15 fevereiro, 2003

Clínica Tobias = posts espetaculares
Nada como procurar blogs nas tabelas laterais dos outros. Achei o Clínica Tobias lá no blog do dono da birosca, e desde então tenho me deparado com textos e reflexões extraordinárias. Como não conheço o dono, resolvi publicar sem autorização os dois sensacionais posts abaixo. Logo em seguida, meus adendos e reflexões.
Roda Viva
Zeca Pagodinho é um bom exemplo do gosto da gente besta. Nos anos 80, minha prima assistia a shows dele com seis ou sete cachorros pingados no antigo "Roda Viva", da Urca. Zeca, Almir Guineto e Arlindo Cruz eram a trilha sonora da rádio 98 FM. "Música de empregadinha", diriam os entendidos.
De um dia para o outro, o samba de partido alto virou "cult". A gente besta que freqüenta o CCBB passou a procurar seus discos nas prateleiras da Saraiva Mega Store. (Daria um maço de Marlboro para saber como essas coisas acontecem!). Sujaram o nome do pagode, dizendo: "Eu gosto mesmo é de partido alto". Deus que não existe, neguinho não entende nada...
O Zeca vendeu, vendeu, até que vendeu demais. Bebeu uísque no Jô Soares, caiu na boca da seleção brasileira de futebol e fechou a ciranda. A gente besta não quer se misturar: "O Zeca já foi melhor", dizem com empáfia e falsa intimidade.
Volta o Zeca Pagodinho para a 98 FM! Voltam os entendidos para aquela banda sueca. Que banda sueca? Aquela de nome japonês, que gravou um disco em francês na Austrália, com influências eletrônicas e tambores aborígines! Não conhecem? Está mastigadinho aí embaixo.
postado por: César Guerra Chevrand 3:26 AM
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Aquela banda sueca
Ainda lembro o que passou. A Marisa Monte desconhecida era cult. Tribalistas é um lixo. Caetano Veloso tropicalista era cult. Caetano Veloso "Sozinho" é um lixo. Bom mesmo é aquela banda sueca, de nome japonês, que gravou um disco em francês na Austrália, com influências eletrônicas e tambores aborígines.
Fazer sucesso no Brasil é problemático. Sempre foi. Ninguém aqui quer gostar do que o povão canta e lê. A graça é cultuar a banda sueca, de nome japonês, que gravou um disco em francês na Austrália, com influências eletrônicas e tambores aborígines, ou o escritor que publicou seu primeiro livro de poesias em 1965, matou a mulher em 1966, foi preso em 1967 e se suicidou em 1968.
Isso é que é bonito!
Vender milhares de discos é ofensa. Pessoal e intransferível. Para se manter no gosto dos entendidos tem mesmo é que vender três mil unidades para o mesmo grupo de sempre. Se o porteiro do prédio cantarolar, se o trocador do ônibus assobiar, está na hora de procurar o "novo obscuro".
Quantas vezes o camaradinha ouviu: "Aquele primeiro disco da Marisa era tão bom! O que será que aconteceu?" ou "Só gosto de Caetano até 1978. Depois não presta!"?
Gostar do que ninguém ou poucos conhecem e admiram confere um status especial: "Puxa, ele é tão sensível!". "Nossa, ela conhece aquela banda sueca!".
Eu, no pátio da Clínica, apenas rio - e às vezes tenho pena - da gente besta. Neguinho não entende nada...

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Taí, alguém colocou o dedo na ferida. O exemplo do Zeca Pagodinho é mais claro ainda. Eu daria uma garrafa de Jack Daniel´s para entender como essas coisas acontecem. Vejamos, por exemplo, Jorge Benjor. No início dos anos 90, tipo 1991, lançou W/Brasil, e foi do cacete. Todo mundo ouvia. O homem dava um show por mês no Arpoador, lotava. Deu um ano, mais ou menos, e Jorge Benjor passou a ser sinônimo de baba. Aliás, gosto do som dele, principalmente nos primórdios, mas não dá para deixar de reconhecer que o show dele é exatamente o mesmo há pelo menos 25 anos. Ou seja, é baba.
De repente, DJs e repórteres de Cultura "redescobrem" Jorge Benjor. Não, não foi o cidadão comum, o cara que compra, gosta, consome - esse não tem o direito de ouvir nada antigo sem que seja rotulado pelas pessoas modernas de "datado", "cafona" ou "já era".
Quem tem a atribuição divina de "redescobrir" são os DJs e repórteres de Cultura. Terror. Até hoje escuto "Led Zeppelin 3" escondido, com medo de ser censurado. Tou brincando. Mas não costumo revelar nas rodinhas que "Déja Vú", de Crosby, Stills, Nash & Young é meu exemplo de disco perfeito.
Aí neguinho "redescobre" e "resgata" a música de Jorge Ben (que é como eu chamo esse ilustre rubro-negro - desculpem o pleonasmo). Passa a ser "bom", passa a ser "dançante", porque afinal, uns meses antes, uma gravadora lançou discos de "samba-rock", mas não uma gravadora mainstream, dessas que lançam CDs do Backstreet Boys, e sim uma gravadora seleta, "alternativa"; pronto, coincidentemente, a galerinha e as gravadoras estavam bem afinadinhas de pensamento. Aliás, não posso esquecer a surpresa que eu senti na época do Rock In Rio ao ver vários críticos fanáticos por música eletrônica, de repente, atestarem que Neil Young é Deus (o que é a mais pura verdade). Sendo que durante anos eu não lia uma linha sequer sobre o extraordinário canadense, a não ser quando ele gravava com o Pearl Jam.
Talvez o sentido da música, do gosto, esteja seguindo a dinâmica da exclusão - se eu gostei primeiro e os outros não, é porque é bom. Ou, se só uma galerinha gosta, é bom. Só isso explica porque Zeca Pagodinha "agora" é ruim, mas antes era bom.
Por essas e outras que tenho orgulho em partilhar da amizade do grande André "The Axe" Machado, um sujeito que admite publicamente que adora o Kiss e foda-se.