25 maio, 2004

Sobre o público e a privada
Ando pensando na tal “coisa pública”. Pensando? Não sei se é bem o termo. Dia desses, discutindo numa lista do Orkut sobre a universidade em que estudei, um ex-aluno soltou o seguinte comentário: “Quem quer se voltar pro mercado ou vai para um colegião ou nasce filho de figurão, faculdade é para criar, para as pessoas se encontrarem”. Inegável que a faculdade é para criar e para as pessoas se encontrarem. Ocorre, porém, que o debatedor negava à faculdade o dever de preparar os alunos para um mercado selvagem – no caso, o de Comunicação Social.
Que, a bem da verdade, nem é um mercado. Os profissionais são cada vez mais desvalorizados (para se ter uma idéia, em dez anos é a primeira vez que ganho de forma mais justa), e o que é pior, cada vez mais substituíveis.
A primeira coisa que um verdadeiro professor da faculdade de jornalismo deveria dizer para seus alunos é “Tornem-se insubstituíveis, ou, no mínimo, peças de difícil reposição”. Traduzindo? Leiam, sejam bons escribas, arrumem fontes, conversem com o máximo de pessoas possível, informem-se a fundo sobre a maior quantidade de assuntos possíveis, vençam a preguiça. Cavem tudo o que for possível no dia-a-dia – menos a própria sepultura.
A cada vez que vejo novos alunos tentando entrar no mercado de trabalho me dá uma vertigem. Simplesmente porque não há a mínima condição para alguém querer sobreviver de jornalismo, isso em um prazo de pelo menos 20 anos. É preciso esperar uma massa imensa de profissionais (empregados e desempregados) começar a pedir aposentadoria para aí então começar a injetar novos profissionais no mercado.
E aí vem a universidade pública e não tem sequer uma merda de um microfone de lapela para emprestar a uma aluna que está fazendo um filme. Um burocrata preguiçoso de plantão vai e diz, “Ah, os microfones são só para jornalismo e publicidade”, e a aluna, “Eu sou de jornalismo”, e vem apenas uma nova negativa. O pior: na verdade, ninguém sabe se a faculdade tem um microfone de lapela.
Claro, o funcionário precisa ter alguma eficiência? Ele está com algum objetivo em mente a não ser cumprir suas seis horas diárias de forma a se aborrecer o menos possível? É claro que não!
Algo parecido escuto, só que em relação a um conhecido hospital universitário sob responsabilidade do Estado do Rio. Com excelentes profissionais, diga-se de passagem. Eis que a mãe de uma conhecida é obrigada a fazer um cateterismo, procedimento que dá muita sede a quem o sofre.
Ela pede água e a enfermeira diz que ela deveria ter trazido uma garrafinha, porque no hospital NÃO TEM ÁGUA.
Ora, sinceramente, vão para a puta que os pariu. Conheço poucos lugares que não têm água, esperava fazer uma relação que incluísse o Deserto de Gobi, o do Saara e o vácuo. Mas que catzo, não um hospital.
Enfim, por que vejo uma coisa atrelada à outra? Porque o serviço público é vítima das más administrações e cúmplice da acomodação. Não tem microfone por dois motivos: porque o governo federal não mandou verba e porque o funcionário não quer ver se tem ou não tem.
Não tem água e microfone porque a visão que a maioria tem se parece muito com a do ex-aluno citado no início, ou seja, o local público não é local de cobrança, e sim no máximo um rendez-vous onde tanto se obtém microfones como vaga em UTI.
Querem uma coincidência no mínimo estranha? Os professores da faculdade em que estudei que considero como os MELHORES professores são até hoje os menos populares entre os alunos. Não cito nomes. Mas são os que cobravam, os que davam aula com conteúdo. Alguns deles, quem diria, até voltados para o tal mercado de trabalho, este monstro do qual a universidade insiste em fugir com os cabelos arrepiados.
Na verdade, para o serviço público, pelo jeito, o melhor aluno é o que traz sua própria garrafinha. E vivam os rendez-vous.