27 janeiro, 2003

Obrigado, Spam Zine
Reproduzo texto que recebi pelo SPAM ZINE. Parafraseando a Sandy, no último comercial sobre camisinha, diria que "eu não acredito que ainda tem gente que não assina o Spam Zine". Espetacular texto sobre...
...Os talibãs da terra média
De Vladimir Cunha
- Moleque, muito firme os peitinhos da filha do Aerosmith.
Olho para trás e vejo dois garotos de cerca de 14 anos babando pela Liv Tyler, maravilhosa em um vestido branco leitoso que revela o que há de melhor em sua anatomia. Os dois parecem não estar nem aí para a história do filme. Ao contrário do resto da moçada, que vibra nas cenas de batalha mas ignora os atributos físicos da "filha do Aerosmith".
É nessas horas que tenho a certeza de que cultura pop demais faz mal à cabeça. Um sujeito que vai vestido de jedi para a estréia de O Ataque dos Clones, por exemplo, jamais deve ter jogado bola na vida. E se jogou, foi no gol. Isso porque a molecada não tinha ninguém melhor para pôr no lugar. E o que dizer daquele seu primo fã de Star Trek que conhece a fundo a mecânica da nave Enterprise e adora se fantasiar de Spock com orelha pontuda e tudo? Bem...é melhor deixar para lá.
O fato é que tem que leve essas coisas a sério. Esse ano, num ato de extrema loucura, resolvi assistir à segunda parte de O Senhor dos Anéis no dia da estréia. Na fila, que dobrava o quarteirão, vi um grupo vestido de cavaleiros medievais; um casal todo orgulhoso porque sabia falar a língua dos elfos e um garoto que chorava copiosamente por causa do Frodo. Tive que aturar ainda alguns jogadores de RPG discutindo o tamanho do cajado de Gandalf e um evangélico que tentava nos convencer de que se somarmos as letras do nome de um dos personagens do filme o resultado será 666, o número da Besta.
Quando o porteiro finalmente liberou a catraca foi aquela coisa. Gente correndo para a sala de projeção como se estivesse em um festival de rock e nerds gritando em êxtase. Um rapaz do meu lado chegou a dar uma cambalhota no saguão do cinema.
O lugar estava lotado. E para o meu azar, o único assento que encontrei foi ao lado de uma senhora acompanhada do filho pequeno, que lia para ele todas as legendas e explicava o que se passava na tela.
- Mãe...
- Que foi?
- Porque o gordinho chamou o hobbit de "meu Frodo"?
- Porque ele se gostam, filho.
- Se gostam como?
- Se gostam...
- Mãe...
- O que foi?
- Perdi minha bolinha. Cadê a minha bolinha?
Saco. Tive que mudar de lugar. Por sorte encontrei uma poltrona vaga, justamente na frente da dupla de Buttheads fanáticos pela Liv Tyler. Esses sim sabem das coisas.
Não que As Duas Torres seja ruim. Mas depois de uma certa idade não dá para engolir algumas coisas. O arianismo misógino do Tolkien é meio incômodo mas não chega a comprometer. No entanto, o que mais me incomodou mesmo foram alguns detalhes que ninguem consegue me explicar direito. Onde Legolas arruma tantas flechas? O cara flecha, flecha e tá sempre de algibeira cheia. De onde elas vêm? Quem as fabrica? E Aragorn? Como ele consegue correr três dias seguidos sem comer e sem dormir? Red Bull? Pó de guaraná? Anfetaminas da Terra Média?
E por mais estranho que isso possa parecer, a princesa ainda fica afim dele, um cara que passa o filme inteiro sem tomar banho e sem escovar os dentes. Parece até aqueles lókis do centro da cidade que vendem artesanato e tatuam a cara da Janis Joplin no braço com agulha de costura. Para mim é um mistério como esse povo é cobiçado por patricinhas hippie-chics e estudantes universitárias. Tu passa pelos caras e eles ficam te chamando de "maluco" e oferecendo cordão de miçanga e tornozeleira de conchinha. Se tiver usando camisa de banda é pior ainda, porque aí não adianta nem dizer que não quer comprar nada porque a imagem que eles tem do roqueiro é a daquele clone do Raul Seixas que toma vinho quente, anda pra cima e pra baixo com um vinil do Deep Purple todo riscado debaixo do braço e adora ouvir "rock pauleira" ("Iron Maiden, só até o Paul D'Iano" é a sua frase preferida). Ou seja: alguém que está a um passo de levar para casa um duende de durepóxi ou uma folha de maconha de arame pendurada num fio preto.
Teve inclusive uma menina do curso de jornalismo da minha faculdade que fugiu com um figura desses. Dos Anjos era bonitinha, tomava banho e se vestia legal. Mas aí arrumou o namorado, ficou toda desgrenhada, mudou o nome para Brisa e foi vender artesanato na Praça da República. No curso ela ganhou o apelido de "Barata Cascuda" e sua falta de higiene era tanta que um dos professores chegou a exigir adicional de insalubridade para continuar a dar aula. Com o Aragorn deve ser mais ou menos assim. Vai ver a princesa, cansada do tédio e das formalidades da nobreza, deve enxergar algum charme debaixo daquela fedentina toda e acha que o cara "é muito louco". Isso até ela virar a maior dondoca medieval depois que ele começar a governar a Terra Média. Imagina os dois casados daqui a uns dez anos.
- Aragorn, vai tomar banho
- Eu já tomei...
- Quando?
- Ontem...de mar
E Gollum? Pelo que entendi a aventura acontece num lugar semelhante à Europa. Então, como Gollum atravessa montanhas geladas, planícies e rios só com aquela tanguinha? Como pode alguém não sentir frio numa situação dessas? Outra coisa que me encucou foi a tal imortalidade dos elfos. Se os caras não morrem nunca, porque existem elfos de meia idade e elfos adolescentes? Por acaso chega uma hora em que eles podem parar de envelhecer e escolher em que idade ficar? E se isso não for possível, o cara está condenado a ser um elfo velho e decrépito para sempre?
Tirando isso, As Duas Torres até que é um filme simpático. Na verdade, ele acaba sendo tudo o que os novos episódios de Star Wars tentaram ser mas não conseguiram. Quem curte esse tipo de coisa tem motivos de sobra para enfrentar filas enormes, cinemas lotados e gente gritando quando as luzes se apagam e os créditos iniciais aparecem na tela. É um videogame em forma de cinema, feito sob medida para uma platéia que sai de casa para se deleitar com uma história cujo enredo ela já conhece previamente de cor e salteado. Sem alarmes e sem surpresas. Depois é só comprar o livro, a camiseta, os bonecos, a revista-pôster e assistir ao DVD, ao DVD de luxo com 15 horas de extras e ao DVD quádruplo importado com 35 horas de extras, holograma, videogame, galeria de fotos, mapa da Terra Média, uma máscara de orc e comentários em áudio do diretor, do produtor, do elenco todo e do cabelereiro do ator que faz o Aragorn. As listas de discussão na internet terão assuntos para vários meses e todos travarão imensos debates sobre se é melhor comprar o DVD, o DVD de luxo ou o DVD quádruplo, o que levará os fãs a assistirem a todos eles mais uma vez antes de darem a sua opinião.
Bem que um amigo meu avisou:
- Vais ver O Senhor dos Anéis no dia da estréia? Tás fodido, o cinema vai estar cheio de talibãs da Terra Média. Aposto que todo mundo vai aplaudir quando a águia voar.
- Que águia, rapaz? Esse filme não tem águia.
- Tem sim, filme de RPG sempre tem uma águia pelo meio.
Águia mesmo não teve. Mas em compensação teve a "filha do Aerosmith". Foi vendo-a ocupar uma tela de cinema inteira com o seu vestido branco quase transparente que eu descobri onde se escondiam as verdadeiras Duas Torres. Aragorn é porco mas não é bobo.