14 julho, 2003

Um minuto de barulho por...

COMPAY SEGUNDO



Quando vi "Buena Vista Social Clube", já entrei no cinema querendo ver a tal cena em que Omara Portuondo cantava "Veinte años" aos prantos ao lado de Ibrahim Ferrer. É um momento único, belíssimo, até por causa da letra da música, que fala de amores que mudam, de saudades dolorosas, e de pedaços de alma que se arrancam sem piedade. No mesmo filme ainda tem a paulada que nos dá na alma o pianista, Ruben González, sumindo em um horizonte sem infinito, batendo na perna um saco plástico velho com fotografias de uma vida que parece ter sido vivida por outra pessoa.
Ibrahim Ferrer é outro desses personagens, a maioria fudido com o fechamento dos cassinos e boates que se seguiu com o regime de Fidel. Nenhum deles, porém, chora miséria com isso - o que só dá mais grandeza a cada um dos personagens.
Na manhã desta segunda, recebi a notícia da morte de Compay Segundo aos 95 anos com a surpresa de quem perde um velho conhecido. Mandei até email para a Teresa, que me mandou mensagem aqui para casa falando da morte de Compay, dizendo que foi "uma morte prematura".
Claro que foi prematura. Compay, no filme, promete ter mais um filho, mesmo dizendo que fuma desde os quatro anos de idade, devido ao fato de sua avó pedir a ele que acendesse os excelentes charutos Havana (é aquele negócio, ser pobre e fumar charutos Havana, ser pobre e beber uísque nacional em Glasgow, quem se importa?) para a velha dar suas baforadas e fazer lá seu vudu.
Compay Segundo cantando era um espetáculo de raça e de uma virilidade desaparecida. Algo como nossos avôs nos mostrando roupas ou adornos de homem - Compay cantava com a macheza de um avô nos dando a abotoadura que usaremos no dia de nosso casamento. Tocava seu violão com a desfaçatez de um office-boy fazendo embaixadinhas na Praça Tiradentes, ou seja, para Compay tocar violão era um talento que todos deveriam ter, nada mais que obrigação - senão como conquistar as mulheres?
Compay Segundo foi uma homenagem que a Natureza prestou às boas coisas da vida: o gostar de música, gostar de mulher, gostar da boa bebida, dos bons amigos e da felicidade de tocar.
Vou me lembrar sempre de que mandei fazer minhas alianças de noivado no dia em que Compay se foi. Que ele nos abençoe, a todos.