09 agosto, 2006

Nelly

Nelly teve duas filhas com Lourival. As duas filhas deram cinco netos ao casal. Exemplo de sucesso - sucesso no significado distante das revistas de negócios, das editorias de economia, dos cadernos de cultura. Sucesso é: "deixei meu legado de forma indelével, o amor que plantei virou memória". Lourival morreu, e Nelly ainda viveria uma década. No dia 5 de agosto, Nelly se foi. No dia seguinte, se vivo fosse, Lourival faria aniversário. Uma das netas do casal, em meio às lágrimas no velório do cemitério Jardim da Saudade, comentou:
- Foi presente de aniversário pro meu avô.
As lágrimas foram interrompidas um breve segundo. Quem não pôde rir, pelo menos sorriu. E é de sorriso o reinado de Nelly, ou respeitosamente Dona Nelly, a avó da mulher da minha vida. A Nelly que, ao encontrar o Lourival, gerou uma filha e assim tornou possível que eu fosse também feliz. Um encontro tão fortuito e tão importante esse. Da maior importância, como se diz na Bahia.
Quando digo que Dona Nelly teve o reinado de sorriso - ou melhor, tem, pois me recuso a falar dela no passado - é porque é isto o que sempre me chamou mais a atenção. Aos 80 anos, Dona Nelly sorria com a luminosidade de uma morena numa roda de chorinho. Sorria com amor - um dos sorrisos mais difíceis que existem. Na verdade, me permitam os incrédulos, Dona Nelly ainda sorri. Virou presente de aniversário do Lourival, que eu não conheci. Que sorte tem esse Lourival.
Dona Nelly é uma matriarca, sim, mas uma matriarca da Era Contemporânea: a matriarca parlamentarista. "Poder para quê?", ela diria, se em algum momento tivesse sido perguntada sobre o assunto. Dona Nelly tinha o poder mais invejado do mundo. Ops, desculpe. Dona Nelly tem o poder mais invejado do mundo: é amada. Netos incomparáveis, como nunca vistos em lugar nenhum. Sempre cercando, brincando, beijando, tocando, a avó. Cabelos negros de cigana, olhos ligeiramente puxados pelo tempo, as mãos sempre firmes mas ligeiramente longilíneas. Dona Nelly sabe das coisas. Às constantes mudanças de apartamento da família, respondia com sorrisos e aprovações. Como se seus olhos dissessem que ao lado dos que ela ama, qualquer lugar vale a pena. Espero que a próxima Nelly - o nome que darei caso tenha uma filha - siga estes preciosos conceitos de vida.
No dia 6 de agosto, nós aqui choramos, é certo. Ainda choramos, porque, claro, a ficha cai aos poucos, cai de repente, sei lá. Varia muito. Mas é certo que Lourival sorriu como Nelly, bonito, vigoroso, forte, ao ver que a missão tinha sido cumprida a contento, aliás, com louvor: filhas maravilhosas, netos espetaculares, uma família de caráter.
Alguém precisa de mais do que isto?
Sim, nós choramos e ainda vamos chorar, porque afinal de contas, a companhia de alguém como a Nelly, bem sabe o Lourival, não é coisa que se perca. Mas este tempo de lágrimas acontecerá até ela terminar a mudança, aquela definitiva, que é com móveis e utensílios para dentro de nossos corações.