16 julho, 2003

A Copa de 50 e os irmãos Karamazov dos estados brasileiros



Hoje é dia 16 de julho, dia em que, há 53 anos, todo mundo chorou ? o Brasil perdeu a Copa no Maracanã para o Uruguai, naquela que talvez seja a maior vitória de uma seleção em final de Copa do Mundo na história. Os uruguaios superaram 200 mil pessoas e um país inteiro em clima de ?já ganhou?.
O que pouca gente costuma lembrar é que enquanto nós aqui no Rio perdíamos a Copa para o Uruguai, lá no Pacaembu ? na verdade, duas horas antes - a Suécia vencia a Espanha (3 a 1) em uma insossa decisão de terceiro lugar. Ainda está registrado na história que aproximadamente 8 mil pagantes estavam no Pacaembu ? algo impensável no dia de hoje, na era da TV. Certamente, com uma final no Maracanã, ninguém em parte alguma do Brasil estaria dentro de outro estádio duas horas antes do jogo que não fosse o Maior do Mundo.
Eu vejo essa perda de Copa no Maracanã e essa decisão de terceiro lugar desinteressante como ?another brick on the wall?, mais um tijolo na parede do gigantesco rancor que São Paulo alimenta contra o Rio de Janeiro, rancor este que é visível nestes tempos em que o Rio vence a disputa interna pelas Olimpíadas de 2012 (eu, como já disse, preferia uma Copa).
No dia em que anunciaram o resultado, mais ou menos um minuto depois, eu já recebia email de um dos meus chefes (de São Paulo) dizendo que o Rio não vai ganhar o direito de sediar 2012, como se isso fosse uma espécie de consolo.
Ora, qualquer cidadão em sã consciência sabe que as chances das duas cidades são muito reduzidas, devido a seus abismos sociais absurdos.
Se São Paulo tivesse perdido para Belo Horizonte, tudo bem. Mas perderam para o Rio. E isso parece incomodar demais.
Nenhum dos meus diversos amigos paulistas notou o ?discurso da competência? usado pela prefeita Marta Suplicy, na minha opinião um discurso extremamente grosseiro, usado pelo sr. Paulo Maluf em 1989 para combater a candidatura, adivinhem de quem? De Lula, presidente da República e do mesmo partido de Marta. ?Presidente competente?, dizia o pavoroso Maluf.
A prefeita disparou um ?isso aqui não é concurso de beleza, e sim de competência?, como se os cariocas fossem Kelly Keys rebolantes, como se aqui não houvesse obras suntuosas, espetaculares, como as linhas Amarela e Vermelha, como a Passarela do Samba, como o Rio Cidade e a extensão da Linha 2 do Metrô. Resultado: foi devida e merecidamente esculhambada, sim, com um ?beleza é fundamental?.
Grosseria de César Maia, claro, mas estava engasgado. Cansa muito esse ressentimento de São Paulo, esse sentimento que vem desde a década de 20 (lembremos a seleção da Copa de 30, onde já teve briga), e que atravessou um século, baseado na teoria de que os cariocas não trabalham e são desorganizados. Reforçam a tese dizendo que São Paulo é metrópole e o Rio é província - se isso fosse verdade, não seria vantagem nenhuma. Ser megalópole não garante qualidade de vida a nenhum habitante. Tanto é verdade que nos medidos de qualidade de vida tanto Rio quanto São Paulo costumam ficar atrás de Niterói.
Essa tese oculta, na verdade, que as duas cidades têm milhões de pessoas que trabalham muito e ganham mal, que as duas cidades têm problemas graves de violência, que as duas cidades empurram cada vez mais gente para o tráfico, que a periferia de ambas às vezes até se une para protestar, nem sempre de forma pacífica.
São Paulo jamais nos perdoará por termos deixado para eles a decisão do terceiro lugar. E por termos, como naquele 16 de julho, tirado eles da parada só para perdermos nós mesmos.
Por isso, parafraseio Nelson Rodrigues, quando se referiu ao Fla-Flu: Rio e São Paulo são os irmãos Karamazov da federação dos estados brasileiros, vivem há quase cem anos no ressentimento e no rancor.
Eu, por mim, queria mais era poder andar no calçadão de Ipanema e terminar bebendo uma cerveja no Opção, ali atrás do Masp, pertinho da Paulista.

1 Comments:

At dezembro 24, 2009 9:20 AM, Blogger Unknown said...

Achei muito bom o texto, nele se relata a pura verdade entre as duas cidades.
Não sou de Niteroi mas concordo plenamente sobre o padrão de vida do povo de la do outro lado da Ponte.
Show esse texto parabéns.

 

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