09 agosto, 2003

A oitava praga
O Egito bíblico teria se rendido em massa, diante desta que faz todas as outras sete pragas parecerem fichinha: a adiposidade abdominal.
Sim, uma hérnia de disco (que me obriga a colocar micro e teclado em cima de caixas de som para poder escrever em pé) é sem dúvida o método de emagrecimento mais eficiente – e ao mesmo tempo o que provoca mais revolta. Cheguei à conclusão de que barriga, na verdade, é maldição ou karma. Uma maldição metabólica.
- Segunda-feira eu começo.
A frase acima, já dita por todos aqueles que marcaram – e adiaram – um começo de dieta, não pode ser pronunciada por quem tem barriga e hérnia de disco.
- Começa agora – diz qualquer médico de botequim. Opa, botequim? É lugar proibido, até porque quem tem hérnia não pode sentar. Ah, mas dá para beber em pé, no Bracarense, detonar aquelas empadinhas, o bolinho de bacalhau...ei, nada disso, não dá para beber senão corta o efeito do anti-inflamatório e do corticóide. E nem pensar em frituras ou empadinhas. É preciso emagrecer.
Aos poucos, vou conseguindo, mas sob o preço de um sofrimento pavoroso. Já me sinto como um dissidente quando converso com os velhos amigos, companheiros de mesas regadas a chopes, pizzas e picanhas fatiadas. E imagino-os conversando entre eles, falando de mim.
- Tu falou com o cara? – diz amigo número 1
- Falei, o cara mudou mesmo. Perdemos o homem – diz amigo número 2.
- Mas porquê? Ele emagreceu mesmo? – pergunta amigo número 1.
- Mais do que a gente imagina, menos do que ele precisa. Mas o cara tá almoçando sopa, imagine só. E diz que há um mês e meio não come uma pizza.
- Ah, mas temos esperanças. Vai que ele detona um pãozinho com a sopa....
- Não. Torradinhas Bauducco. Eu vi.
- Sem açúcar?
- Sem açúcar.
- É caso perdido.
Conversando outro dia com um desses amigos, que inclusive está tentando fazer dieta também, falamos sobre a sensação que é permanecer absolutamente faminto as 24 horas do dia. No meu caso, faminto, deitado o tempo inteiro em um quarto, como em uma cadeia. Tá certo, cadeia de bicheiro (tem som, TV, DVD, vídeo, livros), é verdade, mas é cadeia.
- Sabe o que é? – eu disse – Todos nós sabemos que nenhum alimento existente pode trazer a satisfação absoluta ao paladar e ao organismo a não ser massas e picanhas – “filosofei”, agoniado, com um ex-dono de birosca.
- É uma maldição, né, cara? Por que essa merda toda não vai para o pé em vez de ir para a cintura? – disse ao grande André Machado, primo do ex-birosqueiro.
Cheguei ao ponto de ler trechos de um livro da Sônia Hirsch (“Manual do Herói”, presente de um tio médico, preocupado com o meu destino abdominal), para ajudar no auto-convencimento. Já faço planos (novas ordens médicas) de fazer a tal natação ou mesmo outro exercício e de manter uma regularidade alimentar de modo a não criar barriga novamente (evitando assim que a hérnia dê as caras de novo). Já planejo como vou me sentar agora para escrever (a principal causa da hérnia). Enfim, todo um novo modo de vida. Que obviamente me deixará com muitas saudades das picanhas e das pizzas (impossível ficar o tempo todo sem elas, vou logo avisando).
Mas acho que serei tratado mesmo como dissidente na hora em que parar de tomar os remédios, der a primeira saída noturna e pedir uma Coca Light. Já imagino o diálogo dos dois amigos sobre o amigo perdido (no caso, eu).
- Tá de sacanagem? Light? Não foi pelo menos a comum, com sorvete de chocolate, como vaca preta?
- Não, foi Light mesmo. E não bebeu nem um chope.
- Não acredito. E tinha uísque.
- Tinha. De graça.
- E ele não bebeu?
- Nada.
- Perdemos o cara.
- Perdemos o cara.