19 agosto, 2002

O Brasil do tamanho da arquibancada
Domingo de sol, fui com Marcele ao Maracanã ver Flamengo x Goiás, jogo que lamentavelmente terminou empatado em 1 a 1 - mais uma vez o time da Gávea perdeu pontos preciosos em casa. Menos mal. Mas vale sempre o programa, para mim ir ao Maracanã é algo sagrado desde 1976, a primeira vez que eu fui, levado por meu pai. Para mim, estar naquela arquibancada é como estar um pouco com o velho, que me ensinou a amar as cores do Flamengo, que me ensinou que quando se aprende a amar um clube a gente até aprende que é careta deixar de dizer que ama alguém. Desnecessário dizer que eu amo o Flamengo, assim como está na cara que eu fui ver o time que amo ao lado da mulher que eu amo.
A umas três cadeiras de mim, havia um menino de uns sete anos. Magro (acreditem, como eu era), cabelo castanho claro e liso (quando eu tinha cabelo, era assim), em pé na arquibancada ao invés de sentar (como eu fazia, por ser muito baixinho), ao lado do pai. Olhei para aquele menino e falei com Marcele, "parece comigo quando eu era pequeno". E pensei no quanto vai fazer bem àquele garoto ter aquela lembrança, de poder dizer que lembra do pai dele ao lado naquele jogo.
Procurei outros meninos. Não achei. Aí pensei no Pay-Per-View, na transmissão da TV, nos patrocinadores, na comercialização, nos altos salários. Sim, os meninos hoje ficam em frente à TV, ao lado do pai, até, mas em frente à TV. Por que?
Porque a miséria absoluta a que esse país foi levado gerou violência e, pior do que isso, culto à violência por parte de pessoas pobres. Galeras funk, armas, tráfico, revolta social, ódio, vontade de brigar, tudo porque falta dinheiro, falta emprego, falta comida e falta mulher. Isso mesmo. Nada pode ser mais pacífico do que homem com mulher ao lado. Sujeito que fica com mulher ao lado e vira violento não é homem, é imitação de gente.
Por causa dessa miséria absoluta, esse ambiente em que o Ser tenta se impor pela força e pela violência, em que o cara troca a afetividade pela agressividade, apareceram pessoas de torcidas organizadas, que passam o jogo inteiro trocando ameaças entre si. Que pai tem a coragem de levar o filho num ambiente desses? Esses caras jamais foram ou serão torcedores de verdade. Não sabem quem foi Rondinelli, não sabem o que é chorar com um gol de Nunes, não conhecem nada disso. A recordação desses caras não é ao lado do pai, mas sim do dia em que tiraram sangue de alguém.
Pelo menos foi tudo bem no Maracanã, e depois eu e Marcele ainda fomos comemorar o empate (merecia comemoração, os caras mandaram uma bola na trave) no Zio Pepperoni, um espetacular restaurante de pizza a lenha na Muniz Barreto, em Botafogo.
Mas ainda fiquei pensando naquele garoto com a camisa do Flamengo, e fiquei esperando que o pai não desanime, apesar das brigas de torcidas. Vale a pena. Por mais que o Lula Pereira insista em escalar Hugo no meio-campo.