13 julho, 2003

10 estações
Nesses dias em que a auto-estima (aliada à miopia) do carioca fica em alta por causa da vitória sobre São Paulo, tive a oportunidade de ver mais uma vez como essa cidade aqui é um abandono absoluto.
Fui com Marcele ao aniversário de uma amiga dela de muitos anos, em Irajá. Com a absoluta contenção de despesas a que me entrego inutilmente há meses (tento fazer sobrar dinheiro, mas quem tem o salário já abatido completamente na luta contra a inflação não tem chances), fui de Metrô , a partir da Estação Siqueira Campos. Saltando na estação Estácio, pegando a linha 2, e seguindo por São Cristóvão, Maracanã, Triagem, Maria da Graça, Del Castilho, Inhaúma, Tomás Coelho, Engenho da Rainha,Vicente de Carvalho, até Irajá.
Minha namorada, criada na Zona Norte, não se espanta tanto. Mas eu ainda fico impressionado com o desequilíbrio, mesmo com anos trabalhando em Geral nos jornais cariocas.
Ao longo de 25 minutos de viagem (ida e volta) dentro do ônibus 712, que peguei na saída do metrô e na volta, não vi sequer um PM ou guarda municipal. Vi ruas completamente às escuras. Na volta, pegamos o ônibus às 19h30 em um ponto onde ele fica parado (é circular) e havia uns sete funkeiros berrando palavras de (des) ordem dentro do ônibus. Naquele instante, percebi que os caras berram daquele jeito simplesmente porque podem fazer absolutamente tudo o que quiserem. Tudo, pois têm a certeza da impunidade.
Curioso é que as pessoas que tomam conta da Zona Sul rica devem morar, em sua quase totalidade, na Zona Norte.
E assim seguimos, os cariocas, orgulhosos dessa cidade “linda” que ganhou o direito de tentar sediar Jogos Olímpicos, mas que tem uma área decente que se pode fazer de bicicleta. Orgulho? Tenho orgulho da minha terra, não da minha cidade. Tenho orgulho do Rio de Janeiro, porque é a terra de Vinícius de Morais, de Tom Jobim, de Zico, de Lima Barreto, de Machado de Assis, de belezas naturais, de mar e montanha, das esquinas – mas isso é a minha terra, sim, na qual beleza é fundamental.
Agora, a cidade, o estado, ambos entregues a desgovernos sucessivos, são apenas atestados de nossa impotência, de nosso apreço pela desigualdade.
O Rio, quem diria, não acaba em Irajá, vai mais adiante, vai até a Pavuna. Eu saltei antes, mas às vezes tenho a impressão de que os nossos governos sequer pegaram a linha 2 - como disse Jânio Quadros sobre Fernando Henrique em 1985, “este senhor jamais esteve em Sapopemba”. Eu diria: nossos governantes desde 1982 parece que jamais estiveram no Irajá.