16 maio, 2002

Miniconto - Vaidade

Mina entrou no palco radiante, como se não estivesse preocupada com dinheiro. Nunca ninguém a viu interpretando tão bem.
Na primeira fileira da platéia, sua filha, uma menina tímida, feia e adolescente, roía as unhas preocupada com o aluguel do apartamento em que moravam. Mas ela não fazia parte do cenário, ela não poderia resolver nada. Sua mãe, sim. Observava orgulhosa a interpretação da mãe, mas ao mesmo tempo não conseguia compreender como toda aquela apresentação, os gestos precisos de Mina, a voz melodiosa, seus passos milimetricamente treinados; como poderia toda a aura que envolve os artistas não as tornar ricas? Nem o figurino valorizando as coxas de sua mãe. Nem o cenário. Nem a iluminação. Nada. Elas sairiam dali tão falidas quanto entraram. Lembrou-se do pôster de um espetáculo antigo que Mina participara pendurado na parede da sala em sua casa. Letras garrafais no cartaz dizendo "envolvente atuação de Mina Florença" com uma bela foto de corpo inteiro da atriz.
Acabou o primeiro ato. Correu ao banheiro, ansiosa para fumar um cigarro. Fumava escondida. Tocaram as campainhas, voltou ao seu lugar. De repente, lembrou-se de Mina na cozinha, gritando e olhando-a com certa repugnância. Recordou aquele olhar e não se sentiu querida. Por um instante pensou “ela teria me abortado”. Apreciava o talento da mãe e a admirava, mas se entristecia pensando que nunca seria tão magnífica quanto ela. Quis fumar outro cigarro. Olhando-a atuando, julgou-se ainda mais feia e estúpida. Aproveitou o escuro do teatro e chorou. O namorado da mãe, sentado ao seu lado, percebeu suas lágrimas, mas ela disfarçou dizendo estar emocionada com a peça. Desviou o olhar da mãe para estancar o choro e só então percebeu como eram ruins os outros atores. Descata-se entre amadores, foi o que pensou, falta-lhe carisma. Sorriu, então, possuída por uma felicidade invejosa e vingativa. O espetáculo terminou sob aplausos e elogios à belíssima atuação de Mina. O espetáculo acabou. Voltou ao banheiro. Encarou-se no espelho. Sentiu-se bonita. Abriu a bolsa e retirou da carteira um retrato 3 x 4 do pai. Ele era estranho, mas não achou-se parecida com ele. Acendeu um cigarro e recusou-se a ir ao camarim.