06 março, 2002

As suscetibilidades de Tábata

Se for pra escrever, que seja sobre os melindres. Porque há quem nunca se satisfaça. Se há sol, prefere-se a chuva; se há chuva, prefere-se o sol. É um tipo de pessoa solitária e triste, como era Tábata. Sabe-se que desde pequena era esquiva e sonolenta. Falava pouco, comia pouco, se expunha pouco, vivia pouco. Pouco a pouco, entretanto, começou a tomar gosto por essa coisa de acordar todos os dias viva. Cresceu meio desgovernada, como uma flecha solta e arisca, repetindo que ninguém gostava dela e acreditou nisso até quando ficou velha.
Às vezes, tinha certeza de que o mundo girava em torno dela. Se as pessoas conversavam baixo no canto, estavam falando dela; se as pessoas riam, era dela, neuroses que só uma pessoa tímida compreende. Só muito tempo depois Tábata se convenceu de que não era nada. Mas, para isso, precisou matar um pássaro. O canário não conseguia mais voar, deu uns saltinhos e morreu. Ela assistiu, passivamente, a morte do pássaro, virou as costas e foi embora. Tinha colocado algo no alpiste dele. Teve dó do passarinho e mais ainda de sua mãe, que dele tanto gostava. Preferia tê-lo libertado, mas ele iria morrer do mesmo jeito, foi o que deduziu, então matou-o.
Por que precisou fazer isso é o que pretendo explicar. Porque queria permitir-se ser livre para pensar e dizer o que queria, e identificava no pássaro o símbolo da liberdade que queria para si, para ser, para olhar-se no espelho livremente sem vergonha de ser o que era, bonita ou feia, branca ou mulata, de cabelos louros ou negros, com roupas extravagantes ou calças compridas, maria-chiquinhas ou cabelos soltos. Tábata tinha urgência para aceitar-se e demorou tanto para perceber isso que suas suscetibilidades a afastaram das pessoas que mais gostava. Foi então que Tábata acabou virando uma personagem esquisita de um conto assim de uma pessoa como eu e morreu.