21 abril, 2004

Os seis graus definitivos de separação
No início, não levei muita fé. Achei que era coisa de nerd mesmo, e tudo o mais. Mas aí, como bom noivo-subserviente que sou, atendi aos insistentes pedidos de Marcele e fui conhecer o tal Orkut (http://www.orkut.com ), a comunidade mechamaqueeutechamo do Google.
Piração absoluta. O Orkut vai potencializar ao cubo aquele velho conceito de "Seis graus de separação", que é mostrado no filme homônimo do Will Smith e cantado em prosa e verso pelos Alvins Tofflers da grande rede. Para quem ainda não sabe, o conceito é simples: cada um de nós está a seis pessoas de cada um de nós. Entenderam? Não? Pois bem: digamos, eu e o Bush. Entre eu e ele, há apenas seis pessoas, caso eu quisesse entrar em contato direto com o governante mais poderoso e obtuso do mundo.
Duvidam? Pois bem. Não precisa ser jornalista (com jornalista perde a graça). Vamos dizer que eu seja morador do Complexo do Alemão.
Se eu moro no Alemão, conheço o presidente da Associação de Moradores (1). Esse cara certamente já se reuniu com o administrador regional (2). O administrador ou é um ex-vereador ou é vereador, e conhece o prefeito (3). O prefeito do Rio obviamente conhece o presidente da República (4). Mesmo que o Lula não saiba inglês ou mesmo que nunca estivesse estado com o Lula, é ele quem indica o cara do Itamaraty que vai ficar lá em Washington (5). Por sua vez, esse embaixador tem que conhecer o Bush. Ou um assessor direto do Bush (6).
No Orkut, essas possibilidades vão se multiplicar ad nauseaum. Para quem, como eu, conhece o Alexandre Inagaki, por exemplo, o negócio se torna totalmente sem limites - Inagaki conhece mais de 200 pessoas no Orkut.
Já dei voltas no Orkut clicando em pessoas. Às vezes me surpreendo, do tipo "caraca, não sabia que essas pessoas se conheciam". E por aí vai. Além disso, o Orkut permite que você crie comunidades com uma facilidade incrível. Já faço parte de três: fãs de José Saramago, Natalie Merchant e do site Paralelos.
Ando com muita preguiça, mas se tivesse um pouco de saco juro que iria ver se McLuhan falou alguma coisa sobre o assunto. Embora isso tudo tenha um jeito de Cortázar, naquele conto do engarrafamento em "Todos os fogos o fogo". Vale a pena conferir o Orkut.

05 abril, 2004

O fim da música
A música está mesmo acabando, eu pensei, ouvindo meu "Irish Tour 74", do Rory Gallagher. Neguinho vai, samplea (como foi surgir um verbo desses?) sons, coloca umas luzes, uma batida repetitiva por baixo, sem letra, sem mensagem, sem sentimento algum, e ganha uma fortuna. Gravam CDs. Sem o trabalho de aprender um instrumento, sem o trabalho de compor, elaborar, tocar.
Aquela casa picareta de Botafogo chegou a abrir CURSO DE DJs. Para mim, é o mesmo que abrir curso de Street Fighter 2 ou curso de Pinball ou mesmo curso de bilboquê.
Aí, ouvi outro dia uma voz meio estranha, um violãozinho de botequim, tocando uma música do Police, se é que era isso mesmo. Era o tal cara cujo CD está sempre tocando na Siciliano do Botafogo Praia Shopping. Esqueci o nome do cara, só sei que ele já toca no Claro Hall e o escambau. Ou Escamball, para rimar. O CD é inteiramente de covers. Nada contra. O pior é que ele toca e canta até bem. Mas normalmente tal produto é consumido às quatro da manhã, bêbado na Ilha de Itaparica, ou seja, voz e violão tocando cover tem seu lugar, definitivamente não em embalagem de CD à venda em lojas especializadas.
A música, realmente, acabou. Entre DJs e violeiros esquisitos de covers, entre músicas de um rockzinho descerebrado, nada aparece. Vem uma banda australiana (esqueci o nome também) e diz a mesma coisa que os Strokes disseram, que "o rock tem salvação"ou vá lá o que seja. Coloco na Rádio Cidade e ouço milhares de bandas de nomes estranhos, todas ruins. Uma delas gravou 'Behind blue eyes`, do The Who. Ficou uma merda, algo entre o Bon Jovi e o Elymar Santos com pneumonia.
A música acabou. A nova música do Ney Matogrosso tem a frase "O mundo é uma esfiha de carne". Não dá mesmo para ser feliz. Vou ficar ouvindo o "Irish tour" mesmo - afinal, Rory Gallagher já morreu e não pode regravar nada daquilo sampleado. E acho que não o faria.
A música acabou. Esse texto chato continua. Na verdade, é o contrário. A música continua. Apesar de tudo isso aí.

Aspen
Ah, sobre o post abaixo, na hora em que falo de Aspen, me lembrei de algo curioso: uma empresa me propôs que eu fizesse um trabalho, recentemente, frilance. Mandaram eu dar meu orçamento. Cobrei R$ 8 mil, porque iria dividir com mais duas pessoas que eu queria ajudar (gente que tem filho, etc) e que iriam me ajudar a fazer o tal trabalho.
O orçamento foi recusado, por ser muito alto. O detalhe é que o dono da empresa recusou depois que voltou de uma temporada de 15 dias em....Aspen!!!
Deu para captar como pensam as elites? Pagar por trabalho? Nem pensar.

Os ricos no Brasil
A revista Carta Capital (disparada a melhor revista semanal do país) desta semana, que tem o Zé Alencar na capa, detona excelente matéria de Amélia Safatle sobre o livro “Os ricos no Brasil”, um estudo do economista Márcio Pochmann (com outros pesquisadores) que faz parte da série “O Atlas da exclusão social”. Curioso que o livro e a matéria tenham aparecido dez dias depois que o Fantástico colocou no ar uma reportagem sobre o mesmo tema, só que com a visão ibrahimsuediana da coisa. O programa de TV passou uns 20 minutos se deslumbrando com...preços! Isso mesmo! “Uma diária em Aspen não sai por menos de R$ 1,5 mil”, ou “um casaco da marca X custa R$ 20 mil”, e por aí vai.
Em nenhum momento se fez a clássica comparação de esquerda, ou seja, quantas famílias poderiam comer, etc, por quanto tempo, com o preço de um casaco desses. A comparação é, eu sei, extremamente demodé. Mas quer saber? É uma comparação que ilustra. Do mesmo jeito que ilustra dizer que o concreto gasto para a Ponte Rio-Niterói daria para construir nove Maracanãs (é isso mesmo), vale citar uma comparação como a do livro supracitado: um assalariado-mínimo teria que trabalhar 1.042 anos, ganhando R$ 240, sem gastar nada, para comprar a lancha mais cara fabricada no Brasil, um luxo de R$ 3 milhões. É ou não é ilustrativo mencionar que enquanto neguinho se aperta em um trem com mais 400 sujeitos para trabalhar por uma miséria, tem um malandro sozinho que toma Campari importado só para combinar a cor da bebida com o azul da piscina da lancha?
A Carta Capital é sensacional porque atropela até mesmo o bairrismo. Mesmo sediada em São Paulo, a revista não deixa de apontar o quão nocivo é para Minas Gerais e Rio de Janeiro a concentração do mercado financeiro na terra da garoa. “São Paulo acabou engolindo outras praças financeiras que até a década de 80 tinham o seu destaque”, diz a reportagem, que aponta fenômeno parecido só que em nível municipal: segundo o livro de Bochmann, a Barra da Tijuca já é responsável por mais de 20% da riqueza total do Rio. O que indica para onde o dinheiro está indo cada vez mais, em uma demonstração clara de concentração ainda mais acentuada.
É uma reportagem que induz à reflexão, que entra até no tema mais polêmico, que vem a ser a guerra civil urbana não declarada que se vive em diversos estados – e, claro, as patéticas tentativas de minorar o problema. Uma delas não mencionada na matéria, mas que todos sabemos: dar uma farda, uma arma e R$ 800 para uns caras que a gente nem conhece direito tomarem conta de nossas ruas e de coisas que valem mais do que o salário deles. Assaltos? Furtos? Camelôs? Tiroteios? Coloquem mais desses caras. E se eles se corromperem, coloquem um secretário de Segurança se vangloriando de que está “prendendo os corruptos”.
O encerramento da reportagem de Carta Capital me deixou definitivamente com vontade de comprar o livro. Transcrevo o parágrafo inteiro:

Os autores citam também os fatores midiáticos que reforçam a exclusão. A publicidade que enaltece os valres do consumo, a novela da Globo que cristaliza as diferenças entre as classes sociais e o jornalismo que nem sempre aborda o assunto como deveria – até porque, como diz André Campos, é controlado, no Brasil, pelas mesmas famílias que ocupam o topo da pirâmide

Portanto,vamos ler Os ricos no Brasil. Quer dizer, se não for muito caro.