação de barra. Vi Itália 6 x 5 EUA, no water-pólo. Em dado momento, rola vibração com A BRA-SI-LEI-RA Alexandra Araujo, jogadora da Itália. OLHAÍ O GOL DA BRA-SI-LEI-RA!!!!, grita o locutor. Mariana Roriz, jogadora e comentarista, acrescenta: “É, a Alexandra está há NOVE ANOS na Itália”. Ou seja, estamos tentando nos empolgar porque o gol da Itália é de UMA BRA-SI-LEI-RAAA, mas muito provavelmente a garota, há dez anos, pensou o que a gente pensa muitas vezes: “Quer saber? Vou embora dessa merda de país”. E ralou peito (e crawl, e borboleta) para as terras carcamanas, onde o carboidrato é regulamentado por lei. Dez anos depois, neguinho tá vibrando porque é ela quem faz o gol da Itália – detalhe: o pólo aquático ou water-pólo foi o primeiro esporte coletivo, antes mesmo do futebol, a entrar nos Jogos Olímpicos. Se não me engano, em 1900 ou 1904 (quem souber, me esclareça). Porém, as mulheres, o pólo feminino, só teve competição pela primeira vez em 2000! Hoje, só há uma vaga para AS AMÉRICAS. Geralmente, é dos EUA.
E o locutor ainda sinalizava, “Quem sabe em Pequim 2008 a gente não está lá”. Olha, na boa: se o critério for o mesmo, a gente NÃO estará lá. Por que as TVs fazem questão de iludir o espectador? Assim como iludiram a todos no caso da Daiane, que competiu com o joelho estropiado. Os Jogos Olímpicos, para nós, parecem ser uma festa em que o anfitrião nos põe em uma mesa na cozinha, a gente pega o que sobra, e os garçons passam e falam, “olhaí, olhaí, que beleza, que beleza o que sobrou desse pernil”. Claro, somos os líderes mundiais na Classe Laser – e isso deve fazer milhares de criancinhas carentes largarem as drogas e a violência e seguirem o exemplo dos iatistas vencedores. Mas o que está havendo com o Atletismo, o que houve com a Natação, esses esportes um tanto inacessíveis, nos quais o material principal é o próprio corpo?
No fundo, vamos ter que nos contentar com o que já sabíamos: se ganharem as duas duplas, masculina (Emanuel/Ricardo) e feminina (Behar/Shelda), seremos a Pátria de Areia. Ou com areia.