05 julho, 2002

Mais Leminski
Quem me conhece sabe que eu curto a poesia do curitibano Paulo Leminski, aliás um dos poucos poetas que eu realmente procuro ler, ao lado de Vallejo, quem sabe Neruda e certamente Vinicius de Moraes. Achei hoje um site excelente sobre a obra do grande Leminski, com farto material, para passar horas navegando. O link é esse aqui ó: http://www5.gratisweb.com/kamiquase/. Imperdível. Abaixo, publico uma de minhas preferidas (por ser uma poesia mais longa, publico sem quebrar linha para não ocupar metros de blog):
O QUE PASSOU, PASSOU?
Antigamente, se morria 1907, digamos, aquilo sim é que era morrer. Morria gente todo dia, e morria com muito prazer, já que todo mundo sabia que o Juízo, afinal, viria, e todo mundo ia renascer. Morria-se praticamente de tudo. De doença, de parto, de tosse. E ainda se morria de amor, como se amar morte fosse. Pra morrer, bastava um susto, um lenço no vento, um suspiro e pronto, lá se ia nosso defunto para a terra dos pés juntos. Dia de anos, casamento, batizado, morrer era um tipo de festa, uma das coisas da vida, como ser ou não ser convidado. O escândalo era de praxe. Mas os danos eram pequenos. Descansou. Partiu. Deus o tenha. Sempre alguém tinha uma frase que deixava aquilo mais ou menos. Tinha coisas que matavam na certa. Pepino com leite, vento encanado, praga de velha e amor mal curado. Tinha coisas que têm que morrer, tinha coisas que têm que matar. A honra, a terra e o sangue mandou muita gente praquele lugar. Que mais podia um velho fazer, nos idos de 1916, a não ser pegar pneumonia, e virar fotografia? Ninguém vivia pra sempre. Afinal, a vida é um upa. Não deu pra ir mais além. Quem mandou não ser devoto de Santo Inácio de Acapulco, Menino Jesus de Praga? O diabo anda solto. Aqui se faz, aqui se paga. Almoçou e fez a barba, tomou banho e foi no vento. Agora, vamos ao testamento. Hoje, a morte está difícil. Tem recursos, tem asilos, tem remédios. Agora, a morte tem limites. E, em caso de necessidade, a ciência da eternidade inventou a criônica. Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.