06 outubro, 2002

Um texto sem graça nenhuma
Costumamos dividir nossas vidas em Copas do Mundo - sobre isso já se escreveu à exaustão, inclusive o Dapieve, do Globo. De fato, vi palitinhos de fósforo jogando futebol em 1974 (propaganda da Fiat Lux), me lembro de papéis picados e Kempes em 78, chorei pela primeira vez em 1982, sofri um trote de mau gosto em 86, e me lembro de ter visto o Brasil perdendo para a Argentina em Vista Alegre no ano de 1990. A partir daí, minha vida fica mais recente - apesar de não ter mais os mesmos amigos que em 1994 (exceto alguns), não trabalhar mais no mesmo jornal que em 1998 (JB) e já ter mudado muito em 2002, pois após a Copa do Mundo comecei a namorar pela última e definitiva vez - pelo menos é o que eu sinto e penso nesse instante, sem a pretensão de mandar no futuro.
Mas 1989 foi um ano de mudança em minha vida - foi durante a eleição direta para Presidente da República de 1989 que decidi fazer vestibular para jornalismo, tomando a decisão dolorosa do que fazer na vida. Talvez tenha sido uma decisão errada - mas é melhor do que não tomar. E em 1989 pensei que o voto e a política mudavam as coisas por um passe de mágica.
Em 1989, na Praça da Apoteose, vi Lula discursar, ao lado de vários outros políticos. E vi pela primeira vez Chico Buarque de Hollanda cantar - a primeira e única vez. Cantou a mais bonita e esperançosa música de protesto já escrita no mundo: "Vai passar". Durante a música, bandeiras vermelhas se agitando, pessoas se abraçando, se beijando, crianças rindo, como se estivesse se decidindo naquele momento que não haveria medo de ser feliz. "Vem ver de perto uma cidade a cantar/A evolução da liberdade/Até o dia clarear", e eu ali, aos 21 anos, sonhando com um mundo mais justo.
Os anos se passaram e o ceticismo individualista tomou conta. Claro - salário no fim do mês, contas, esperanças e desilusões, descrédito e a gente toda já não acreditando em muita coisa. Lula? Farsa. Brizola? Incompetente. Quem mais? Nada. Coragem de apostar? Nenhuma. Vamos manter como está.
Até que vem essa eleição e volta aquele sentimento dos 21, aquele pensamento de que, de repente, pode acontecer, pode ser a hora das coisas não serem mantidas como estão. Junto com esse sentimento, uma sensação de abismo se abrindo, de ver que o tempo passou e que já não se pode mais o mesmo, e, principalmente, já não se espera mais o mesmo. Nada tão doce como a expectativa nascida da esperança - e essa eu confesso que andava meio perdida.
Mas de repente, sim, voltou alguma coisa. E eu vou votar como votei em 1989, como se estivesse enviando uma carta a mim mesmo, daqui, do "futuro", para aquele garoto de 21 anos do passado.
É isso aí, cara. A coisa só piorou. Se eu fosse você, ficava por aí em 1989 mesmo. Mas ó: avise ao Leonardo que o Maurício, do Botafogo, vai empurrá-lo e fazer o gol.