Manias
Mania é coisa de família. Explico: tem manias que são encontradas em vários núcleos da mesma família. Você vai a um evento e vê primos distantes do seu amigo fazendo as mesmas coisas esquisitas que o seu amigo faz - pode ser um barulho mais forte limpando a garganta ou mesmo estalar a língua quando fala "talher". Mas tem lá um ritualzinho, uma pequena neurose, ou um grande segredo-tempero que foi passando sem que as pessoas dessa mesma família sequer se dessem conta de que estão assimilando o hábito. Tenta reparar em uma família de fumantes se não tem obsessões por filtro branco mentolado.
Na minha família, a mania era jogar "escravos-de-jó" - a lembrança dessa brincadeira na mesa até me fez desenvolver o conto "e-Scravos", no livro do http://www.paralelos.org.br. Escravos de Jó, jogavam cachangá, tira, bota, deixa o....(agora é meio virundum)...ZABELÊ?? ficar. Guerreiros com guerreiros faziam uma onomatopéia estranha que meu cérebro de criança não conseguiu conservar para a vida adulta. Mas era isso. Em tudo quanto é almoço, antes da comida alguém -geralmente meu avô - puxava lá o Escravos de Jó. Deve ter sido um baita azar o sujeito ser escravo logo de Jó. Faz-se idéia do quanto Jó, como patrão, deveria descontar nos escravos seus infortúnios - imagine cortar errado a garganta do carneiro para sacrifícios e depois ter de se explicar a Jó.
Mas, voltando à vaca fria das manias. A família de minha mulher tem duas. Uma, forjada meio que no susto e na tristeza, e muito positiva, que eu curto - assimilei COMPLETAMENTE o que só prova minha tese: ligar para avisar que chegou em casa. Faço isso sempre com as meninas do meu trabalho, quando as deixo em algum táxi ou tarde demais em um ponto de ônibus - peço que mande mensagem ou telefone rapidinho.
A outra mania é engraçadíssima: refrigerantes quentes. Não sei se o problema é a preguiça de ficar indo e voltando da geladeira, ou se é a quantidade grande demais (que faria a geladeira não dar vazão, já que toda hora teria de ser aberta), mas o fato é que em todas as festas (sempre boas) da família de minha mulher, vê-se em cima da mesa a Fanta, a Coca e o Guaraná esquentando placidamente, suando, aguardando prazeirosamente o momento em que serão tomados. Ou melhor, bebidos.
Outro dia perguntei isso a ela, e ela não soube explicar - nem achou que era uma mania. Mas era.
Mania é um lance engraçado demais. Que não se confunda com hábito - nada daquilo de ler os Esportes na privada de manhã ou ouvir a CBN durante o preparo do café. Mania é algo que se faz durante outra coisa mais importante. Digamos, mania é aquilo que se faz insistentemente mesmo em um momento grave ("O quê? Vamos mandar os mísseis", dizia Bush, enquando estalava os dedos freneticamente dentro do bolso direito). Geralmente quem tem alguma peculiaridade, pêlo ou cabelo fora do padrão Falcon de ser (Falcon é algo meio boiola, reconheço) tem mania. O cara tem barba? Alguma mania ele tem com a barba. Careca? Eu mesmo jogo cabelo para a frente nos momentos mais tensos - sou capaz de fazer isso na quinta cobrança durante uma disputa de pênaltis.
Agora, no âmbito familiar, nunca vou deixar de achar engraçadíssimos os contágios. Garanto a vocês que deve existir uma família em que toda casa tem quadro do palhaço chorando ou dos cavalos fugindo de um incêndio na savana. Confere que tem.