13 janeiro, 2002

Nós te amamos, Norman
Alguém se lembra da revista "Kripta"? Pois na revista Kripta havia uma história de terror psicológico em que o principal personagem, Norman, desde as primeiras horas de seu dia, era atormentado por verdadeiras multidões que surgiam do nada oferecendo préstimos a ele ou mesmo querendo conversa. No metrô, ele é assaltado, e surgem mais de trinta policiais gritando "Estamos chegando, Norman, calma". Em qualquer lugar onde ele procura por uma pessoa aparecem centenas. No final, ele sofre um acidente e é disputado por uns 15 cirurgiões, que gritam "nós te amamos, Norman".
É o típico caso de historinha que foi publicada em 1978 (por ai) mas - reparem que expressão maluca - só ficou atual agora.
Uma saída à noite no Rio de Janeiro comprova que todos nós estamos virando Normans. Sexta-feira, por exemplo, eu estava em casa sem pretensões quando um camarada meu que estava no exterior ligou dizendo que estava de volta. E falou "vamos tomar uma cerveja?", e aí combinamos ir na Matriz. "Hoje tem Monobloco, então a Matriz não estará tão cheia". Ha ha ha.
Chegamos por volta de meia-noite, e tudo estava legal. Proporção interessante de homens e mulheres - algo que torna o ambiente mais calmo e civilizado - ar condicionado numa boa, acesso fácil ao balcão, som tranquilo. Ainda encontrei a Roberta, que estava tão bem vestida - ou bonita, como preferir - que fiquei até constrangido de ficar ao lado dela.Achei que a hipótese do tal Monobloco estava certa, ia ser uma noite calma.
Lêdo engano. Em 40 minutos, entraram umas 200 pessoas. O ar, em qualquer lugar da casa (exceto a salinha ao lado da de jogos), ficou irrespirável. Pessoas transitavam sem parar, sem rumo, só para não ficarem paradas. O calor era tanto que, ao passar por alguém, se tinha a sensação horrenda de 'sentir o calor emanando' de outra pessoa - sensação que, como bem diz o Maloca, só é boa quando estamos na cama com uma mulher.
Era uma tarefa árdua, pegar bebida. Com um taco de beisebol talvez fosse mais fácil. Eu passava entre as pessoas e SÓ ouvia cantadas (algumas péssimas) e azarações. Ouvi um casal se apresentar como Jessica e Moisés. "Eu sou Moisés. Onde você mora?", perguntou o cara - parecia que o cara estava querendo entregar uma pizza, não arrumar uma companhia feminina. Enfim, um pesadelo. Eu à parte de tudo aquilo - há anos não abordo uma mulher que eu não conheço, e sinceramente não faço a menor idéia do que dizer para uma mulher que eu achei bonita. Não sei mesmo. Mas isso é outra história.
Paguei minha conta e saí para a doce liberdade dos ventos, com a sensação de que se eu ficasse mais cinco minutos teria perdido os sentidos, tal a ausência de ar. Peguei um táxi, cheguei em casa, tomei uma ducha gelada (saí da Matriz suando como se estivesse lutando capoeira), liguei meu ar condicionado, a televisão, deitei-me embaixo do edredom e iniciei uma profunda reflexão sobre a vida. E a única conclusão que cheguei foi a de que tem gente demais no mundo. No dia seguinte, ouvi os seguintes relatos.
No Monobloco, havia uma quantidade insuportável de gente. Ninguém entrava, ninguém saía. O trânsito engarrafou por quilômetros. Na Lagoa, ainda se agravou o trânsito porque centenas de pessoas buscavam os quiosques (a última vez que fui em um quiosque da Lagoa, tive que pegar uma senha e esperei 90 minutos, sentado com duas meninas ali perto).
Adoro colocar som na Matriz, e acho sinceramente que é um lugar legal. O DJ Janot reclamou que eu fiz propaganda contra no email que mandei aos amigos convidando para a festa no Ernesto. Mas não fiz. O que não faço é propaganda falsa a favor. Não tenho chamado mais pessoas pra minha festa na Matriz porque simplesmente não precisa - já vão centenas - e porque não quero chamar amigos para um lugar onde haja sofrimento.
Só que a Matriz, como o Rio inteiro, está lotada. E o único lugar que conheço que é legal lotado é o Maracanã.
E isso se o Vampeta não estiver em campo.