04 outubro, 2002

O debate morno
O debate dos candidatos foi o que se esperava: asséptico, meio frio, todo amarradinho, com tempo certo, enfim, um circo todo idealizado para jamais pegar fogo. Apesar da maioria estar achando o contrário, acredito que Lula foi o vencedor desde morno embate. Primeiro, porque teve a nobreza de ir ao debate estando com a eleição praticamente definida - Collor tinha menos que Lula em 1989 no primeiro turno e faltou a pelo menos três debates. Segundo, porque se mostrou comedido. Sim, por que não? Ao questionamento idiota de Garotinho, "você é contra ou a favor da utilização das águas do Rio São Francisco?", ele respondeu o certo: temos que estudar mais o problema. Garotinho acha no mínimo que todo mundo tem que ser definido em tudo - logo ele, que não soube que posição tomar no dia em que o Rio parou (30 de setembro).
Lula ainda teve um momento excelente, quando Serra disse que "tarifas públicas" têm que ser controlada. Aí realmente foi demais. O mesmo governo que impôs o racionamento e logo depois deu um baita reajuste para as operadoras "para elas recuperarem o que perderam" tem um candidato que diz uma dessas. Aí Lula detonou: "Vocês privatizaram, liberaram operadoras, e basta o dólar aumentar para aumentar gasolina, gás, luz, telefone em cima de um povo que ganha em real. E vão querer falar de tarifas públicas".
Ali, Lula sintetizou o desabafo contra um governo que simplesmente colocou 12 milhões de desempregados nas ruas - este é o número de 1998 a 2002 (se eu não estiver errado) - em uma quebradeira geral, pior do que no período pós-1964, quando Bob Fields mandou o célebre "Quem não tem competência que não se estabeleça".
Serra não é um candidato mau. Se não representasse esse governo, seria talvez o melhor de todos. Não é qualquer pessoa que enfrenta como ele enfrentou o lobby das indústrias do tabaco. E pior, o das indústrias farmacêuticas. Acima de tudo, Serra pôs a cara à tapa, aceitando uma candidatura difícílima, uma candidatura com o peso de oito anos do governo FHC (que até avançou em muitos pontos, mas o preço do desemprego é alto demais, doloroso demais). E não acho que Serra seria pior - tenho certeza de que seria um bom governo.
Mas só se o país não estivesse com está: desemprego geral, o crime abrindo vagas com ótimos "salários", os mais jovens crescendo achando os bandidos legais, a distribuição de renda cada vez mais aviltante, o comércio e a indústria quebrando, enfim, a um passo do Caos. "Os 10% que podem não conseguem consumir pelos outros 90% que não podem, por isso os barzinhos estão quebrando", me disse ontem um taxista em Copacabana após o debate, quando eu saí da casa de Marcele e vi tudo deserto numa noite de quinta-feira.
Se o país não precisasse tanto de uma mudança radical, Serra seria muito bom. Mas do jeito que está, não tem jeito. Agora é Lula.