29 agosto, 2004

Solos de guitarra sempre irão me conquistar

Meu contemporâneo amigo Alexei Oliveira postou lá no Multiply (esse local que para mim ainda é um mistério) uma boa polêmica: qual o solo de guitarra perfeito? Não, ele não quer "o melhor", "o mais legal", o "mais virtuose" ou o "mas difícil". Reunindo uma série de critérios como dificuldade, precisão, uso de técnica, originalidade, etc, etc, o cara resolveu levantar a polêmica do Solo Perfeito. E cita três, dentre eles o de Mark Knopfler em Sultans of swing - desde a primeira vez que vi o clipe dessa música, provavelmente em algum Discomania (lembram? Com Messiê Limá) da vida, considero esse solo realmente perfeito. Nem sou tão fanático pela música (que é um clássico, bem legal), nem pelo guitarrista. Mas é preciso reconhecer que ele acertou a mão.
Para seguir a velha tradição das listas, vou com mais uma, os 10 solos de guitarra mais tecnicamente admiráveis e perfeitos que existem.
1) Time waits for no one (Mick Taylor, nos Rolling Stones)
2) Shine a light (idem)
3) Taboo (Santana)
4) Samba pa ti (Santana)
5) Time (David Gilmour, Pink Floyd)
6) Hotel California (Eagles, esqueci o nome do puto do guitarrista)
7) Story of the blues (Gary Moore)
8) Shin Kicker (Rory Gallagher)
9) Little Wing (Jimi Hendrix)
10) Livin proof (Andy Powell, pelo Wishbone Ash)

Sim, eu sei. Ficou de fora esse aí que você pensou. Ah, e mais uns 30. E só o Alexei vai postar uns 20 por aqui....

Esperança derrotada

Não, este não é um texto sobre Governo Lula, que há dois anos vem falando que o medo vai perder a batalha - mas o fato é que o pavor tem rondado. Este é um texto sobre os dois piores dias do ano: quinta e sexta passadas. Não quero usar o termo "passaralho", porque é uma gíria, até meio engraçadinha, e como o assunto não tem absolutamente graça nenhuma, prefiro usar a palavra CORTE. Sim, porque o que sangra não tem nome de pássaro. O que sangra, é corte.
Foram 15 dias de muita agonia, incerteza, desesperança, amargor. Curioso que em uma das semanas que vivemos sob tensão, houve aniversário todo dia. E para que todas coincidências sejam tristes, todos os aniversariantes em três dias seguidos eram da Economia. E foi exatamente a Editoria de Economia que fechou os dois dias de cortes, da maneira mais terrível que poderia haver: deixando de existir.
Eu sobrevivi - até quando, não sei. Talvez até algum chefe ler meu texto, ou algo parecido. A sobrevivência deveria vir com alívio - já aconteceu antes, sobrevivi a uns oito cortes em diferentes jornais.
O sangue derramado não permitiu o suspiro de alívio. Eu chegava e via um por um, os colegas sendo avisados de que a vida mudara. Pessoas com quem convivi nos últimos nove meses, mais de oito horas por dia, e, de repente, são pessoas que se vão. Quase trinta. Um cortejo triste, conformado, um pouco indignado, mas acima de tudo melancólico. E quem fica, tentando manter a dignidade, trabalhar decentemente - ainda tive que ler alguns sujeitos no site Comunique-se dizendo "lá só tem estagiário e iniciante", em tom depreciativo.
Eu sobrevivi, mas não sei até quando sobrevivo nesse negócio. Porque vi um homem de 70 anos, com a mulher doente, ser mandado embora. Um homem que sempre ganhou pouco, honestamente, um homem de 70 anos que ficava até as quatro da manhã nas sextas-feiras porque fazia questão de trabalhar. É claro, dentro dos números, os 1,6 mil que ele ganha precisam ser economizados.
Que sejam mais de R$ 3 mil que uma empresa gaste com alguém que receba R$1,5 mil.
A demissão desse homem, que é um verdadeiro dicionário ambulante, mostra que somos apenas números. Se prevalecesse algum raciocínio diferente do numérico, surgiria um freio - "Epa, não, esse cara tem 70 anos, corta em outro lugar". Sim, eu queria ter essa chance, de fazer essa troca, mas não me dão isso de jeito nenhum. Eu queria que me perguntassem, que me oferecessem a chance de sair para ele ficar. E é insuportável viver em um mundo onde você não pode salvar o emprego de um cara de 70 anos nem mesmo oferecendo o seu próprio.
A única coisa que consegui fazer foi obrigar os outros a ficar de pé e aplaudir sua saída. Quase um minuto e meio de aplausos de pé, quase 50 pessoas - a metade, já sem emprego.
As pessoas da editoria de Economia ainda passariam mais 24 horas de angústia sem receber qualquer notícia. Sabiam de seu destino, mas ainda esperavam a palavra final, esperavam pela hand of fate ou o que quer que acontecesse, que iria salvar ou mudar tudo, ou mesmo esperavam qualquer resposta, nem que fosse a pior delas. E foi esta a que veio. O fim.
Mais choro, dor e despedidas. Intermináveis despedidas - algumas honradas, como a da editora de Economia, que se recusou a continuar.
E no meio de todo aquele sangue derramado, ficou a estranha sensação pairando acima de tudo: a de que eu sobrevivi, mas algo está morto. Aqueles dois dias foram os últimos de alguma história que eu ainda não sei qual é. Certamente, vem uma vida nova pela frente para todos nós, que foram e que ficaram. Mas a sensação é a de que os cortes na verdade foram um só, "the first cut is not the deepest", caro Cat Stevens, o corte mais profundo não é o primeiro, nem é no coração. Pelo que entendi desses dois dias, jorra muito mais sangue quando o corte é nos sonhos.
Sim, às vezes parece que Deus existe, sim, mas naquele momento está apenas mais longe.

24 agosto, 2004

Verdinhas e amarelinhas

Somos a Pátria de Velas. Por pouco, deixamos de ser a Pátria de Maiô Collant de Ginástica. E em breve poderemos ser a Pátria de Chuteiras com Salto. Baixo, porque o Salto Alto foi eliminado pelo Paraguai no início do ano. Ver os Jogos Olímpicos é um exercício estranho de patriotismo. Digo de passagem que sou fanático, gosto de ver tudo (menos hipismo e vela, óbvio, onde o que se vê é totalmente codificado), curto ler as histórias e pretendo comprar os DVDs que Placar lançou, com os filmes oficiais desde 1948 (Londres).
Mas ainda me comove torcer pelo bronze no Judô, ouvir uma musiquinha ridícula e ufanista da Bandeirantes com um desenho estranho de um boneco em forma de medalha, e logo depois ver anunciantes Bayer, Nike, Johnson & Johnson’s, Coca-Cola Overseas, McDonald’s e o cacete. Não, nada de nacionalismo, que é o último refúgio dos velhacos, nas sábias palavras de Roberto Campos. Mas é que acredito que há mesmo velhacos nessa história – e não somos nós, que torcemos de verdade pelos atletas brasileiros.
Às vezes tenho a impressão de que essa overdose de verde e amarelo só serve mesmo para agradar os anunciantes de várias cores.
Agora, o pior é a forçação de barra. Vi Itália 6 x 5 EUA, no water-pólo. Em dado momento, rola vibração com A BRA-SI-LEI-RA Alexandra Araujo, jogadora da Itália. OLHAÍ O GOL DA BRA-SI-LEI-RA!!!!, grita o locutor. Mariana Roriz, jogadora e comentarista, acrescenta: “É, a Alexandra está há NOVE ANOS na Itália”. Ou seja, estamos tentando nos empolgar porque o gol da Itália é de UMA BRA-SI-LEI-RAAA, mas muito provavelmente a garota, há dez anos, pensou o que a gente pensa muitas vezes: “Quer saber? Vou embora dessa merda de país”. E ralou peito (e crawl, e borboleta) para as terras carcamanas, onde o carboidrato é regulamentado por lei. Dez anos depois, neguinho tá vibrando porque é ela quem faz o gol da Itália – detalhe: o pólo aquático ou water-pólo foi o primeiro esporte coletivo, antes mesmo do futebol, a entrar nos Jogos Olímpicos. Se não me engano, em 1900 ou 1904 (quem souber, me esclareça). Porém, as mulheres, o pólo feminino, só teve competição pela primeira vez em 2000! Hoje, só há uma vaga para AS AMÉRICAS. Geralmente, é dos EUA.
E o locutor ainda sinalizava, “Quem sabe em Pequim 2008 a gente não está lá”. Olha, na boa: se o critério for o mesmo, a gente NÃO estará lá. Por que as TVs fazem questão de iludir o espectador? Assim como iludiram a todos no caso da Daiane, que competiu com o joelho estropiado. Os Jogos Olímpicos, para nós, parecem ser uma festa em que o anfitrião nos põe em uma mesa na cozinha, a gente pega o que sobra, e os garçons passam e falam, “olhaí, olhaí, que beleza, que beleza o que sobrou desse pernil”. Claro, somos os líderes mundiais na Classe Laser – e isso deve fazer milhares de criancinhas carentes largarem as drogas e a violência e seguirem o exemplo dos iatistas vencedores. Mas o que está havendo com o Atletismo, o que houve com a Natação, esses esportes um tanto inacessíveis, nos quais o material principal é o próprio corpo?
No fundo, vamos ter que nos contentar com o que já sabíamos: se ganharem as duas duplas, masculina (Emanuel/Ricardo) e feminina (Behar/Shelda), seremos a Pátria de Areia. Ou com areia.

20 agosto, 2004

A idade crepuscular

A expressão acima era usada por um professor que tive na UFF, Eduardo Neiva Júnior, como auto-referência. Sempre que ele procurava justificar sua total falta de saco para tudo, soltava a pérola. Quase 15 anos depois de minha entrada na universidade, me vejo repetindo a frase: estou em idade crepuscular. Percebi isso ao sentir que, há dez anos, provavelmente eu iria adorar o Teatro Odisséia, onde fui ontem por causa do aniversário de um amigo. São três andares, um deles, no meio, com mesas e cadeiras, o andar superior com um bar próprio e supertelão, e o térreo sempre com um show.
E é aí que entra o peso da idade e a rabugice total: as possibilidades de ser um show agradável são muito perto do zero.
Em primeiro lugar, o som é extremamente alto, o que cria o folião-involuntário. Mesmo que você não tenha ido lá para o show, é impossível não participar dele. No terceiro piso, tentei acompanhar no telão um show do Radiohead. Vi Thom Yorke dando urros inacreditáveis. Era o vocalista da banda lá do térreo. Depois, veio o R.E.M. com “Everybody hurts” ao vivo, em ritmo de funk. Mais uma vez, o baixo violentamente distorcido invadia e destruía qualquer perspectiva de se concentrar em outra coisa.
O local tem uma grande vantagem: o chope Imperial a R$ 2,90 é uma alternativa viável à cerveja (em lata) a R$ 3,50. Sou absolutamente contra a cerveja em lata, por isso fui de chope. Só que aos poucos fui percebendo, pela infra-estrutura que havia, que a fila para pagar a comanda e sair do local seria uma experiência absolutamente aterradora. Fiz a tática então de deixar a festa no auge.
Voltei para casa pensando: por que marcamos festa de aniversário em locais nos quais outras 300 pessoas estão pensando em passar a noite? Encontro uma amiga que não vejo há tempos, no Odisséia, e ela me diz: “Sábado tem meu aniversário, vai ser na festa Ploc, no Catete”. Legal, mas, pelo que percebi na única vez em que fui na tal festa, outras 250 pessoas devem dar uma de penetra. Me lembro de já ter cometido esse erro: marquei aniversário na Casa da Matriz, numa sexta-feira. Hoje tenho vontade de pedir desculpas pessoalmente a cada um dos convidados. Normalmente, são pessoas que jamais sairiam de casa para, em janeiro, entrarem num local absolutamente lotado e quente.
Quanto mais me aproximo da idade provecta, portanto, menor é meu apreço por multidões que não sejam aquelas reunidas para torcer pelo Flamengo. Aliás, se minha data de aniversário não fosse tão pouco afeita às tabelas dos campeonatos (dia 2 de janeiro não tem nem pelada na praia), marcaria uma festa nas arquibancadas do Maracanã. Se alguém reclamasse, eu diria, “é mais vazio que a Casa da Matriz”.
Enfim, o Teatro Odisséia até que pode ser um bom lugar. Mas à medida que as rugas nos cantos dos meus olhos vão aparecendo, meu conceito do que é se divertir vai mudando radicalmente. Daqui a pouco, até jogar damas em uma praça pode virar programa de índio para mim. Basta a praça estar cheia.

17 agosto, 2004

Aviso aos amigos

Rapaziada, eu não uso o Multiply. Sério mesmo. Mal tenho tempo de entrar no Orkut - vou lá para dar risada com os posts das comunidades No Escuro, Alborghetti e Luiz Pareto. Só de ver que o Multiply é "tudo em um só lugar" me deu uma baita preguiça. Sério mesmo. Já tenho que administrar três caixas de correio (o Terra, o GMail e o do jornal), já tenho esse blog aqui(que anda correndo sério risco de ser arquivado e tirado do ar, já que o pouco que eu publico anda sendo considerado de baixa qualidade), e o próprio Orkut. Só de pensar que o Multiply tem álbum de fotos, email, e sei lá mais o quê, me deu uma baita preguiça.
O pior é que quando QUALQUER UM dos seus amigos no Multiply faz qualquer coisa, tipo "colocar mais uma foto", você recebe um email do site avisando, "seu amigo mexeu lá". Não tenho condições de manter um esquema desses - se fosse por dinheiro, eu já estaria reclamando. De graça então, mil vezes ônibus errado.

Joe Cocker




Hora de fechamento, eis que um dos editores-executivos, comentando sobre música, fala ali perto sobre o "Joe Cocker de 1969". Ele falando com uma menina de 24 anos, possivelmente tentando explicar que a música hoje é uma merda, o drum and bass é nada menos que Keith Moon e John Entwistle em algum canto do inferno e que bom mesmo era Joe Cocker detonando "I shall be released", do Bob Dylan, com a fúria de milhões de ventanias destruindo trilhões de vidraças na sua alma. É um discaço, perfeito. Tem Jimmy Page na guitarra, Stevie Winwood nos teclados. Dá para imaginar?
Joe Cocker gravou ali a "With a little help from my friends" que até hoje congela olhares sobre Woodstock. Ali também tem 'Fellin Allright", "Marjorine"(espetacular), "Just like a woman" e "Don't let me be misunderstood" (que com Eric Burdon é insuperável).
Nas bancas menos visitadas você provavelmente ainda encontra, por menos de 20 pratas, o DVD "Mad dog and the english men", um registro de uma turnê de Joe Cocker no tempo em que ele ainda cantava de costeletas e balançando os braços como um epilético recém-órfão. Extraordinário. Nunca vi algo tão barato e tão bom. A merda é que para achar o CD são outros quinhentos. Mas vale mil. Joe Cocker hoje é excelente, tudo bem, com seus "Unchain my hearts" meio com ar de Johnny Mathis. Mas naquele tempo, dava a impressão de que ele não estava nem aí para aposentadoria. I hope i die before i get old. With a little help from my friends. Não deixem de comprar o Cachorro Maluco e o Homem Inglês.

A bolsa ou a vida

Estou concorrendo a uma bolsa da Vivo, a operadora de celulares. Este, aliás, foi o motivo da minha ida à FLIP, em Paraty, o principal, e até a ida, o único motivo de eu pedir folga no jornal para viajar. Tinha que assistir a três aulas da oficina do escritor amazonense Milton Hatoum, e um mês depois entregar um projeto e um trabalho literário - ambos integrados. Assim foi feito, agora esperarei outro mês pelo resultado.
São 50 concorrentes a duas bolsas. Chances reduzidas - claro. A maioria dos caras parecia ter experiência em literatura, embora eu não saiba bem o que seja isso. Conheci duas pessoas lá (um cara e uma garota), que se conheceram também por lá, e volta e meia eu parava perto e os trechos de conversa não mudavam:"Gosto do Caetano como proposta estética...", "Meu interesse é pela linguagem..." ou "Com ênfase em latim" eram as frases que impediam este aqui de participar de qualquer coisa. Me senti sozinho. Ninguém para comentar as frases "O Jean é uma merda" ou "Por que o Parreira leva o Cris?". Ou mesmo alguém para conversar sobre o chope do Picote, sei lá.
São 50 concorrentes, mas sei que pelo menos dois estão bem na fita, e são logo um casal: Alexandre Inagaki e Suzi Hong. Mas vamos ver se rola uma escolha de Sofia do destino, e um dos dois fica de fora para eu entrar. Que maldição, apenas duas bolsas. Mas ainda é melhor do que nenhuma. Não tenho registro de alguma empresa privada de uma área que não tem PORRA NENHUMA a ver com literatura ter investido em bolsa para escritores. Nesse ponto, a Vivo mandou bem, Claro. Ops. Foi mal.
Se eu fosse usar dessa brincadeirinha, dispararia: bolsa da Vivo, é Claro que eu não vou ganhar. Mas nem acho tão claro assim, apesar de me sentir meio Ponte Preta nesse campeonato, diante de times com tradição. Ou meio Guarani.
Se eu ganhar, pingam, ao longo de oito meses, dois mil pacotes na minha conta. E rola a perspectiva de publicação da obra. Que já tem nome: Santa Bárbara e Rebouças.
Querem saber sobre o que que é o livro? Então torçam por mim. Prometo que, desses dois mil caraminguás, pelo menos 200 paus vão para as torcidas organizadas, que nem no Flamengo.

05 agosto, 2004

Eu concordo





Deu na BBC Brasil:
De acordo com matemáticos, o filme O Iluminado, estrelado por Jack Nicholson, é o filme de terror que mais provoca medo na platéia. A projeção não é uma mera suposição, garantem os especilistas. Eles afirmam que desenvolveram uma fórmula matemática que dá a receita para um bom filme de terror.
Durante dez semanas, os pesquisadores ocuparam seu tempo com filmes como O Exorcista, O Massacre da Serra Elétrica e o Silêncio dos Inocentes para entender o que causava medo nos espectadores. No final, combinaram elementos como suspense, realismo, cenas sangrentas e surpresa para a fórmula.
O resultado é uma fórmula que mais parece um amotoado de sinais, números e letras: (um+d+cp+a) 2+c + (r+f)/2 + (ps + e +l)/n + s X - es. O Iluminado, os cientistas elegeram também Psicose e Tubarão como filmes de terror que combinam os elementos que causam medo de forma balanceada, quase perfeita. A informação é da BBC Brasil.
Confira abaixo a fórmula e cada um de seus elementos:
(um+d+cp+a) 2+c + (r+f)/2 + (ps + e +l)/n + s X - es.
Onde:
um = uso de música
d = desconhecido
cp = cenas de perseguição
a = sensação de estar em uma armadilha
c = choque
r = realismo
f = fantasia
ps = o personagem está sozinho
e = escuro
l = locação
n = número de pessoas
s = sangue
es = estereótipos

03 agosto, 2004

198 reais



Ganhei na quadra, na mega sena. Me lembrei logo dos versos de Aldir Blanc, de que o "amor é a falsa euforia do gol anulado". Ganhar na quadra é o símbolo do "quase". Levei a módica quantia de 198 reais, que até que em um fim de mês vem bem a calhar. O detalhe é que para uma vitória na mega sena, acertando seis números, a gente se prepara a vida inteira. Todos pensam em reunir a família, testemunhas, xerox autenticada do bilhete, aparato de segurança e até acordo nuclear, apenas para percorrer o caminho até a agência do Andaraí da CEF, onde eu já ouvi falar que se pega o dinheiro.
A tal Agência do Andaraí é mais ou menos como Xanadu, Atlântida ou Eldorado: um lugar mítico, de riqueza e felicidade, um sonho recorrente do ser humano. A mega sena, a liberdade absoluta. Nunca mais patrão, nunca mais horários, nunca mais estresse, férias eternas e uns 300 mil pingando todo mês na sua conta. Viver de renda. E não me venham falar que o trabalho enobrece o homem. Eu já trabalhei tanto tempo que já posso mudar meu sobrenome para Orleans e Bragança, de tanta nobreza adquirida com o batente. Mereço uns rápidos 40 anos de descanso, ora essa.
O brabo é acertar seis números.Aí, você acerta quatro e tem a impressão de que gastou a sorte em vão. Fazer a quadra é como um rápido amor de carnaval, fazer a quadra é um karma instantâneo, uma emoção repentina, alegria que vira decepção quase que na mesma velocidade com que a ciência traz o mandiopã ao mundo.
Em suma, fazer a quadra é algo com que não contamos. Ninguém sonha em fazer a quadra. Ninguém joga para acertar quatro números e ganhar duzentas pratas. Aí, dá nisso: até poucas horas atrás, eu não fazia a mais remota idéia de como se recebe a merreca da quadra.
Aí, antes de eu ver num canto de um link na internet que até 800 reais a lotéria é que paga, vou na dica dos amigos. "Acho que é naquela agência do Centro". Qual? "Uma das duas".
Vou até a da Antonio Carlos, dentro do Ministério da Fazenda. Dezenas de guichês com pessoas indisponíveis por trás, filas para tudo, senhas e mais senhas, e uma fila para "atendimento geral", que eu imagino ser a "fila das pessoas que não sabem qual fila pegar".
"É ali dentro da agência", me dizem. Ora, onde é que estou então? Procuro então uma porta giratória, que eu imagino ser uma forma nítida de reconhecer uma agência bancária. Passo por ela, procuro alguém a quem eu possa pedir uma informação. A única pessoa que permite que eu lhe dirija um olhar é o vigilante. Para quem tem Marcele, ter que trocar olhares com vigilante bancário é uma merda federal. Mas vá lá.
A resposta, apontando para um lugar nenhum: "Qualquer pessoa aí te informa". Procuro qualquer pessoa. Consigo interceptar um sujeito alto e de barba, com uma pinta de bem-humorado. Ele pára e diz, "eu sou só um caixa, não trabalho aqui não". E sai correndo, antes que eu possa dizer o que eu quero. É bom correr, vai que ele sabe me ajudar e tem que parar.
Continuo esperando, até que o mesmo cara volta e inadvertidamente vê o livro que tenho em mãos. E repete o nome, rindo: "O coração das trevas". É isso aí. Ele ri, com cumplicidade. Ele sabe que está na capa do livro uma parte dos meus pensamentos no momento.
Olhei para a legião de desempregados/aposentados/remediados que aguardava em vão, sabe-se lá há quantos meses ou anos, por uma solução para seus problemas. Percebi que eu jamais seria atendido, nem que passasse a morar ali. E percebi que nem seria justo tomar o tempo daquela agência para pegar meu prêmio - mas, ora bolas, se a Caixa não tem agilidade para pagar o prêmio, que deixe os jogos para os bicheiros, caramba.
Decido ir até a "outra" Caixa, aquela ao lado do Avenida Central. Ali, uma porta giratória me obriga a deixar quase a cueca antes de entrar. Outra fila para "entrar na fila de quem não sabe em que fila entrar". Catzo. Olho para a dupla de velhinhas da minha frente. Só há dois caixas. Um deles tem um velhinho fazendo algo complexo. No outro, tem um boy com milhares de papéis, metade em sânscrito, outra metade em aramaico. Me parece que vou levar milênios. E, caramba, é apenas a "fila para ver em que fila entrar".
Desisti de tudo. Guardei o bilhete, desolado, convicto de que eu jamais iria receber o prêmio - até ver na internet, em uma linha obscura, que a lotérica tem que pagar, mas até 800 reais. Beleza. De repente, eis que estou com medo de acertar outra quadra ou mesmo a quina, e ganhar mais de 800 reais. Eu não quero ganhar mais do que isso, pelamordedeus.
Ganhar na quadra é pior do que ser vice. E tentar receber um prêmio é um teste de paciência - não sei se fui mal-vestido, ou sei lá o quê. Se fui mal-vestido, da próxima vez que acertar na quadra, juro que eu vou de terno.
Ok, foi péssima, essa. Eu reconheço. Mas ainda quero meus 198 reais.