02 agosto, 2002

Os melhores LPs da Minha Juventude
Déja vù
Comprei meu LP Déjá vù, a obra-prima do quarteto Crosby, Stills, Nash & Young, de um maconheiro da minha rua - o cara estava precisando de grana para umas trouxinhas e eu fui e ajudei-o a sustentar seu vício. E ele, ao meu. "Eu só estou te vendendo porque sei que um dia você vai vender de novo, e vai ser para mim", disse o cara. Eu ri baixo. Nunca faria isso. E não fiz. Hoje, tenho o Déja Vù em CD, mas ainda guardo o LP, versão importada, no fundo de um armário.
Eu tinha lá os meus 14 anos, mais ou menos dois anos de rock and roll, e estava já em fase de aprimoramento, um processo que levou anos e que durou até os 19 anos, quando vendi meus discos do AC/DC e Deep Purple (bandas que hoje até posso ouvir na boa) para comprar vários do Eric Clapton. E é inegável: o Déja vù, como que para justificar o nome, reaparece em diversos momentos da minha vida, não só como contemplação da música quase divina daqueles quatro caipiras como também na forma de meditação nos momentos difíceis.
Um disco que começa com uma bela balada de violão e quatro vozes como "Carry on" só pode ser fantástico. Claro que a música só poderia ser de Stephen Stills, talvez o cara mais folk n roll do quarteto. Na minha visão, o cara mais "country" era o Graham Nash, tanto que é de autoria dele a música seguinte, um tremendo country com direito a slide e mensagem de candura: "Teach your children". "Teach your children well/Their father's hell did slowly go by/And feed them on your dreams/The one they picks, the one you'll know by" é o refrão do maravilhoso e cafonérrimo country de Nash. Nada mais Nashville.
David Crosby era na minha opinião o cantor mais hard rock, mais poderoso, de todos eles. Por isso, a suavidade de "Teach your children" é rompida no disco pelo sangue derramado de "Almost cut my hair". Sangue derramado apenas na maneira de Crosby cantar, e na guitarra incrível que eu até hoje não sei de quem é. A música é um hino daquela geração pós-68, como se fosse um amadurecimento. "Increases my paranoia/like looking into a mirror and seeing a police car", canta David.
Aí vem o momento mais doce, sofisticado e terno do disco, para mim: um som semelhante a de um violino distorcido, como a tecla "harpsichord" dos órgãos eletrônicos, anuncia a entrada de "Helpless". Desnecessário dizer que quem entra é Neil Young com um canto desesperado porém calmo, como quem se desesperasse em Hiroshima dois segundos após passar o Enola Gay. "There is a town in north Ontario/With dream confort memory to spare/And in my mind I still need a place to go/All my changes were there". O jeito com que Neil canta, suspirando, "in my mind i still need a place to go", é simplesmente enternecedor. Não é à toa que se tornaria para sempre o meu preferido dos quatro, não é à toa que aos 12 anos eu já o ouvia em "Powderfinger".
Para finalizar um lado de LP simplesmente perfeito, uma canção da cantora Joni Mitchell (que lançou ano passado um disco de canções jazzísticas muito legal, chamado "Both sides now"), "Woodstock". Uma canção em ritmo mais forte, com o tom poético/pacifista: "By the time we got to Woodstock/We were half a million strong/And everywhere there was song and celebration/And I dreamed I saw the bombers/Riding shotgun in the sky/And they were turning into butterflies/Above our nation".
O lado B começava com "Déja vù", música-título, belíssima, e seguia com o hit "Our house", com um tom nostálgico capaz de rachar a alma da gente ao meio. "Our house is a very, very fine house/With two cats in the yard/Life used to be so hard/Now everything is easy/‘Cause of you". Uma canção sobre Família, Nostalgia, talvez sobre a vertigem que nos dá - e às vezes não percebemos - quando lembramos de antigos Natais, e quando notamos que os Natais não são mais os mesmos. Que a gente conhecia melhor nossos tios e tias quando éramos crianças - porque eles eram mais sinceros por sermos crianças e não entendermos nada.
Déja vù ainda tem "4+20", "Country Girl" e "Everybody I Love You" - a segunda é como se fosse um medley. Três faixas espetaculares para encerrar uma verdadeira obra-prima. Depois, os quatro só lançariam juntos mais um LP de estúdio, "So Far", muitas vezes confundido com uma coletânea por ter três faixas do "Déja vù" repetidas. Desconfio que na verdade "So Far" é uma reunião de singles. Mas é igualmente imprescindível por conter "Find the cost of freedom", "Helplessly hoping" e "Suite: Judy blue eyes".
Nos piores momentos, porém, a gente sempre respira melhor com Neil Young suspirando em "Helpless".


Os outros abordados:
Sticky Fingers - Rolling Stones
Peter Framptom - idem
Tapestry - Carole King
The Wall - Pink Floyd
Tatoo you - Rolling Stones
Cheap Thrills - Big Brother and the Holding Company (Janis Joplin)