Bimbalham os sinos
Jamais escreveria uma mensagem de intolerância exatamente no dia de Natal, para mim, sempre uma data a ser respeitada. Mas não dá para deixar de registrar o fato de que tudo o que envolve multidões se torna um verdadeiro suplício – seja Rock In Rio, Natal, festas moderninhas, restaurantes, Maracanã, etc. No caso do Natal, a culpa é unica e exclusivamente do crescimento populacional absurdo.
Mesmo eu com 35 anos posso afirmar com tranqüilidade: vivi tempos em que o Natal significava comprar presentes no mesmo dia em que eu os abria. Saía com minha mãe, escolhia lá algo entre a Batalha Naval da Glasslite ou o Front da Estrela (Deus do céu, como éramos bélicos), voltava para casa na maior calma (não posso escrever tranquilidade porque esse teclado – descobri hoje – efetivamente não tem trema) e apenas me dava ao trabalho de me emputecer por ter que esperar, sonolento, até meia-noite para abrir e brincar com o presente que eu tinha acabado de escolher.
Hoje em dia, sair no dia 24 para comprar presentes exige uma preparação semelhante àquela em que o governado Arnold Schwarzenegger faz em “Comando para matar”, quando arromba uma loja de armamentos pesados antes de ir para a ilha resgatar sua filhinha.
Alguém viu a foto na primeira página de O Dia, com a legenda "2h da madrugada em Botafogo"? Dava medo. Centenas se acotovelando na Casa & Vídeo. E prefiro acreditar que eram 2h do dia 24, e não do dia 25 - não poderia acreditar que alguém passou a noite de Natal na Casa & Vídeo.
***
Faltavam presentes apenas para minha namorada e para minha mãe. Como no Rio Sul eu já não tinha encontrado o presente que eu queria dar a Marcele (a primeira temporada de Friends, ela adora), resolvi tentar as Lojas Americanas – mesmo sabendo do risco que eu corria ao decidir ir lá sem ao menos um taco de beisebol para me defender.
Neste ponto, minha mãe completa o meu dia e me pede que eu compre nada menos que quatro presentes: para a sogra do meu irmão, para o sogro, para a mãe da sogra (como se chama mãe da sogra?) e para a empregada da sogra do meu irmão. E que sorte que a empregada não tem empregada.
A esta altura meu humor estava tão ruim que faria o Roberto Jefferson parecer o Chris Farley. Puto nas calças, me dirigi à batalha campal. O primeiro alvo: a seção de CDs das Lojas Americanas, onde a fila para pagar dava voltas, passando pela seção Axé/Pagode e enveredando pela prateleira de DVDs. Procurei o box Friends prometido no panfleto que circulava dentro da loja, até notar que eles ficavam dentro de um armário com porta de vidro, trancado a chave e atrás do balcão de pagamento. Aguardei uns dez minutos até que alguém se dignasse a perguntar o que eu queria – afinal, era uma fila de umas 30 pessoas com apenas duas caixas atendendo. E eu queria saber se o box que eu estava vendo era efetivamente o da primeira temporada.
Até que uma das caixas veio até a prateleira, abriu, tirou um pacote de alguma coisa e já ia trancar. Eu interrompi:
- Espera, não tranca ainda, você pode....(eu ia pedir para ela ver se era a primeira temporada)
- Não posso deixar destrancada não, o senhor espere um minuto.
Detalhe: a porta que ela não poderia deixar destrancada só poderia ser alvo de roubo se alguém pulasse o balcão depois de esfaquear o gigantesco orangotango de terno que falava palavras ameaçadoras em um rádio, do tipo “ela está de camisa verde, bolsa preta, olho nela”(ah, as Lojas Americanas sabem mesmo como fazer seus clientes se sentirem bem).
Meu raciocínio foi rápido: pelo jeito, ela queria que eu entrasse em uma fila de 30 pessoas apenas para tirar uma dúvida em relação a um produto.
Saí de lá mais transtornado ainda, e fui me encontrar com Marcele, que estava de excelente humor – geralmente é assim, nossas crises de mau humor não acontecem ao mesmo tempo, isso é ótimo.
***
Partimos para a Siciliano - que estava absolutamente abarrotada de gente. A cada dois metros de observação, um vendedor colocava um bilhete em nossa mão com o número dele. Minha cunhada, Gabriele, apareceu lá e também se confundiu com esse sistema. Comprei a caixa do Indiana Jones para minha namorada, na frente dela, e parti para a segunda parte da missão, que era comprar nada menos que cinco presentes. No dia 24.
A diferença está na quantidade: antes, no meu tempo de criança, o Natal era uma festa boa em que estava todo mundo na mesma sintonia – festas assim são possíveis, quando você controla o número de convidados e sabe o espaço que tem.
O Natal, porém, não permite a mesma sintonia porque simplesmente a humanidade inteira vai nas mesmas lojas. E metade da humanidade vai na Casa & Vídeo, onde fui comprar para minha mãe uma TV miniatura para cozinha.
Uma senhora negra, gorda, imensa, quase me derrubou do meu lugar na enorme fila. Outra senhora, com um filho excepcional, me deu uma porrada no joelho com algo que parecia uma embalagem de panela de pressão. Celulares tocavam sem parar, todos com campainhas escrotas. O calor passava do nível “infernal” e atingia o ponto “sol derretendo”. Porra, eu só queria comprar uma merda de uma televisão cinco polegadas, e passava por provações como se eu quisesse me tornar gladiador na Roma antiga.
Para fechar com chave de merda, na hora em que saí da Casa & Video chovia em baldes. Muito. Quase aquela chuva de Macondo. Com uns 20 quilos de presentes detonando minha hérnia, me arrastei como um verme até o ponto de ônibus (não tinha tirado dinheiro da merda do banco), onde esperei por uns 30 minutos pelo meu.
Lá pelo minuto 19, quando eu já cogitava a possibilidade de me deitar na sarjeta pela primeira vez sem álcool, uma senhora com um filho de sete anos se virou e mandou a ponta afiada de seu guarda-chuva na minha testa. Me lembro de ela ter balbuciado um “desculpe, moço”, mas eu estava perplexo demais para responder ou me lembrar.
***
O mais louco de tudo é que no final de tudo tive um Natal feliz, tranquilo, com muita paz. Espero que o de vocês todos tenha sido também. E para melhorar tudo, no ano que vem, combinemos desde já: compremos presentes pela Internet.
Feliz Natal e um grande 2004 para todos.
BLOGUS
25 dezembro, 2003
23 dezembro, 2003
Superstições de fim de ano
Certamente não sou eu quem vai falar mal de quem tem o hábito de dar três pancadinhas na madeira – além de eu sempre fazer isso, passei quatro meses acendendo velas e em alguns momentos até orando, algo que representa uma mudança radical na vida de um agnóstico como eu.
E não deixo de agradecer à Santíssima Trindade pelo fato de eu ter sobrevivido a 2003, que foi um ano brabeira. E que terminou com o barco da minha vida mudando o curso em 180 graus (já vi muita gente escrever 360, é engraçadíssimo).
Mas tenho algumas restrições à certos hábitos aos quais são atribuídos os tais “bons fluidos” ou o efeito melhor de algum gesto. No fim de ano, tudo gira em torno de superstição. E é exatamente o misticismo que leva milhões de pessoas à orla, causando aquele caos só para ver uns fogos (ainda bem que vou virar o ano na redação, tranquilo, na Avenida Rio Branco, sem esse atropelo chato).
Alguém, aguenta (caceta, onde estão os tremas deste teclado?), por exemplo, gente que sequer vai a uma missa ou nem ao menos evita passar debaixo de escada e que, no final do ano, inventa que “tem que entrar de branco”? Ou figuraças que pulam sete ondas? À luz do bom senso, pular sete ondas é uma “janela” para a sociedade tribal (segundo o fotógrafo-antropólogo Dudo Hardy, nossa sociedade ocidental apresenta diversas dessas “janelas”).
Eu tenho lá as minhas tradições, que não são baseadas nesses atos inventados por algum sacana (escrever em sola de sapato de mulher, sei lá de onde vem isso). Por exemplo, gosto de ver o sol nascer, para ter a impressão de que o reveillon foi completo. Tudo bem que geralmente nesse horário eu costumo estar em um estado no qual é muito difícil saber para que lado está o sol.
Sempre tive, por exemplo, a superstição de que fim de ano TEM que ser no Rio de Janeiro. Apesar de ser uma cidade pisoteada por Moreiras, Brizolas, Alencares, Rosinhas, Garotinhos, ainda resiste e continua a ser a cidade mais linda do Brasil- e essa beleza se acentua no fim do ano.
Quando eu era solteiro, se eu “ficasse” com uma mulher no reveillon, eu teria dificuldades em emplacar qualquer outra mulher ao longo dos 365 dias seguintes. E tenho maior simpatia pelos anos pares: 1998 (ano fantástico da vida de solteiro), 2000 (ganhei um emprego sensacional) e 2002 (ganhei a mulher da minha vida em 29 de julho) foram anos muito melhores que 1997 (Vasco campeão brasileiro), 1999 (emprego ruim, com demissão no fim do ano, graças a Deus), 2001 (perdi um emprego sensacional porque o jornal fechou) e 2003 (tive hérnia de disco).
Este último ano, porém, na minha vida ficará marcado como o ano da “sacudida” – o ano em que o corpo veio cobrar as loucuras que eu fazia com ele. Aconteceu uma reestruturação a ponto de eu emagrecer até no rosto, cortei tudo que era maléfico (vocês não sabem o que me custa todos os dias comer alface e achar bom, mas tem valido a pena) ao organismo, aprendi com a dor, investi em mudanças intelectuais, e finalmente troquei de emprego, recuperando completamente a auto-estima profissional (que nos últimos dois anos vinha sendo minada pouco a pouco).
Eu tenho uma superstição sim, a de que anos pares são melhores. E tinha uma outra: a de que se eu virasse o ano sem estar numa festa, o ano seria ruim. Essa superstição caiu. Sei que 2004 será um ano ótimo – e desejo isso para todos vocês que acompanham o meu mau humor nesse pedaço.
Um Natal fantástico e um 2004 em delírio para todos.
21 dezembro, 2003
Deu zebra
Apesar de muito feliz com todas as conquistas deste final de ano (cura parcial, novo emprego, emagrecimento), não posso deixar de admitir que fiquei frustrado com o sorteio da Mega Sena deste sábado, já que joguei nove reais e tinha certeza absoluta de que iria ganhar os R$ 42 milhões.
O ganhador é de Santa Catarina. Bom, torço pelo menos que seja alguém que more em Lajes, que goste de vinho, Pink Floyd e Neil Young, que seja advogado e que seja tão rubro-negro que invista pequenas fortunas em camisas do Zico de 1977. Uma pessoa com esse perfil merece a grana.
Até porque em julho de 2005 estou pensando em passar férias/lua-de-mel em um périplo pela Região Sul, e adoraria ficar em uma das 19 suítes da mansão do cara.
19 dezembro, 2003
Ruim demais
Morre Michael Jackson, chega na porta do céu, e com os olhos lânguidos, dispara:
- Cadê o menino Jesus?
Ok, foi mal.
Sobre trabalho
Deveria vir no diploma - o Ministério da Saúde adverte: fazer Cidade faz bem à auto-estima.
Explica-se: depois de dois anos ralando em Esporte, sem, na minha opinião, tão somente na minha opinião , não ter conseguido um reconhecimento adequado, bastaram duas semanas de Cidade para eu readquirir o pique e a vontade de trabalho que eu tinha há uns nove anos. Isso, somado a uma experiência e certo conhecimento (não tanto) do assunto.
Reconheço que não sei o assunto Cidade a fundo como deveria. Mas sei fazer, e aprendo a cada dia.
Em Esporte, conheci pessoas ótimas. Mas em Cidade o percentual é maior. E acho que sei a charada.
Em Cidade, convivo com diversos tipos de repórteres. Um sabe Saúde, o outro Educação, o outro é bom em Polícia, outro em Prefeitura, e mais outro conhece tudo sobre Meio Ambiente. Os conhecimentos deles se completam, um ajuda o outro quando necessário, há trocas de agenda, etc.
No Esporte, todos são experts no mesmo assunto. Porém, "sabem" coisas diferentes. Captaram? Eu, por exemplo, tive que reconhecer que era subordinado, por exemplo, a um sujeito que escrevia que "Júlio César (goleiro do Flamengo) e Doni (Corinthians) se equivalem". Tive que ler emails dizendo que "o Taddei do Palmeiras no gol é melhor que o Júlio César". Outros mais "paramentados" decretavam, por exemplo, que o Leovegildo Gama Lins Júnior "amarelou" quando saiu do Corinthians.
É tão mais fácil assim, certo?
Em Cidade, se um secretário deixa a pasta com uma semana, a gente não diz que ele amarelou. A gente desconfia de algo.
Ou seja, seria de bom tom alguém tentar descobrir o óbvio: que o Corinthians é uma zona e que o Júnior não iria arrumar.
Outra coisa: em Cidade, não temos um cara que só fica escrevendo coluna sobre o nosso assunto, sem pôr a mão na massa. Em Esporte você apura, apura, apura, para no fim ir lá um tal de Benja e escrever que "ah, Júnior não tinha identificação com a cidade de São Paulo", e ponto final. Moleza, né?
Enfim, Esporte tem excesso de opinião. Em Cidade, acho que falta um pouco. Se ambas as editorias alcançam um equilíbrio, saem ambas muito boas.
A minha missão hoje, por enquanto, é alcançar esse equilíbrio em Cidade. A partir da semana que vem, estarei como "braço direito" do editor.
Eles chamam o "braço direito" de "editor-assistente". É o que eu vou ser.
Se você mora no Rio de Janeiro, e tem alguma sugestão de pauta para enviar, utilize o email
gustavo.almeida@jb.com.br. Denúncias anônimas, reclamações, etc, etc, tudo muito bem vindo.
Toque qualquer coisa
Esta semana, recebi uma frase antológica do dono da birosca (birosca que, aliás, parece partir para mais uma fase de abandono completo):
"Quanto maior o tempo que uma pessoa leva em média para
atender o celular, mais chato o toque que ele escolherá"
Sem dúvida alguma. Musiquinhas, sinais horríveis como um que parece um bebê eletrônico fazendo manha (ué, não existe a babá eletrônica?Por que não o bebê?), hinos de clubes (acho pouco educado obrigar o torcedor adversário a ouvir o sempre repugnante hino do adversário), enfim, é uma gama de aporrinhações que surgem das mil possibilidades de um celular.
Eu mesmo me tornei um desses chatos: baixei a Satisfaction, do site da Claro, para o meu celular novo. Legal? Sim, mas quando eu esqueço na minha mesa, geralmente ele toca quando estou do outro lado da redação. E fica lá, "papapararan-pararararanpan-ranranran", sem que nunca mude a melodia e nem entre o Jagger cantando "IIIII CANT'T GET NOOO".
A nova aporrinhação, porém, são os celulares com fotos. Esses, em breve, associados aos blogs, vão se tornar como a revista Amiga, na imortal definição de Agildo Ribeiro: não vão deixar ninguém comer ninguém.
Não que eu tenha necessidade, pois já me considero casado. Mas noto que as pessoas cada vez mais colocam na internet que "ficaram" com sei lá quem ou que (mulheres, claro) "fulano brochou".
Com foto via celular, essa tendência piora. Cai o anonimato - o cara pode dar uma de Chiquinho Scarpa e fazer álbum (fotolog) de mulheres que ele já comeu. E as coitadas nem saberão disso.
Agora, pior do que todos é o celular com capacidade de fazer foto, com musiquinha pentelha e que, acima de tudo, tenha o meu telefone na memória.
A ocasião faz o gênio
O autor do texto, eu infelizmente não posso revelar. Mas é alguém que o acaso escolheu para estar passando perto do Maracanãzinho nesta quinta-feira. Leiam e confiram. Um texto primoroso.
Essa ninguém me contou, eu presenciei.
Quinta-feira, 18 de dezembro. A governadora Rosinha Garotinho (Rosângela Matheus) realiza no Maracanazinho a cerimônia de prestação de contas do primeiro ano de governo. Uma festa da cidadania com direito a quiosques para tirar carteira de identidade e de trabalho e outros serviços. Além de shows da bateria da Mangueira e do cantor Elymar Santos, um dos preferidos de sua excelência (a previsão é de que ela subiria ao palco para um dueto com o "mais popular", mas isso eu não vi).
Milhares de populares comparecem ao local, a maioria levada em ônibus fretados por candidatos às eleições municipais de 2004 em troca de um pão com ovo e um Baré Cola. O Maracanãzinho está cercado pelas novas viaturas da PM. Numa conversa informal com um fotógrafo, ouço um tenente da PM dizer."É, estamos aí. Só falta ter que usar o nariz vermelho...". Compromissos protocolares.
Depois de Clarissa Garotinho anunciar que o secretário de segurança Anthony Garotinho e a governadora Rosinha Matheus ("que pagou hoje o 13º do funcionalismo") estão a caminho, a multidão se dirige para o interior do estádio.
Pouco depois, o carro de som anuncia: "Foi encontrada próximo ao carro de som a parte superior de uma dentadura. O proprietário queira, por favor, comparecer ao carro de som".
Se eu fosse repórter, faria das tripas coração para encaixar esse detalhe na matéria.
Globalização é isso aí
Eu voltava da Câmara dos Vereadores, a pé, claro, porque no Centro não se anda de carro, principalmente quando se está com pressa. Pois eu voltava, e a passos largos - pulmões que não fumam, fígados que não bebem, barrigas que não pesam aguentam passos muito largos - quando de repente tive que parar, em frente àquela banca quase na Rua da Carioca com Sete de Setembro.
Uma banca enorme, com uma porrada de produtos (CDs, DVDs, VHS, revistas, livros velhos, doces, balas, e sei lá mais o quê), uma TV ligada a um baita som. Em volta, cinco sujeitos de uns 50 a 60 anos, estragados pela vida e pela falta de dinheiro. Todos tinham crânios de nordestinos e peles cafuzas.
Eles olhavam para a tela fascinados, qual macacos olhando para um obelisco em filme de Kubrick.
Aí eu me liguei no som e olhei para a tela para ter certeza do que estava provocando aquela catarse em cinco paraíbas velhos às cinco da tarde em pleno Largo da Carioca sob um sol de 41 graus:
Joe Cocker, ali por 1972, cantando "Something".
O momento é indescritível - era como se os cinco paraíbas não estivessem ali, mas Joe Cocker estivesse.
13 dezembro, 2003
Lei de talião
Há quem defenda que, no futebol, um jogador que tire um outro de atividade na base de porrada, seja suspenso pelo mesmo tempo. É uma espécie de Lei de Talião. Coisa da Mesopotâmia, onde se um sujeito envenenava a sobrinha de um outro sem querer, era castigado perdendo também uma sobrinha. Caso não tivesse sobrinha, mãe servia. É o que chamamos até hoje de "Olho por olho, dente por dente".
Pois não é que no Paquistão neguinho continua mantendo a parada? Essa semana, um cara vai ficar cego. O Estado vai jogar ácido nos cornos do cara, porque afinal ele cegou a própria esposa, cegando-a também com ácido.
Não sei se esse sistema penal é válido, só sei que lá no Paquistão, não deve ser mole ser carrasco.
Afinal, se o cara matou a mulher estuprando-a, tem que ser estuprado também, certo? Aí é que entra - literalmente - o pobre do carrasco.
Dez cenas do cinema que evitam constrangimentos na praia
Você (homem) já teve problemas na praia, principalmente usando sunga, ao ver um biquíni que caberia em um envelope? Já sentiu que as coisas iriam endurecer com perda de ternura, na frente da sua sogra, da priminha de 15 anos ou da namorada do seu melhor amigo?
Antes que o pau da barraca se levante, aqui vai uma lista de dez cenas de cinema para você guardar na mente e se lembrar na hora, a fim de tornar mais mole a sua vida.
1- A Mosca (com Jeff Goldblum) - A cena do babuíno aparecendo teletransportado do avesso. Essa é a campeã.
2- Saló, 120 dias de sodoma - Cena do moleque sendo forçado a dar uma colherada num tolete de merda. Pasolini era triste.
3- Dançando no escuro - O final de Bjork. Não preciso dizer mais nada.
4- Scanners - A explosão do cérebro no início do filme.
5- Alien - A clássica cena do alien emergindo da barriga.
6- À espera de um milagre (The Green Mile) - O filmaço com Tom Hanks tem uma cena do prisioneiro francês sendo fritado que é um negócio brabo.
7- Casino - Quero ver um sujeito ter uma ereção lembrando dos corpos de Joe Pesci e o comparsa, ambos espancados com taco de beisebol, enterrados vivos.
8- A Profecia - Cena da cabeça do cara sendo separada do corpo por uma fina lâmina de vidro.
9- Drácula de Coppola- Essa é fácil: Tom Waits comendo barata.
10- Antes só que mal-acompanhado - Uma comédia, aqui? Não é por acaso. Lembre da cena em que Steve Martin, por engano, enxuga o rosto com a cueca usada do John Candy.
Essa cena garante anos de praia tranqüila.
Extravagâncias de um texto meio enrolado
É sempre assim: o sujeito emagrece 20kg e começa a achar que o difícil na mulher não é a aquisição, mas a manutenção - e, rapaziada, sejam cuidadosos na manutenção, porque é de fato a parte mais importante.
Eu tenho me dedicado a estudar com afinco a manutenção de uma Marcele, por exemplo. Mas voltando ao assunto inicial, foi só eu emagrecer 20 kg que comecei a ser olhado na rua por algumas mulheres, principalmente na hora em que volto da corrida diária. Tudo bem, as mulheres são empregadas domésticas (um cara de 1,60m atrai olhares deste público específico), mas são mulheres. Ah, tudo bem também que a maioria dos olhares, em vez de serem lânguidos, tem o tom estupefacto de um colecionador de Ferraris sendo atropelado por um Gurgel. Enfim, são olhares, de qualquer maneira.
Percebi então essa relação aquisição-manutenção. A maioria de nós, repare bem, dá uma relaxada depois da aquisição, do tipo "ah, já é minha, agora tranqüilo". Lêdo engano. Em primeiro lugar, não há multa rescisória nesses contratos, o que indica que ambas as partes podem pular fora da joint-venture a qualquer momento. Depois, elas podem sempre, em último caso, publicarem um novo edital de licitação.
Por isso, acho justo que a parte masculina se preocupe com a manutenção. Scott Fitzgerald, quando fazia orçamento diário, incluía no rol, "flores", como um item técnico. É por aí.
Do meu lado, a manutenção de uma Marcele é multidisciplinar. Inclui levantar para pegar copos d'água assim que eu bato as costas na cama, entram também itens como levar ao cinema pelo menos uma vez por mês e não podem faltar as idas ao Zio Pepperoni.
Manter Marcele em cativeiro significa que é necessário tocar ao violão algumas músicas para ela dormir, algumas blues, outras bossa nova. Ainda bem que sei ambos os gêneros. Inclua-se aí o fornecimento de livros (abro sempre licitação para a compra do mais recente Harry Potter), a gravação de fitas com músicas como "Stormy Wheather", "Come rain or come shine", "Georgia on my mind". Não pode faltar o item Chocolates na extensa lista de manutenção.
Agora, mais um caríssimo (mas extraordinário) item foi incluído: idas à pizzaria Stravaganze, na Rua Visconde de Caravelas 21, em Botafogo.
Há muito eu mesmo não saboreava algo tão incrível como as pizzas de lá. "A melhor pizza que já comi na vida", disse Marcele, que do alto de seus 23 aninhos tem uma experiência vasta como oreganófila.
Nessa onda de manter Marcele em cativeiro, uma ida à pizzaria Stravaganze é fundamental. O problema é que, ao sairmos da pizzaria, foi só olhar para o sorriso dela que eu percebi: quem tá no cativeiro sou eu.
Haja pizza.
12 dezembro, 2003
A nova economia dos mendigos ricos
Quem trabalha no meu emprego anterior, já sabe: devido à localização um tanto dantesca, na Cidade Nova, as opções de alimentação e hidratação são diminutas, quase todas envolvendo entregadores e certa demora. Em se tratando de alimentação saudável e de baixa caloria, pode-se dizer que a Cidade Nova é um deserto: os principais entregadores por lá são os da Domino's, do McDonald's e do Bob's. Os apóstofes não mentem jamais - querem dizer que o dinheiro é deles, do Domino, do Mcdonald e do Bob, mas a gordura é sua. E você sua para perder, como eu suei e ainda estou suando.
Diante desse quadro, prevalecem máquinas diabólicas, que já se espalharam por toda a cidade, tanto as de refrigerantes quanto as de doces. No meu novo emprego tem de doces e de café (note-se: nenhum com adoçante).
Mas o assunto aqui é o seguinte: o quanto será que deixa de circular pela economia só porque o consumidor não possui notas de um real novas? Alguém já parou para medir? Joelmir Beting tem números?
Sim, a modernidade das máquinas no lugar de pessoas faz isso. Um simples caboclo qualquer aceitando moedinhas velhas ou notas semi-rasgadas, trocando dinheiro, pelo menos estaria empregado e ao mesmo tempo permitindo que não passássemos parte do nosso dia perguntando "Quem troca cinco por nota de um real?" ou "Quem troca essa velha por uma nova?".
A mim, às vezes parece mendicância. Eu mesmo já pratiquei a mendicância - a comida chega de entregador, e você deixa de pedir coca-cola porque ela chega quente. Aí, na hora do rango, cadê a moedinha ou nota nova?
Engraçado que isso cria hábitos. Entre dar sete reais trocados pro taxista e dar notas de dez, você dá nota de dez, porque assim, "ganha três reais" na nova economia. Ora, que diabos! Na nova economia, ter uma nota de dez reais equivale a não ter porra nenhuma!
Vejo várias vezes nas estações do Metrô o mesmo drama acontecendo. Neguinho voltando com a nota velha na mão, com aquela cara de otário - seu dinheiro foi rejeitado. Aí, toca a pedir pro amigo do lado uma nota novinha. Caceta, igualzinho, mas igualzinho a um mendigo.
Isso tudo aí sem contar o lucro exorbitante de quem vende um Galak pequeno por UM REAL. Mas beleza. Queria só saber isso - quanto neguinho deixa de gastar porque não tem nota nova no bolso. Acho que deve ser uma grana que faz falta no PIB.
Quanto sumirem os novos mendigos ricos, acho que começa o tal espetáculo do crescimento.
05 dezembro, 2003
Five long years
Foram cinco anos, desde que em agosto de 1998, eu saí daquela redação da Avenida Brasil 500 para não mais voltar. Cinco anos em que ensaiei retornos, tentei vaga no Cidade, perdi em cima do laço, quase fui para a Programa, quase fui pro Cidade de novo, enfim, sempre passava raspando.
Dessa vez, as negociações foram lentas, com bom processo de maturação, e no fim das contas tudo se resolveu em três dias: na quinta-feira, eu vestia a camisa do Lance. Nesta sexta-feira, já estarei na redação do Jornal do Brasil - o jornal de nome mais bonito do mundo.
A sensação é estranha. Sei que nem o local é o mesmo, tampouco as pessoas. Mas é como se eu estivesse retomando algo, um caminho perdido, uma vontade nova, um recomeço.
Eu sou do Jornal do Brasil.