30 setembro, 2003

Telefones





Junto com a minha hérnia (eu diria até um pouco antes) um problema
inesperado veio igualmente quebrar a minha rotina: a quebra do meu aparelho
de telefone celular e a consequente (não sei onde estão os tremas nesse
teclado) inércia e falta de saco para levar ao conserto – ainda mais sabendo
que por menos de 100 pratas eu não consertaria. Com falta total de dinheiro
e posteriormente de saúde para me locomover, decidi perder a linha (o meu
era pré-pago) e assumir minha nova condição de imóvel. Para isso, portanto,
eu não poderia ter um telefone móvel, segundo a lógica.
Só que eu começo a gostar da brincadeira de perder a coleira eletrônica (na
definição de Alexei Gonçalves de Oliveira). E sinto que posso me tornar uma
pessoa mais agradável sem o tal aparelhinho, vendido às pencas em tudo
quando é loja atacadista _ com centenas de planos, promoções que no fundo me
dão a entender o seguinte: de qualquer maneira, as operadoras querem nos
fuder. O que muda é a forma com que eles tentam nos enganar.
Para começar, posso dizer com orgulho que eu me tornarei um dos melhores
parceiros de conversa que existem. O sujeito vai me encontrar no meio da
rua, perguntar como estou passando, por onde ando, começar a falar sobre o
último livro do Saramago ou sobre o show da k.d.lang e não correrá o risco
de eu interromper a conversa após um toque de celular para gritar ao
aparelho coisas como “você viu o gol que aquele FDP do Fernando Baiano
perdeu? Porra!”
Conheço gente assim. Um amigo meu, jornalista também, volta e meia reclamava
que eu sumia. Aí eu aparecia para a gente tomar um chope, e o cara passava
quase que a noite inteira fazendo e recebendo telefonemas para dezenas de
pessoas combinando onde iria passar a noite – mas que catzo, ele já estava
passando a noite ali: ao celular.
Nada mais chato, reconheço, do que ligar para o celular de uma pessoa e
não conseguir falar, seja porque está fora da área, seja porque vive
desligado (um milhão de pessoas já fez essa pergunta, por que você não
liga essa merda desse celular, heim
) ou, pior ainda, quando o aparelho
toca, toca, toca e ninguém atende. Aí é o fim.
Pensamentos: “O que será que houve? Será que ele está dentro de um
porta-malas?”, “Será que ela está no motel com outro e esqueceu de desligar,
aquela vagabunda?”, “Porra, será que ele teve um acidente”, “Deus meu, será
que foi vítima de bala perdida”. Ninguém pensa antes se a pessoa colocou no
vibracall e esqueceu, se a pessoa esqueceu em casa (como já aconteceu muitas
vezes comigo).
São vários transtornos emocionais, causados pelo fato de não conseguir falar
com um celular. Agora, experimenta um telefone fixo:
- Alô, o Gustavo está?
- Não, já saiu para o trabalho.
- Ah, tá, eu ligo para lá daqui a pouco.
E acaba aí, simplesmente aí, o transtorno. Espera-se um pouco e se obtém
comunicação clara, limpa, ordeira.
O celular nos acostumou também a outra coisa: ninguém marca porra nenhuma
com antecedência. “Ah, a gente liga para ele de lá”, ou “Ah, vamos indo,
depois ligamos pro celular dela no caminho e marcamos encontro”. Aí neguinho
te liga do Maracanã de um Flamengo x Cabofriense em um sábado chuvoso, em
que você alugou “Berlim Alexanderplatz” e ainda está vendo a primeira das 16
partes. Quer valer que se não tivesse celular tanto o emissor quanto o
receptor teriam combinado antes?
Sem contar que dificilmente alguém teria saco de procurar um orelhão no
Maracanã.
E finalizando, outra coisa: bater um celular na cara de alguém é ainda mais
difícil do que bater o telefone sem fio. O botão Desliga do telefone sem fio
ainda é maior, dá mais tempo de você descolar o rosto e PIMBA, desligar nos
cornos do oponente. Já o celular é brabo, às vezes você aperta o SEND em vez
do END e pronto, pagou mico.
Com o fim daqueles velhos telefones analógicos, a longo prazo a humanidade
vai sentir falta dessa maneira sutil de se livrar de quem nos torra o saco.
Ou então usaremos a velha técnica de começar a frase e desligar no meio,
fingindo que a ligação caiu. Volta e meia eu faço isso e garanto que costuma
func