06 outubro, 2002

Doses saudáveis de ironia
O texto que coloco abaixo é de um amigo que usa o pseudônimo de Laertón Glauquito. É um sujeito dos mais inteligentes que conheço, característica que o torna inevitavelmente um dos mais revoltados. "Sou tenso porque sou lúcido", já dizia o Fradim, do Henfil. Bom, mas divirtam-se abaixo. E guardem - pode ser útil para uma monografia...

Estou fazendo pós em Comunicação. O texto abaixo é um resumo de minhas primeiras impressões e reflexões sobre esse tema tão amplo quanto restrito em sua sutilidade semântico-hermenêutica, num contexto que tanto governa quanto é determinado pela mundialização dos sentidos pós-contemporâneos. Espero que seja útil.
Laertón Glauquito.

Como escrever Textos Comunicólogos
1 - Logo de saída, abandone essa idéia estapafúrdia de que seu texto deve estabelecer algum tipo de comunicação com seu leitor. Se o leitor não entender o que você escreveu, exulte.
2 - Não leia, releia; não pense, repense; não escreva, reescreva; não destrua, desconstrua; não pise, repise e reprise.
3 - Seus objetivos ao escrever o texto devem ser confusos o bastante para confundir o leitor. Faça o teste: se você gastar menos do que 10.000 caracteres para explicar o objetivo do seu texto, deixe-o de lado.
4 - Seu texto deve ser uma sucessão de paráfrases dele mesmo. Ou seja, você só precisa se esforçar para escrever a primeira frase.
5 - Nunca utilize as palavras em sua classe gramatical comum: verbos devem ser substantivados (basta acrescentar um artigo antes da forma infinitiva); substantivos e adjetivos podem ser transformados em verbos à vontade (basta acrescentar os sufixos "-izar" ou "-ificar"). Toda e qualquer palavra pode se transformar em advérbio pela adição do sufixo "-dade". Já os substantivos abstratos são sempre preferíveis aos concretos. Quando tudo mais falhar, use o seu dicionário para escolher o sinônimo menos usual na língua corrente.
6 - Quando faltar assunto, apele para a etimologia.
7 - A ambigüidade deve ser a regra, jamais a exceção. Sempre deixe espaço para afirmar o contrário do que você quis dizer, caso algum leitor chato consiga pegá-lo no contrapé de uma contradição.
8 - As aliterações devem ser a liturgia de sua literatura. Ecos, rimas e cacófatos são sempre bem-vindos.
9 - Sempre diga que vai definir "precisamente" ou "de forma muito clara" algum conceito que você vai apresentar em uma dúzia de parágrafos obscuros.
10 - A deseconomia é a pedra fundamental de sua redação: se pode dizer numa frase, não diga numa palavra; se pode dizer num parágrafo, não diga numa frase; se pode dizer em várias páginas, não diga num parágrafo; e assim por diante.
11 - O objeto de estudo é secundário, o que importa é o discurso que você produz sobre ele.
12 - Escreva páginas e mais páginas sobre a antonímia de palavras sinônimas e sobre a sinonínima de palavras antônimas.
13 - Ninguém sabe nada de mecânica quântica, ninguém leu Xenofonte no original. Pode mandar brasa.
14 - As notas bibliográficas devem ocupar pelo menos 20% das páginas do seu texto. A chance de que alguém vá conferir suas fontes é muito reduzida.
15 - A sintaxe deve ser empregada a serviço da confusão: se você usar dois pontos duas vezes na mesma frase: você será considerado um gênio.
16 - Você nunca perde por redundar.