23 março, 2004

Deixa a grana me levar
A discussão sobre a tal briga do Zeca Pagodinho com a cerveja nova e sua adesão à velha tem sido vista apenas do prisma pessoal – do tipo o interlocutor argumentar com o clássico “se fosse você, você aceitaria”. Me espanta a quantidade de gente que acha “malandro”, “romântico” e “engraçadinho”. Só faltam dizer que o Zeca Pagodinho trocou de comercial de cerveja por amor, e não por dinheiro. Quer dizer, não faltam não. Há quem acredite na reportagem na qual o Nizan afirma peremptoriamente que “o último assunto a ser discutido foi grana”.
É engraçado: todos criticam a falta de fidelidade partidária dos políticos, mas a maioria acha engraçadinho uma pessoa pública romper uma coisa chamada “contrato”, que é o instrumento jurídico para reger relações profissionais perante a sociedade organizada. E romper com prejuízo de imagem para o contratante.
Não faltou gente para atacar o Vanderlei Luxemburgo quando, em pleno campeonato brasileiro de 2002, ele trocou o Palmeiras pelo Cruzeiro. E no futebol, dá para encher estádios com aqueles que, com a boca cheia, proclamam que “falta amor à camisa”, e “os jogadores são mercenários”. Vale o parêntese: ao contrário de pagodeiros que tentam se infiltrar numa coisa chamada “samba de raiz”, os jogadores de futebol têm vida útil curta. Sua carreira dura no máximo 20 anos, em casos raros. Já os pagodeiros, estes podem se transformar até em uma espécie de Buena Vista Anti-Social Clube, com tranquilidade.
Fecho o parêntese: no caso do Zeca Pagodinho e da cerveja, é legal porque é a tal “malandragem carioca”, que na verdade não passa de preguiça e desculpa para falta de educação. Daí ficam bandos de marmanjos achando “lindo” o que fez o Zeca.
Eu iria mais longe: ao dar entrevista em O Globo, ele ainda disparou o slogan da Brahma para, com uma frase de efeito, fazer uma tremenda apologia ao alcoolismo e ao excesso: “Eu só bebo quando estou pensando, só que eu estou pensando o tempo todo”. Bom, isso é menas verdade. Ninguém no mundo de hoje tem condições de pensar o tempo todo, não enquanto houver uma tela de TV ligada no Big Brother. Mas a frase de efeito é similar ao “refresca até pensamento”, da Brahma, e ainda passa a crianças e mais jovens a idéia de que é “cool” beber o tempo todo. E olhem que eu não sou contra isso, pelo menos nos fins de semana. Só que o artista em questão parece pregar a idéia de que é interessante trocar uma vida produtiva por dias e dias seguidos de porre de Brahma.
Enfim, essa é a ética Pagodinho. Já acho engraçado que ele seja excluído do samba dito “mauricinho”, se as letras nem são tão “acima do nível” assim. Volta e meia ele começa a vender mais, aí a intelectualidade o dispensa. Aí caem as vendas e ele volta a ser “de raiz”, esse conceito pentelho de um samba que se pretende ”legítimo”.
O mais engraçado de tudo isso é lembrar dos artigos que o publicitário-Pagodinho escrevia no portal que ele administrava (de um lado, pregava o “Brasil do trabalho e da ética”, de outro demitia funcionários). Na época, era difícil ler aquilo. Hoje, depois da campanha do Serra e da ética-Pagodinho, acho que aqueles artigos descem redondo. Experimenta.


Esporte é saúde
E, ao que parece, também é emprego. Hoje, em O Globo, tem matéria sobre uma discriminação sofrida pelo “secretário-executivo do Ministério dos Esportes”, Orlando Silva. Não, o cantor já morreu. É claro que me lembro do ex-presidente da UNE. Mas não me consta que ele já tivesse trabalhado em qualquer setor da administração esportiva, seja em clube, seja em federação.Engraçado. Ainda bem que no governo Lula não tem esse negócio de negociar cargos, senão eu iria pensar que o cara só está lá porque é do PC do B, que é o partido do ministro, Agnelo Queiroz. Mas, enfim, ele deve ter competência para ser o segundo na hierarquia, senão não estaria lá, né?


Todo Imbecil Merece
O show do B.B. King foi algo de outro mundo, vou escrever melhor sobre ele essa semana mas vou publicar no site Paralelos.org. Mas vale tentar cumprir uma promessa: tentarei não ir mais a eventos que sejam organizados e/ou patrocinados por operadoras de celular. São verdadeiros festivais do deslumbramento. É incrível como tornam tudo fútil.
Para começar, operadora de celular adora uma fila. Fila para entrar, fila para comprar, fila para tirar foto, fila para comprar cerveja, fila para pegar a foto pronta, fila para sair. Depois, operadoras de celular desconhecem o que um público que gosta de música precisa. Daí as cadeiras estarem a uma distância gigantesca do palco, tornando o show do B.B.King quase que uma noite assistindo um bom DVD no telão. De longe, era difícil saber se eu estava vendo o show do B.B.King ou uma apresentação do New York Knicks.
As bebidas são um capítulo à parte: operadoras de celular só admitem vender cerveja em lata por mais de quatro reais. E doses de uísque a dez. Ah,refrigerante em lata é três. Peço um refrigerante e uma cerveja, dou dez reais, o cara me dá os produtos, guarda a nota e diz:
-Thank you.
Sou partidário da tese do Moisés, ex-zagueiro do Vasco, que dizia que até os 10 minutos o juiz não expulsa, portanto o zagueiro tem que entrar de sola no atacante no início senão vai perder o respeito. Por isso, minha resposta não poderia ser outra:
-Thank you é o caralho!
O cara viu que eu não era gringo (sinceramente, não sei como podem achar que um cara do meu tamanho é gringo, afinal, não existem pigmeus brancos) e devolveu DOIS reais em vez de três. Me emputeci novamente, só pelo cara achar que podia cobrar a mais daqueles preços verdadeiramente extorsivos.
-Não fode, porra, é três reais.
Recebi a merda do dinheiro devido.
Na saída, filas para tudo – uma delas para tirar a tal foto-celular-digital-moderna que a gente tirou na entrada. Descubro que a modernidade não evita filas. Em vez de dizer oi para a fila, eu disse tchau, claro. Portanto, olho vivo em eventos de operadoras.