05 abril, 2004

O fim da música
A música está mesmo acabando, eu pensei, ouvindo meu "Irish Tour 74", do Rory Gallagher. Neguinho vai, samplea (como foi surgir um verbo desses?) sons, coloca umas luzes, uma batida repetitiva por baixo, sem letra, sem mensagem, sem sentimento algum, e ganha uma fortuna. Gravam CDs. Sem o trabalho de aprender um instrumento, sem o trabalho de compor, elaborar, tocar.
Aquela casa picareta de Botafogo chegou a abrir CURSO DE DJs. Para mim, é o mesmo que abrir curso de Street Fighter 2 ou curso de Pinball ou mesmo curso de bilboquê.
Aí, ouvi outro dia uma voz meio estranha, um violãozinho de botequim, tocando uma música do Police, se é que era isso mesmo. Era o tal cara cujo CD está sempre tocando na Siciliano do Botafogo Praia Shopping. Esqueci o nome do cara, só sei que ele já toca no Claro Hall e o escambau. Ou Escamball, para rimar. O CD é inteiramente de covers. Nada contra. O pior é que ele toca e canta até bem. Mas normalmente tal produto é consumido às quatro da manhã, bêbado na Ilha de Itaparica, ou seja, voz e violão tocando cover tem seu lugar, definitivamente não em embalagem de CD à venda em lojas especializadas.
A música, realmente, acabou. Entre DJs e violeiros esquisitos de covers, entre músicas de um rockzinho descerebrado, nada aparece. Vem uma banda australiana (esqueci o nome também) e diz a mesma coisa que os Strokes disseram, que "o rock tem salvação"ou vá lá o que seja. Coloco na Rádio Cidade e ouço milhares de bandas de nomes estranhos, todas ruins. Uma delas gravou 'Behind blue eyes`, do The Who. Ficou uma merda, algo entre o Bon Jovi e o Elymar Santos com pneumonia.
A música acabou. A nova música do Ney Matogrosso tem a frase "O mundo é uma esfiha de carne". Não dá mesmo para ser feliz. Vou ficar ouvindo o "Irish tour" mesmo - afinal, Rory Gallagher já morreu e não pode regravar nada daquilo sampleado. E acho que não o faria.
A música acabou. Esse texto chato continua. Na verdade, é o contrário. A música continua. Apesar de tudo isso aí.