Praise the lord
Eles são gordos. São feios. São negros. E de jeito nenhum eu usaria aqui a palavra "mas", porque eles não merecem. Eles são gordos, são feios, são negros, e cantam "praise the lord". Por quê?, se são feios, gordos e negros (em um mundo francamente racista?)? Eles agradecem a Deus por Deus ser música - pelo menos para eles, pelo menos para as pouco mais de 300 pessoas que viam o grupo Harlem Gospel naquela noite de sexta-feira da Paixão no Canecão, Rio de Janeiro.
Capitaneados por um mestre de cerimônias (que apesar de meio exagerado também cantava demais), eles deram um show espetacular, sem efeitos visuais, apenas com um baixista, um pianista e um tecladista. Olhava as faces daquelas mulheres negras, gordas e feias, cantando como se fosse seu último gesto em vida, e pensava na vida de cada uma delas. Amam, amavam, sentiam? Como foram parar ali? Um enigma. Vivem, como cada um de nós vive, sua "little stupid life" (como em Beleza Americana), a cantar a existência de um Deus que só se torna tangível exatamente por seu canto. Se eles não cantassem, talvez seu Deus não existisse. Mas Ele existe.
Em alguns momento, vivi o êxtase. Parecia que daqueles negros só saía amor. E eu pensando, "caralho", porra, todos nesse imenso teatro, nesse imenso drama, de dor, de rejeição, de paixões mal resolvidas, e aqueles negros feios, gordos e negros, sim, apenas cantando, "praise the lord", e não só cantando, mas fazendo algo acima do verbo cantar. Vozes alcançando uma dimensão que eu nem pensava existir. Racionalmente, sei que Aretha Franklin, por exemplo, vai mais além. Mas ali, não via nada além. Ou melhor, via o que estava além.
Sim, na comunicação com Deus, música + amor parecem ser a soma do fio imaginário que permite o diálogo. O show acabou, eu tinha uma festa para ir, mas me recusei. Não queria participar, pelo menos daquela noite, da coisa de sempre - gente se achando importante por ser DJ, músicas terríveis mas que devem ser aceitas por imposição do momento, a eterna troca de olhares e avaliações humanas. Não, nada disso. O show não deveria acabar.
Fui para casa, e me recusei também a orar. A oração estava feita. Feliz Páscoa. A música sempre vence, no final. Praise the Lord. My sweet Lord.
Como tudo o mais fica insignificante - eu incluso.
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