Os ricos no Brasil
A revista Carta Capital (disparada a melhor revista semanal do país) desta semana, que tem o Zé Alencar na capa, detona excelente matéria de Amélia Safatle sobre o livro “Os ricos no Brasil”, um estudo do economista Márcio Pochmann (com outros pesquisadores) que faz parte da série “O Atlas da exclusão social”. Curioso que o livro e a matéria tenham aparecido dez dias depois que o Fantástico colocou no ar uma reportagem sobre o mesmo tema, só que com a visão ibrahimsuediana da coisa. O programa de TV passou uns 20 minutos se deslumbrando com...preços! Isso mesmo! “Uma diária em Aspen não sai por menos de R$ 1,5 mil”, ou “um casaco da marca X custa R$ 20 mil”, e por aí vai.
Em nenhum momento se fez a clássica comparação de esquerda, ou seja, quantas famílias poderiam comer, etc, por quanto tempo, com o preço de um casaco desses. A comparação é, eu sei, extremamente demodé. Mas quer saber? É uma comparação que ilustra. Do mesmo jeito que ilustra dizer que o concreto gasto para a Ponte Rio-Niterói daria para construir nove Maracanãs (é isso mesmo), vale citar uma comparação como a do livro supracitado: um assalariado-mínimo teria que trabalhar 1.042 anos, ganhando R$ 240, sem gastar nada, para comprar a lancha mais cara fabricada no Brasil, um luxo de R$ 3 milhões. É ou não é ilustrativo mencionar que enquanto neguinho se aperta em um trem com mais 400 sujeitos para trabalhar por uma miséria, tem um malandro sozinho que toma Campari importado só para combinar a cor da bebida com o azul da piscina da lancha?
A Carta Capital é sensacional porque atropela até mesmo o bairrismo. Mesmo sediada em São Paulo, a revista não deixa de apontar o quão nocivo é para Minas Gerais e Rio de Janeiro a concentração do mercado financeiro na terra da garoa. “São Paulo acabou engolindo outras praças financeiras que até a década de 80 tinham o seu destaque”, diz a reportagem, que aponta fenômeno parecido só que em nível municipal: segundo o livro de Bochmann, a Barra da Tijuca já é responsável por mais de 20% da riqueza total do Rio. O que indica para onde o dinheiro está indo cada vez mais, em uma demonstração clara de concentração ainda mais acentuada.
É uma reportagem que induz à reflexão, que entra até no tema mais polêmico, que vem a ser a guerra civil urbana não declarada que se vive em diversos estados – e, claro, as patéticas tentativas de minorar o problema. Uma delas não mencionada na matéria, mas que todos sabemos: dar uma farda, uma arma e R$ 800 para uns caras que a gente nem conhece direito tomarem conta de nossas ruas e de coisas que valem mais do que o salário deles. Assaltos? Furtos? Camelôs? Tiroteios? Coloquem mais desses caras. E se eles se corromperem, coloquem um secretário de Segurança se vangloriando de que está “prendendo os corruptos”.
O encerramento da reportagem de Carta Capital me deixou definitivamente com vontade de comprar o livro. Transcrevo o parágrafo inteiro:
Os autores citam também os fatores midiáticos que reforçam a exclusão. A publicidade que enaltece os valres do consumo, a novela da Globo que cristaliza as diferenças entre as classes sociais e o jornalismo que nem sempre aborda o assunto como deveria – até porque, como diz André Campos, é controlado, no Brasil, pelas mesmas famílias que ocupam o topo da pirâmide
Portanto,vamos ler Os ricos no Brasil. Quer dizer, se não for muito caro.
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