14 setembro, 2004

E como flutua

Tudo o que se pode escrever, ao que parece, já foi escrito. Sim, sobre a vida que se perpetua, sobre o legado de nossa carne e de nosso coração, sobre o ter filhos, se não tê-los, como sabê-los. Eu ainda não o sei, mas Deus abriu uma porta para que eu pudesse ver, por uma frestinha, o gigantesco abismo, a sensação de uma vida nova surgindo em todas nossas vidas. Por um instante, tudo flutua. É Luiza, que chegou no dia 11 de setembro, que para mim deixa de ser um aniversário de um ato idiota e passa a ser uma data quase sagrada, um Natal antecipado, uma festa de ouro, incenso e mirra. E sei lá o que é mirra.
Deus me abriu uma porta para que eu pudesse ver por uma fresta, e o nome dessa porta é Luiza. Pequena, indefesa, delicada, Luiza dorme umas 20 horas por dia. Veio ao mundo neste sábado. Mais do que nunca, Luiza me mostra a gigantesca responsabilidade do gesto de ter filhos, e de certo modo me prepara para tal. "Cardíaco não deve acompanhar o parto", disse meu irmão. Cardíaco, na verdade, não pode nem ver o quanto é forte uma vida que nasce. É loucura, isso: tem uma pessoa nova entre nós, que tem a mesma importância que nós mesmos - não é alguém que veio de longe, com outras lembranças, manias ou aprendizados. É simplesmente uma pessoa nova. É Luiza.
Quando ela se aproximou do vidro que separava a sala de espera do berçário, ainda nos braços do médico, sim, ainda coberta por líquidos, cansada como a mãe, chorando como o pai, com um rosto que mal se via, sim, naquele momento eu sabia que estava vivendo o infinito para dentro do relógio - como se o ponteiro em vez de ir para a direita de quem vê fosse para dentro do relógio, girando eternamente em direção nenhuma. Era a primeira vez de muitas em que eu vou encontrar Luiza, e ela certamente não se lembrará disso nunca.


É impossível não repetir o lugar-comum: Luiza é a perpetuação da vida, a marca de um tempo novo, um divisor de águas. Assim é essa minha sobrinha, força da natureza que flutua por tudo que é sempre, que paira sobre tudo que é nunca, que me deu um momento tão único quanto uma despedida mas repleto de vida tal e qual um reencontro.

1 Comments:

At maio 27, 2005 1:40 AM, Anonymous Anônimo said...

eu entendo vc... quer dizer um pco né? pq só vc sabe como é q está tudo aí dentro. sabe, é q eu tenho uma Luiza de 7 anos. e vou deixar aqui uma canção q peguei emprestada do chico - q tb tem a dele e traduziu mto bem o q é ter uma delas em nossa vida.

"Luísa
Chico Buarque

Por ela é que eu faço bonito
Por ela é que eu faço o palhaço
Por ela é que saio do tom
E me esqueço no tempo e no espaço
Quase levito
Faço sonhos de crepon
E quando ela está nos meus braços
As tristezas parecem banais
O meu coração aos pedaços
Se remenda prum número a mais
Por ela é que o show continua
Eu faço careta e trapaça
É pra ela que faço cartaz
É por ela que espanto de casa
As sombras da rua
Faço a lua
Faço a brisa
Pra Luisa dormir
em paz"

um bjo da lu

 

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