19 dezembro, 2001

Coração em vermelho e preto
Eu tinha prometido não voltar a esse assunto, para não ficar brigando com a Alessandra; mas como hoje é dia de decisão, e eu tenho certeza de que ela vai torcer pelo Flamengo só para me ver mais feliz, faço essa homenagem aos rubro-negros e tricolores, usando um trecho do livro "O anjo pornográfico", do Ruy Castro. Foi transcrito e enviado para mim pela minha prima Mariana. Divirtam-se.
"O Fluminense não se conformava por Mário Filho nunca declarar-se tricolor. Todos os Rodrigues eram Fluminense e ele, que era o mais importante, não podia ser outra coisa. Então, por que não confessava? Já fora Fluminense, mas só até 1928, dizia Mário Filho. Desde então torcia apenas pelas 'seleções brasileira e carioca'. O Fluminense se conformaria com isso, se não suspeitasse que Mário Filho fosse secretamente Flamengo. Mário Filho negava que fosse Flamengo e o Fluminense acreditava. Mas, quando o Fluminense ia ver, lá estava Mário Filho cercado de seus amigos flamengos: Bastos Padilha, José Lins do Rêgo, Ary Barroso, Moreira Leite e, agora, Gilberto Cardoso, Dário de Melo Pinto e Fadel Fadel. Tinha amizades também nos outros clubes, mas com os rubronegros era diferente - parecia falar em código com eles. O Fluminense não achava isso certo. E havia umas coisas realmente difíceis de entender. A história de Dóri Kruschner em 1938, por exemplo. O grande treinador húngaro estava sendo importado por Arnaldo Guinle, presidente do Fluminense. E aí Mário Filho intrometeu-se e convenceu Bastos Padilha a desviá-lo para o Flamengo. Dóri Kruschner fez uma revolução tática no futebol brasileiro e foi o Flamengo que levou a fama. Depois, Mário Filho escreveu aquele livro maravilhoso, 'Histórias do Flamengo'. Por que não uma 'Histórias do Fluminense'? E ele vivia publicando coisas suspeitas sobre o Flamengo. Por exemplo: 'Por que o Flamengo se tornou o clube mais amado do Brasil? Porque o Flamengo se deixa amar à vontade. Não impõe restrições a quem o ama. Aceita o amor do príncipe e do mendigo e se orgulha de um e de outro. Se um flamengo matasse pelo Flamengo, seria um herói; se morresse por ele, um mártir ou um santo. O Flamengo nunca se envergonhou de nenhum jogador que lhe vestisse a camisa.'  E por aí afora. Só de coração alguém escreveria uma coisa dessas, pensava o Fluminense. Mário Neto, que nasceu tricolor e viveu com Mário Filho a vida toda, sempre achou que seu avô era Flamengo, embora nunca admitisse. Uma das primeiras recordações de Mário Neto era a de um Flamengo X Botafogo em 1955, quando ele tinha 8 anos. Jogo duro. Quando Dequinha fez o gol que seria o da vitória, Flamengo 1 X 0, Mário Filho pulou da cadeira, em pleno ar, sentiu que não devia fazer aquilo e passou o resto do jogo quieto, mas feliz.
    Mas, para Mário Neto, a prova definitiva foi um fla-flu de 1959. Mário Neto queria uma bandeira do Fluminense. Mário Filho deixou-o comprar, mas obrigou-o a comprar também uma do Flamengo. 'Fica melhor assim', disse. Só que a do Flamengo, escolhida por Mário Filho era o dobro da bandeira do Fluminense. O tricolor ganhou por 2 X 0, gols de Valdo e Telê. Mário Filho voltou amuado para casa e não deixou o neto abanar sua bandeira pela janela do 'Buick' preto. O motorista de Mário Filho, o Chaves, sempre de farda, quepe e luvas, achava graça. Sabia a diferença que uma vitória ou derrota do Flamengo provocava no humor do patrão."
 
(Castro, Ruy. O Anjo Pornográfico: A vida de Nelson Rodrigues. Cia das Letras, 1994. pp 258-59)