06 dezembro, 2002

O presente
Pedi para não ir ao trabalho nesta quinta-feira. Irritações estranhas na minha pele me levaram ao dermatologista. Em Ipanema, com uma certa fila, mas um bom atendimento. Basicamente, o que o dermatologista me disse: "Você tem alergia a calor". Sério. O cara disse que não sabia o que ao certo tinha provocado as irritações nos meu antebraços e nas pernas, mas disse que podia ser algo que, se não fosse o calor senegalês a secar minha pele, teria passado despercebido. Obviamente deixei boa parte de minha conta bancária na farmácia e passei na Letras & Expressões com Marcele, que tinha me acompanhado na ida ao médico. Lá pelas 17h, comprei o DVD da obra-prima Cinema Paradiso (nas bancas por R$ 19,90) para me confortar da pele cheia de coisas estranhas - me sinto um ogro. Se é que eu não sempre fui.
Comento com Marcele que acho legal a coleção de todas as edições da Super Interessante em CD-ROMs. Uns 40 paus. Ela fala que vai me dar de Natal. Recuso na hora. "Não é um presente romântico", eu digo.
Ela me pergunta o que é um presente romântico (se esquecendo que foi ela quem me deu "Are you passionate?", do Neil Young, o presente mais romântico de toda a história da humanidade).
Realmente. O que é um presente romântico. Bom, a primeira coisa que devemos pensar é que o presente romântico é um objeto com uma história atrelada. Isto exclui, por exemplo, Braun Mini Piner da Walita, sabonetes de luxo, perfumes, camisas do Vasco e coleções de Seleções do Reader´s Digest. "Mas você me disse que daria uma bicicleta", ela argumenta. Eu respondo que uma bicicleta é um objeto que pode ser um presente romântico, a partir do momento em que passaríamos horas andando de bicicleta em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas.
O presente romântico é algo que tem cerca de 65% de chances de ser um livro ou um CD. Algo que se eterniza no ato em que é utilizado. Um CD do Otis Redding, por exemplo, é um presente romântico ducacete. "These arms of mine", você ouve, e como não se lembrar de quem lhe deu o presente, se foi alguém do sexo oposto?
Um pacote incluindo uma garrafa de champanhe, um lenço de seda (para tampar os olhos da mulher) e um par de algemas (além do fetiche, simbolizando a união) também é um bom presente romântico.
Caras com dinheiro têm mania de dar coisas caríssimas, tipo home theater ou assinatura do Sky para suas mulheres. Bobagem. É coisa que elas podem usar com outro, depois que o namoro terminar. Agora, sinceramente, se um dia eu e Marcele não estívessemos mais juntos (coisa que acho bem difícil de acontecer), em nenhuma hipótese eu ouviria "Are you passionate" com alguma outra mulher. Esse é o verdadeiro presente romântico, o que impõe barreiras. "Você só pode usar comigo", parece dizer o presenteador.
Enfim, o verdadeiro presente romântico jamais é útil. É, por definição, deliciosamente desnecessário.
Ainda que hoje em dia eu não saiba viver sem "Are you passionate?", do Neil Young.