25 maio, 2004

Cazuza
Alguma coisa me comove naquele trailer do filme do Cazuza que tem rolado no cinemas. Não sei bem o quê, talvez seja uma nostalgia de algo que não vivi – acho que toda criança tem isso, não pode alguma coisa que quer muito, apenas por causa da idade. E quando tem idade, a coisa acabou.
Acho que é isso, comigo, com o BRock e todas aquelas coisas de Baixo Leblon e pessoas exaltadas pelo chope, vinho e sei lá o que mais. Vivi o BRock meio que vendo tudo da janela, Lobão no Noites Cariocas tocando o “Homem-baile”, eu meio que me esgueirando para não ser visto por nenhum segurança (afinal eu era menor e tinha subido pelo mato à noite, todo errado), alguns shows do velho Celso Blues Boy no Circo Voador, um ou outro do Lulu Santos, e a voz da Paula Toller cantando “solos de guitarra não vão me conquistar” ou “tira essa bermuda que eu quero você sério”.
Eu sempre fui marginal, mas no sentido de “excludente”. Um cara mais baixinho que os outros não pode mesmo fazer os mesmos programas que a maior parte da rapaziada porque afinal de contas as minas não olham para ele. E um cara baixinho, todo mundo vê que é dimenor. Então já aconteceu de eu ficar sozinho no Circo Voador, vendo show do Celso, até que um dia eu vi Barão Vermelho. E era o Cazuza, e eu nem sabia que o vocalista do Barão Vermelho (ninguém falava só “Barão”, com intimidade como hoje) se chamava Cazuza, para mim ele era só o “vocalista do Barão Vermelho”.
Nessa noite, eles cantaram “Down em mim”, porque eu lembro bem do “igreja de todos os bêbados”. Bom, apesar de ser menor, eu era um deles. Um bêbado recém-sem-pai. E o jeito do Cazuza parecia o de um sem-pai, apesar dele ter um pai superinfluente.
As músicas ficavam, eram ouvidas mil, cinco mil vezes, cada qual se alojava em um nicho: o Paralamas agradava quem gostava de Police, o Legião agradava quem gostava de U2, o Barão agradava quem gostava dos Rolling Stones. O sonho do Frejat, me parecia, era fazer aquele som da guitarra do Keith Richards. Não me lembro se alguma vez conseguiu.
Eu achava quase tudo uma merda. Mas gostava do Barão Vermelho. Como agradar alguém que na época gostava de Uriah Heep?
Nos anos 80 foi assim: eu tinha 16 anos o tempo todo, eu não usei drogas, não tomei porres escandalosos no Baixo Leblon, não vivi grandes amores, não fui promíscuo, não fui ao Rock in Rio (sério!), não briguei em mesa de bar, não vivi nada, nada.
Mas vejo o Cazuza subindo na mesa do bar, no trailer do filme, perguntando “alguém aqui tem medo?”, e me dá uma nostalgia estranha de algo que não vivi de jeito nenhum. Uma angústia repentina, como se eu na verdade não tivesse vivido nada. Ainda.
Acho que nos anos 80 passei o tempo todo assim, pensando no que ainda iria viver. E acho que o Cazuza se eternizou por isso – ironicamente, ele sempre fez a música daqueles que ainda não viviam, mas quem sabe um dia iriam viver muita coisa.