Cantoras
Da esquerda para a direita: Jorge Goulart (com quem Nora Ney se casou) Dolores Duran, Lucio Alves e Nora Ney
Segunda-feira passada, perdemos Nora Ney. Com mais de 80 anos, foi mais uma de nossas cantoras a marcar milhares de pessoas – com certeza não a mim, que não tenho idade para tal. Mas sempre gostei de ouvir sua gravação famosa de “Ninguém me ama”, do genial Antonio Maria – e para isso nem é preciso ter mais de 10 anos de idade. Basta o acaso, como no meu caso, para um dia ter gostado de ouvir essa que certamente foi a primeira de nossas “cantoras ecléticas”, ainda na década de 50, quando cantava “Stormy wheather” (aquela música do comercial de cerveja em que uma loura esfrega cerveja nos lábios e na calcinha antes do cara chegar), depois enveredou pelo rock and roll (uma fase pouco falada), até desembocar na música de fossa e na bossa nova.
Nora Ney costumava se distinguir por não conseguir fazer direito o “R” puxado que caracterizava os cantores de rádio. Mesmo assim, foi eleita Rainha do Rádio. E pode-se dizer que Nora Ney foi a primeira de uma extensa lista de artistas perseguidas pelo pessoal que assumiu o governo em 1964 – o fato de ter feito turnês pelo Leste Europeu e sua própria sinceridade política a impediram de “estourar” de vez, mesmo tendo gravações históricas como a “Ninguém me ama”, de Antonio Maria, e a maravilhosa “De cigarro em cigarro”, do Luiz Bonfá – essa última, com um verso que, quando moleque, eu via repetido em “Você”, do Tim Maia: “Vejo o tempo passar/O inverno chegar”.
Hoje, adulto (?), tenho um CD inteiro de Nora Ney, dentro da extraordinária coleção “A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes”. Acompanhada por um trio, Nora fala, no programa “Ensaio”, da TV Cultura, sobre sua carreira, sempre de uma maneira muito singela. Uma simplicidade que me lembra, por exemplo, Elizeth Cardoso, talvez a maior de nossas cantoras (Elizeth achava que a maior era Elis Regina), de quem Hermínio Bello de Carvalho diz que “sempre entrava pela porta da cozinha”.
Enfim, cantoras como Nora Ney e Elizeth Cardoso, ambas surgidas da simplicidade de um povo – Nora era contadora sem sucesso e Elizeth chegou a ser pedicure – é que formam uma cultura, um padrão de comportamento e principalmente a nossa memória. O verso “Ninguém me ama/Ninguém me quer/Ninguém me chama de meu amor” é quase universal, é tão comum a todo brasileiro com mais de 30 anos quanto geladeira com frezzer embutido.
Nora morreu e ganhou lá um obituário em alguns jornais, uma nota em outros, talvez uma menção em um programa de rádio. É como se já estivesse enterrada, desde sempre, morta em nossa vida apressada, sem remorso e sem lamento.
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