24 março, 2003

Solidão é isso aí
Eu tinha deixado Marcele em casa, e voltava pela Nossa Senhora de Copacabana de Sempre, pela rua de Sempre, dentro de um táxi, debaixo de uma noite que ameaçava com um temporal mas só nos dava beijos chuvosos de boa-noite. Foi na esquina com a Prado Júnior que vi as duas. No rádio do táxi, Roberto Carlos cantava "Você não sabe/até aonde eu chegaria/pra te fazer feliz". As duas atravessaram a rua, meio loiras, meio castanhas, mas abraçadas acima de tudo, como se precisassem desse abraço para suportar um mundo muito, muito escroto.
E eu que já estive, há muito tempo atrás, com muitas delas, bebendo, vivendo, me comovi com aquele abraço. Elas são putas - e isso é uma palavra feia. Mas, que catzo, são mulheres, porra. São mulheres que não estudaram, ou são mulheres que estudaram até o segundo grau, ou estudaram uma faculdade, e de repente viram que viver aquela vida daria mais dinheiro do que trabalhar normalmente - viram que o estudo dificilmente compensa nesse país.
E decidiram viver do sexo.
Mas isso dói pra caralho. É toda hora sujeito que tem raiva de mulher, que tem vontade de dominar mulher, que tem gosto em sacanear mulher, que tem desejo de se afirmar como ser humano sendo macho e sacaneando mulher, chamando-a de puta, como se ser puta fosse algo mais vergonhoso do que ser presidente de uma potência mundial que manda bombardear lugares com crianças.
Mas não. Neguinho beija a mão do Bush e joga pedra na Geni.
Mundo de merda. E elas lá, atravessando a rua, abraçadas, porque se uma não abraçar a outra, dançam. E caminham até a loja de mate que fica aberta, comem alguma coisa, vão ter que dar. Não sabem se vai dar, mas vão ter que dar.
Tudo isso, numa noite de domingo, a chuva meio fria de março, a asfixia do ano que começa, e a esperança que sufoca. Putas que pariram.