São Paulo - Terceira Noite
Um lugar do caralho
Era impossível não lembrar desse hit do Wander Wildner, cuja letra publico acima desse post. Mas na minha terceira noite em Sampa fui em um lugar do caralho. O lugar? Serra da Cantareira, local que há alguns anos entrou para o noticiário nacional por ser o ponto de queda do avião dos Mamonas Assassinas. Mas eu garanto que o lugar não merece ser lembrado só por isso.
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É razoavelmente longe de São Paulo. Vamos dizer que seja mais ou menos você estar em Botafogo e ir tomar um chope em Itaipu, Niterói. O trajeto, porém, é chato até o momento em que começa a subida da serra. Depois, uma vista extraordinária das luzes de São Paulo e o aroma de mato, serra e frio de verdade (não o frio dos aparelhos de ar condicionado) já trazem por si só uma saudável embriaguez - talvez preparando para a embriaguez das milhares de biritas disponíveis no local.
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No local, guardador de carro. O casal Cascalho Ventura e Giovana Vendramini, que me ciceronearam na empreitada, deixaram o veículo por ali, na mão de um guardador que era tão honesto que iluminou o próprio rosto com uma lanterna, para que o memorizássemos. Andamos vinte metros e de repente entramos em uma espécie de Cobal do Humaitá só que meio medieval e meio barroca. Bares todos em pedra e madeira. Alguns iluminados por velas. Pizzas inacreditáveis por todos os lados, mulheres espetaculares circulando como ninfas de um conto de fadas, e nenhuma pessoa com pinta de hostil. Não há "manos" ou outros tipos de adolescentes no lugar. E as pessoas são chapadas.
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Foi difícil escolher qual lugar sentar e começar a beber, mas decidimos por uma choperia, a Matissa, onde rola o mais puro blues & rock and roll, tudo acompanhado de bebidinhas enlouquecedoras e petiscos capazes de acordar um morto. Na Matissa pedimos por apenas 12 reais uma tábua de picanha que faria uma vaca vestir luto por sete dias. Ainda solicitamos batatinhas fritas - uma montanha delas, deliciosas. O sabor de tudo isso? Do outro mundo. Pedi logo um uísque, uma cerveja e um chope para acompanhar. Ficamos inicialmente numa mesa no mezanino, de onde se via o palco - lá, o couro comendo firme. As escadas pareciam cenário de filme e dei graças a Odin por ter descido por ela (toda em madeira) antes de ficar alucinado.
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Depois, eu, Cascalho e Giovana descemos para perto do palco. Showzaço. Nem sei o nome da banda, mas todos tocavam pra cacete. De hits como "Mustang Sally" e "Got my mojo working" até a clássicos desconhecidos mas igualmente empolgantes. A levada de baixo do cara faria um membro da ku klux klan rebolar caracterizado no Harlem.
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Eu olhava em volta e o ambiente era espetacular. De acordo com o Cascalho, no inverno rolam sopinhas aos montes, saborosas, acompanhando o vinho e fondues. E rock n roll na veia. Mas isso, deixo claro, na Matissa. Porque em volta ainda há dezenas de lugares estupendos. Depois de uma longa escada larga (toda em madeira), por exemplo, um bar grande, feito todo em tijolinhos, onde depois de uma porta dupla havia três mesas grandes de sinuca. Em volta, mesinhas com mulheres de cair o queixo, e no ambiente, se eu bem me lembro, estava rolando uma música das antigas do The Who. Segundo Cascalho, esse barzinho da sinuca toca rock direto.
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Como as mesas de sinuca estavam ocupadas, resolvemos ir em outro bar conhecer a simpática cachaça Canelinha (Cascalho me presenteou com uma garrafa, que levarei pro Rio). Este bar já era pequeno mas aconchegante, com um míni-palco onde um cara de violão e uma menina jovem cantando com voz meio Nana Caymmi mandavam músicas standards da MPB. Porra, o cara tocava pra cacete. A mina ainda mandou:"Aqui não tem couvert. Quem gostar, pode deixar qualquer quantia ali na cestinha. Quem não gostar, tudo bem". O que me surpreendeu é que geralmente acho uma merda qualquer duplinha de voz e violão em barzinho. Mas de repente a mina mandou "O tempo não pára" de uma forma tão contagiante que não pude conter meu comentário imbecil: "Aqui, até o que é escroto é bom".
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Tinha que trabalhar, por isso sugeri que fôssemos embora antes das três da manhã. Porém, é um lugar onde eu ficaria fácil até oito da manhã. Tudo é espetacular, as bebidinhas, as comidas, o som, as pessoas, a arquitetura, os ambientes. Maravilhoso. Desnecessário dizer que não havia nenhum lugar excessivamente lotado, que as pessoas não se esbarravam, que ninguém suava em bicas. Nenhum lugar estava vazio. Mas não havia hiperlotação. E mais desnecessário ainda dizer que as mulheres eram todas lindas (acho que já disse isso antes). Pena que eu estou em péssima forma, barba por fazer e a barriga já começando a falar com sotaque paulistano. Senão até arriscava um "xaveco".
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Enfim, um lugar tão sensacional que deprime. Nem de longe eu conheço lugares assim no Rio. A tal "pluralidade" do Rio anda estranha, é só pegar o jornal na sexta e contar quantas vezes em uma só coluna você lê a palavra "DJ". Incontáveis. E dentre todos estes, apenas três tipos: os que se acham artistas e falam deles próprios; os tecno/house/d & bass; e os "ecléticos" mas dentro de uns limites (tipo, "toco de tudo, desde Massive Attack a Cartola de 1960, passando por Jorge Ben de 1965. Rolling Stones? Ah, não, é muito ultrapassado"), isto é, é preciso ter uma certa "permissão" dos segundos cadernos e dos promoters para dizer que gosta de alguma coisa. Até hoje não entendo como um DJ pode dizer que o Sticky Fingers é uma merda.
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Fui para o hotel feliz, tranqüilo, sabendo que, na hora em que eu me encher o saco de tudo, existe um lugar do caralho para onde eu posso ir e saber que a vida vale a pena.
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